Vila Maria Zélia

Nos idos do começo do século XX, a cidade de São Paulo começa a se industrializar. Os bairros do Belém, Bom Retiro, Brás e Moóca recebem os operários dessas fábricas, e é onde também surgem algumas vilas operárias, próximas às linhas ferroviárias. Nesse tempo, era comum a jornada diária de 10 horas, ausência de férias e licença-maternidade, discrepância entre os salários de homens e mulheres, além do trabalho infantil.

O médico carioca Jorge Street adquiriu por herança as ações da Tecelagem de Juta São João em 1896. Fundou a Companhia Nacional de Tecidos de Juta em 1904, sendo a fábrica matriz localizada nas imediações da Rua Gabriel Piza, em Santana. Para aumentar as instalações e construir uma filial, escolheu o bairro do Belenzinho como sede – região que já contava com muitas indústrias na época. Assim, o empresário adquiriu o terreno, que ia da atual Avenida Celso Garcia (próximo ao Marco da Meia Légua) até as margens do Rio Tietê.

Casas de moradores da Vila Maria Zélia – a última da direita era onde morava um personagem do Mazzaropi. Foto: ViniRoger

A vila operária começou a ser construída em 1912 e foi inaugurada em 1917 – coincidentemente o ano da revolução comunista da Rússia. O nome da vila é uma homenagem à filha de Jorge Street, que morreu de tuberculose dois anos antes da inauguração.

Foram construídas 220 casas espalhadas em algumas ruas. Conforme a origem da família, a casa recebia um adereço diferente no topo da fachada. Também foram erguidos uma capela, dois armazéns, um coreto, praça, campo de prática esportiva, salão de festas e ainda ambulatórios e consultórios médicos. A Escola de Meninos e a Escola de Meninas foram feitos um de frente por outro e tinham simetria em suas construções, uma das marcas do arquiteto Paul Pedraurrieux.

A galeria a seguir mostra algumas fotos tiradas em junho de 2017 (clique para ampliar):

Apesar do sucesso da fábrica, Jorge Street acumulou dívidas e precisou vender o complexo em 1924. Passou às mãos do industrial Francisco Scarpa, anos depois revendido à Família Guinle. Os Guinle deviam muitos impostos ao Governo Federal e, por isso, a fábrica e a vila foram confiscadas pelo IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários – atual INSS). Em 1936, a antiga Companhia Nacional de Tecidos da Juta passou a ser usada como presídio político pelo Estado Novo – período ditatorial de Getúlio Vargas.

Em 1939, dois anos após o fechamento do presídio, a fábrica foi reaberta pela Goodyear. Demoliu a fábrica de tecidos, a creche, o jardim de infância e aproximadamente 18 casas para ampliação da fábrica, então separada da vila por um muro. Os moradores voltaram a pagar aluguéis, dessa vez ao INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), mas em 1968 foram autorizados a comprá-los pelo sistema BNH (Banco Nacional de Habitação).

O conjunto foi tombado em 1992. De 220 casas originais, restam 171 com fachadas, tamanhos e divisões já modificadas. Já no caso dos prédios funcionais (as escolas e os armazéns) eles pertencem até hoje ao INSS e estão abandonados há décadas. A capela local é administrada pela Paróquia de São José do Belém e funciona normalmente.

A Escola das Meninas já foi cenário de muitos ensaios fotográficos, campanhas publicitárias (Caixa Econômica, Riachuelo,…) e clipes musicais (Anitta – Cobertor, Criolo – Subirusdoistiozin, Junior Lima – Think about it, André Polonca – Seu Amor Morreu, Lacrima – Com Você). Como não tem mais teto, muitas árvores cresceram dentro da construção, criando um cenário único. Uma das casas até hoje preservadas pertencia ao personagem de Mazzaropi no filme “O Corinthiano“. Outros filmes e novela tiveram a vila como cenário (“Meu Bem, Meu Mal”, “Cúmplices de um Resgate”, …).

Esse documentário da TV Câmara mostra bastante da história da vila e sua situação atual, ao completar seu centenário em 2017:

Nesse outro vídeo, é possível ver o interior da Escola de Meninos:

Veja uma imagem aérea atual da vila no Google Maps:

A entrada da vila fica na rua dos Prazeres com a rua Cachoeira, a duas quadras da Avenida Celso Garcia. Sua visita é possível preferencialmente aos finais de semana (manhãs e tardes). Provavelmente vai encontrar com Edelson Pereira Pinto, o seu Dedé, morador e um verdadeiro especialista da história da vila. O zelador voluntário da Associação Cultural da Vila Maria Zélia vive até hoje na mesma casa onde nasceu.

Fontes

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