Quem trabalha estudando e/ou lecionando com certeza já ouviu uma pergunta dessas. Entenda aqui melhor como é o trabalho de quem se dedica a compreender melhor como certas partes do mundo funcionam e contribuir com descobertas que podem melhorar sua vida em vários aspectos.
Carreira acadêmica é a denominação para quem pretende atuar no ramo da pesquisa e prática docente em instituições de ensino e pesquisa. No Brasil, ela ainda está bastante intrínseca à atuação nas universidades e institutos de pesquisa como pesquisadores e professores universitários. Geralmente essas instituições são financiadas com dinheiro público, mas existe cada vez mais uma participação do setor privado através de incentivos fiscais e buscas por novas tecnologias.
Formação
Quem opta pela carreira acadêmica, deve se envolver em grupos de estudos, congressos, eventos científicos, iniciação científica, entre outras oportunidades desde a graduação. Elas são muito boas também para começar a construir seu networking. Geralmente, a pessoa escolhe uma área em que tenha mais afinidade e interesse para estudar dentro do seu curso de formação ou até mesmo em outros cursos ou em projetos multidisciplinares (que envolvem várias áreas), contactando um professor que poderá ser seu orientador na iniciação científica.
Após concluir a graduação, vem a pós-graduação stricto sensu:
mestrado – feito antes do doutorado, é um curso com cerca de dois anos de duração onde deve ser entregue e apresentada a dissertação de mestrado no final acerca de um tema de interesse. Não precisa revelar algo inédito (como no doutorado), pode-se optar por aplicar uma metodologia já consagrada em uma situação ainda não explorada. O objetivo é mostrar a capacidade do estudante de compreender e aplicar a metodologia científica;
doutorado – duração média de quatro anos, com estudos mais aprofundados e com algum ineditismo, exigindo do estudante uma maior autonomia; no final, deve ser apresentada e entregue a tese de doutorado. É possível fazer o doutorado direto, sem passar pelo mestrado primeiro, caso o indivíduo seja corajoso, perseverante e tenha uma ideia inusitada de projeto de pesquisa durante ou logo após a graduação. Ao contrário do senso comum, não precisa ser um gênio para fazer doutorado, ter uma boa orientação (boa comunicação com o(a) orientador(a)), um projeto com objetivos claros (quais hipóteses deseja-se testar) e muita perseverança.
Nos dois cursos, existe uma carga horária de aulas obrigatórias e um projeto de pesquisa. Nele, costuma ter revisão bibliográfica, pesquisa de campo, estudos em laboratório, leituras, entre outros. Tanto a dissertação quanto a tese são livros que reúnem as principais informações e considerações sobre a pesquisa realizada.
Ainda existe o pós-doutorado, coloquialmente chamado “pós-doc”, que é um estágio de estudo e pesquisa feito por um portador do título de doutor numa universidade ou instituição de pesquisa, visando ao aprimoramento de suas habilidades de pesquisador e acadêmicas, além de servir como ocupação para os pesquisadores novos que ainda não encontraram emprego em sua área do conhecimento, seja na inciativa privada, ou no setor público (abrir concurso está difícil, ser chamado então, mais ainda).
No Brasil, toda a evolução profissional, incluindo eventos e publicações em que participou, deve ser registrada no currículo da plataforma Lattes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), conhecido como currículo Lattes. Ele é a referência para processos seletivos, como concursos públicos, ingresso na pós-graduação, pedidos de bolsas e projetos de pesquisa.
Como é o trabalho?
Basicamente, o trabalho do cientista envolve encarar de frente o que a humanidade ainda não entende e se dedicar para ampliar, ainda que um pouco, a nossa fronteira do conhecimento. Pode-se aprender coisas novas todos os dias. Por outro lado, um dos maiores desafios do trabalho é manter a motivação, já que, ao lidar com coisas novas, é comum as coisas saírem errado várias vezes antes de se acertar. Deve-se considerar que o resultado negativo também é um resultado e deveria ser encarado como tal. Cada vez mais cientistas estão publicando seus resultados negativos para que outros não repitam seus erros, acelerando assim o desenvolvimento da Ciência.
A imagem que o cinema passa dos cientistas é de uma pessoa trabalhando isoladamente em um laboratório, meio maluco, e que faz suas descobertas em arroubos do tipo “eureca”. Todos os elementos desse estereótipo são bem discutíveis nos dias atuais.
Os cientistas atualmente costumam trabalhar em grupos, que constantemente interagem com outros em eventos, conversas diretas, publicações, etc. Mesmo o conhecimento de uma área específica é muito grande para ser dominado completamente por uma pessoa apenas. Cada cientista baseia-se em trabalhos realizados pela comunidade de profissionais para colocar sua contribuição no conhecimento geral, ou seja, é uma tarefa colaborativa – como diria Isaac Newton, “se vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. Com a pandemia de COVID-19, a colaboração científica se tornou manchete no mundo.
Quanto à loucura, estudos empíricos afirmam que ela possui uma forte relação com a genialidade. O mais importante processo em comum entre elas é a desinibição cognitiva: tendência de prestar atenção a coisas que normalmente seriam ignoradas ou filtradas por parecerem irrelevantes. As pessoas criativas caminham entre o normal e anormal, encontrando impulsos e ideias capazes de gerar conteúdos diferenciados.
O trabalho final do cientista a ser apresentado à comunidade é formado de várias etapas. São feitos muitos testes e implementadas várias ideias até chegar em uma descoberta. Mesmo depois de publicado, o estudo sempre estará sujeito à verificação por outros cientistas, podendo ser corroborado ou refutado. Ou seja, podem existir insights geniais, mas teve muito trabalho mental para chegar nele e muito trabalho depois em cima da ideia.
Pesquisador ou cientista?
Basicamente, pesquisador é aquele profissional que quer saber a resposta de uma pergunta, faz uma pesquisa e elabora uma resposta. Olhando pela semântica, até aqueles profissionais que fazem recenseamento, pesquisas de opinião, pesquisas de mercado, pesquisas de intenção de voto, pesquisas sobre uso de produtos, podem ser considerados pesquisadores.
Cientista, em um sentido mais amplo, refere-se a qualquer pessoa que exerça uma atividade sistemática para obter conhecimento. Em um sentido mais restrito, cientista refere-se a indivíduos que usam o método científico para obter resultados reprodutíveis e verdadeiros dentro de um grau mínimo possível de incerteza.
Ou seja, basicamente o cientista é um pesquisador. No mercado de trabalho, existe a profissão “pesquisador”, enquanto que “cientista” não é reconhecida formalmente pelos órgãos governamentais. Devido a essa definição formal, o pesquisador é um profissional regulamentado, que deve seguir regras e normas para desenvolver seu trabalho.
Buscando no CBO (Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho) por cientista, só existe “cientista político”, “cientista social” e “cientista de informação” (sinônimo para bibliotecário, documentalista e analista de informações em redes). Já pesquisador aparece em diversas áreas, como ocupação e como sinônimo.
Profissão: bolsista?
Existem pesquisadores que trabalham no regime de CLT (carteira assinada), outros como servidor público e outros que trabalham recebendo bolsa, geralmente através de agências de fomento à pesquisa. A grande maioria dos bolsistas possuem vínculo através de contrato de bolsa durante seu período de vigência, ou seja, não têm férias remuneradas, não têm 13º salário e não podem contar o período de pós-graduação no momento de se aposentar.
Bolsistas podem contribuir ao INSS como facultativo (código 1473) e, ao menos, são isentos de imposto de renda sobre a bolsa, devendo apenas declarar o recebimento de bolsa acima de R$ 40.000,00 anuais (R$ 3.333,33 mensais, por 12 meses), ganhos abaixo disso (IC, mestrado e doutorado Capes/CNPq, e outros no país) – não precisa nem declarar se for a única fonte de renda e não for dependente de outra pessoa perante a RFB.
No Brasil, é comum os contratos de bolsa possuírem uma cláusula de dedicação exclusiva, ou seja, se arrumou emprego, perdeu a bolsa. Informalmente, até permite-se ao bolsista ter outra atividade profissional durante seu contrato em casos excepcionais, mas isso é bem difícil de levar. No entanto, o tempo é consumido fortemente com as pesquisas, sendo frequente que o pesquisador tenha a bolsa como única fonte de renda. Mesmo não sendo um salário equiparável aos de países que realmente investem em ciência, é um pagamento referente aos trabalhos executados e por profissionais bem qualificados. A bolsa não deve ser encarada como um benefício, e sim como uma remuneração feita a um trabalhador.
A maior parte da ciência no Brasil é feita por alunos de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) bolsistas nas universidades públicas de pesquisa, sob orientação de seus professores orientadores (fonte: Jornal da USP).
Pesquisa de base não dá resultado imediato, e iniciativas privadas visam o lucro. Assim, não tem como esperar décadas para que algum resultado bastante significativo seja apresentado. Por exemplo, o CERN (maior laboratório de física de partículas do mundo) levou décadas para descobrir o Bóson de Higgs.
Por isso, órgãos como ele, a NASA, o INPE, a FioCruz, o Instituto Butantan e tantos outros no mundo todo dependem fortemente de dinheiro público. Cortes das bolsas de órgãos de financiamento de pesquisa do governo federal, como o CNPq e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), tornam praticamente inviável que pesquisadores se mantenham no país. Praticamente toda medida anunciada pelo governo se baseia/é justificada (ou pelo menos deveria ser) por pesquisas feitas por economistas, sociólogos, pedagogos, psicólogos, etc – muitos dos quais dependem de bolsas.
Quando o resultado de uma pesquisa começa a ser utilizado por empresas privadas, elas podem economizar muito dinheiro em seus processos, fazer uso de tecnologias disruptivas e outras formas de aumentar seus lucros. Ou seja, um bolsista, geralmente pago direta ou indiretamente por dinheiro público, acaba saindo bem barato. Veja mais no post Por que investir em ciência de dados?
Publicações
Quando um cientista faz uma descoberta, o único jeito formal de divulgá-la é publicar um texto sobre ela em uma revista especializada. Esse texto é um artigo científico, popularmente conhecido como “paper” – veja mais no link para saber como ele é produzido. Cada vez mais cientistas têm divulgado seus trabalhos e informações gerais por meios alternativos, como compartilhamento direto, e-mail, Scihub (site que oferece acesso gratuito a milhões de artigos científicos e livros acadêmicos), redes sociais, além de comunicação com o público não especializado.
O número de artigos publicados e número de citações que esses artigos recebem são o principal critério para avaliar o desempenho dos pesquisadores. Curioso é que, apesar a métrica para evoluir na carreira seja para pesquisador, é comum que esses profissionais sejam contratados como professores universitários. Em outros países, as universidades podem contratar cientistas como pesquisadores em tempo integral e professores que se dedicam exclusivamente ao ensino, o que é vetado por lei no Brasil. Será que todos têm a vocação para o ensino, pesquisa e extensão universitária simultaneamente? Certas pessoas tem maior facilidade em se comunicar, estão dispostas a estudar pedagogia formalmente para ensinar no nível superior, outras vão se interessar em estudar para divulgar ao público não especializado, com foco em jornalistas, estudantes do ensino médio, do fundamental ou mesmo para o público em geral. Por fim algumas pessoas tem mais aptidão para se comunicar com seus pares acadêmicos e preferem quase todo seu tempo a atividade de pesquisa, não se interessando muito por questões pedagógicas.
A exigência de um alto número de publicações pode promover uma queda na qualidade dos estudos (como diz o ditado, “a pressa é a inimiga da perfeição”), então tenta-se também avaliar o poder de impacto de cada artigo por suas citações, feitas por outros artigos, e pelo poder de impacto da revista onde foi publicado. Essas revistas devem ser classificadas pelo índice Qualis (o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação). Mesmo assim, esse índice é criticado pelos próprios pesquisadores por nem sempre refletir os periódicos mais importantes de determinada área.
Além de publicar, os pesquisadores devem estar sempre atentos às publicações de outros cientistas de sua área. Assim a leitura das revistas especializadas é fundamental. Boa parte das revistas, principalmente as de maior impacto, tem assinaturas pagas. O Portal de Periódicos da Capes, que paga o acesso eletrônico desses periódicos, é uma biblioteca virtual que reúne e disponibiliza a instituições de ensino e pesquisa no Brasil o melhor da produção científica. A USP também possui um portal acessível para sua comunidade.
Além das assinaturas das revistas, as publicações devem pagar preços absurdos, principalmente para a realidade brasileira. Existem iniciativas de priorizar a publicação “Open Access”, ou seja, a disponibilização livre na Internet de cópias gratuitas, online, de artigos de revistas científicas revistos por pares (peer-reviewed), comunicações em conferências, bem como relatórios técnicos, teses e documentos de trabalho. O Scihub (mencionado anteriormente) é uma tentativa disso, mas é tratado como uma iniciativa ilegal por violação de direito autoral e burlar o sistema de pagamento das editoras. O episódio 178 – Publicação científica do podcast Dragões de Garagem aborda bastante esse tema.
Agradecimento ao meteorologista Pedro Augusto Sampaio Messias Ribeiro pelas valiosas contribuições ao texto.