Três acidentes aéreos em Boituva em um mês

Será que eventos meteorológicos podem ter afetado a segurança de voo nesses três acidentes aéreos que aconteceram em menos de um mês na mesma região? A cidade de Boituva/SP é conhecida pelas práticas de esportes radicais aéreos, que vão desde balonismo até paraquedismo. Nela, localiza-se o Centro Nacional de Paraquedismo (CNP), um espaço com 99 mil metros quadrados que promove aproximadamente 20 mil lançamentos por mês. Então estatisticamente existe uma maior probabilidade de apresentar mais acidentes aéreos. Mas todos acontecendo muito próximo acaba chamando mais a atenção para algum fator em comum.

Acima está o mapa da região do CNP: o primeiro acidente aconteceu no campo de pouso junto ao CNP, o segundo foi na estrada vicinal junto ao linhão (ponto marcado, mais a sul do CNP) e o terceiro seguindo na Rodovia Castelo Branco, à direita – km 104, já em Porto Feliz.

1 – Morte após salto de paraquedas

Em 24/04/2022, a paraquedista Bruna Ploner sofreu um politraumatismo durante a tentativa de pouso. Ela chegou a ser socorrida com vida, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital. A esportista estava no cargo de 3º sargento do Exército Brasileiro e integrava o Programa de Atletas de Alto Rendimento da corporação, ligado à Comissão de Desportos do Exército (CDE). Ela era uma atleta experiente e já havia atuado como instrutora de saltos.

A Confederação Brasileira de Paraquedismo (CBPq) tem uma série de regras a serem seguidas por todas as escolas da modalidade. Existem provas para cada categoria no esporte, e o número de saltos tem que ser comprovado em cadernetas. De acordo com a escola de paraquedismo através da qual Bruna fez o salto no dia 24, a atleta estava apta para usar o equipamento e saltar em qualquer área do Brasil, regulamentada pela CBPq.

Paraquedistas locais acreditam que o acidente foi causado por um possível erro técnico da atleta no momento do pouso. Bruna saltou com um paraquedas menor, de alta performance, e que era adequado para o tipo de salto que ela estava fazendo. No entanto, eles acreditam que Bruna tenha feito a curva, que é necessária antes da aterrissagem, em uma altitude menor do que a indicada. Uma câmera de segurança registrou o acidente, mostrando que a vítima foi arrastada pelo chão por alguns segundos.

2 – Queda de avião com paraquedistas

Em 11/05/2022, um Cessna 208 (avião de pequeno porte) que levava paraquedistas caiu em uma estrada vicinal próximo à cabeceira da pista de pouso. Estavam dezesseis pessoas a bordo, das quais duas morreram e nove ficaram feridas. Conforme relato das vítimas à Polícia Civil, houve uma pane no motor logo depois de decolar e a aeronave começou a perder altitude. O piloto tentou fazer um pouso de emergência em um terreno na zona rural da cidade. O avião tocou o solo duas vezes quando, na terceira vez, bateu em um morro ao lado de uma estrada de terra e capotou. O mesmo avião já havia se envolvido em outra ocorrência no CNP, quando houve a morte de um paraquedista em 2012 atingido na nuca pela asa da aeronave durante o salto. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a aeronave está com a documentação em dia e apta para fazer o voo de salto de paraquedistas.

Marca deixada por aeronave em barranco foi analisada por equipes da perícia em Boituva. Foto: Jorge Talmon/TV TEM
Marca deixada por aeronave em barranco foi analisada por equipes da perícia em Boituva. Foto: Jorge Talmon/TV TEM

O acidente aconteceu também junto a uma linha de transmissão de energia elétrica de alta tensão, mas que não foi atingida durante a queda. Essa proximidade fez lembrar do acidente com a cantora sertaneja Marília Mendonça, que aconteceu seis meses atrás – em 5/11/2021, na zona rural de Caratinga/MG. A investigação aponta uma colisão com linhas de alta tensão durante o procedimento de pouso como uma das causas do acidente. Todos os ocupantes morreram em consequência do choque da aeronave com o solo.

Os destroços ficaram justamente abaixo da linha de alta tensão. Os trabalhadores que estavam no local reclamaram de formigamento e choques ao manusearem partes metálicas. Assim, um caminhão com braço mecânico foi chamado para realizar o desmonte e deslocar as peças para mais longe da linha. Interessante entender melhor como se dá esse fenômeno, que também pode induzir corrente elétrica no arame de cercas próximas e outros problemas de segurança – e que até já foi questão do ENEM 2019.

A intensidade do campo elétrico produzida pela linha de transmissão depende principalmente da tensão da linha, enquanto que o campo magnético gerado tem uma forte dependência da corrente transportada pela linha. Nesse vídeo, é possível observar medições realizadas próximo a uma linha de transmissão no solo. A forma como o campo elétrico e magnético interagem com o corpo é diferente.

Os campos elétricos de baixa frequência não penetram no corpo de forma significativa, mas acumulam carga à sua superfície. Como resultado, as correntes elétricas fluem desde a superfície até ao solo (terra) e gerando o choque. Os campos magnéticos podem facilmente penetrar no corpo, provocando a circulação de correntes. Estas correntes não se escoam necessariamente para a terra, podendo, no caso de serem suficientemente intensas, estimular os nervos e os músculos e afectar outros processos biológicos.

3 – Acidente de balão

Em 17/05/2022, um balão que transportava 10 pessoas caiu às margens da rodovia Castello Branco, na altura do km 104. O piloto do balão contou aos bombeiros que precisou fazer um pouso forçado após uma mudança brusca de vento (rajada). O piloto fez duas tentativas de pouso, e três pessoas chegaram a cair do cesto do balão durante a primeira descida. Essas vítimas também acabaram sendo atropeladas pelo cesto do balão, que voltou a subir em seguida e foram mais seis vítimas. Pelo menos duas delas tiveram ferimentos graves.

Bombeiros atendem ocorrência com balão tripulado às margens da rodovia Castello Branco, em Porto Feliz. Foto: Corpo de Bombeiros/Divulgação
Bombeiros atendem ocorrência com balão tripulado às margens da rodovia Castello Branco, em Porto Feliz. Foto: Corpo de Bombeiros/Divulgação

Dois meses antes, em 02/03/2022, outro balão de uma empresa turística fez um pouso forçado em uma propriedade rural de Boituva. Segundo a Polícia Militar, equipes policiais foram acionadas pelo dono da fazenda. Ao chegar no local, os policiais constatam que os cinco ocupantes do balão não sofreram ferimentos mas houve uma discussão entre os proprietários da fazenda e a equipe de balonismo. Os donos da propriedade afirmam que os pousos forçados e a utilização de equipamentos para a remoção dos balões têm danificado as plantações.

Em maio de 2021, balões foram empurrados por rajada de vento em Boituva (SP) e derrubaram poste. Foto: GCM Boituva/Arquivo
Em maio de 2021, balões foram empurrados por rajada de vento em Boituva (SP) e derrubaram poste. Foto: GCM Boituva/Arquivo

Em 22/05/2021, outra ocorrência foi registrada por causa de rajadas de vento. Na ocasião, três balões se preparavam para voar, mas ainda estavam no chão quando aconteceu o incidente. Os balões foram jogados contra a rede elétrica, causando queda de energia no bairro. Quatro pessoas estavam dentro dos cestos e no solo quando a ventania começou: dois pilotos, que tiveram ferimentos leves, e duas pessoas da equipe de solo, que tiveram ferimentos na cabeça. Segundo os pilotos relataram, os mapas meteorológicos não previam ventos durante a manhã.

Atualização: Em 19/07/2022, um aluno de paraquedismo morreu em Boituva, caindo sobre o telhado de uma casa e atingido o solo a uma alta velocidade. Observou-se que não houve a abertura total do paraquedas. De acordo com o presidente da Associação dos Paraquedistas de Boituva, provavelmente “o aluno perdeu a estabilidade em queda livre e, em vez de acionar o paraquedas, ele ficou brigando para tentar recobrar a estabilidade. O dispositivo de acionamento automático funcionou, liberou o paraquedas reserva, porém, no processo de abertura, pelo paraquedista estar girando, ele acabou enroscando no corpo dele e interrompendo o processo de abertura”.

Meteorologia dos acidentes

Pela manhã do dia em que aconteceu o acidente com a paraquedista do exército, a cidade de Boituva registrava céu azul e pouco vento, segundo relato de quem estava no local. Na manhã de quando aconteceu o acidente com o avião de paraquedistas, o vento estava moderado (16 km/h na superfície e 30 km/h a 5 mil pés), segundo dados do site Earth Nullshcool. Ou seja, era tempo bom para a execução das atividades de paraquedismo.

Diferentemente do primeiro incidente com balão em março, que estava com tempo bom, o segundo aconteceu em uma situação com ventos fortes. Essa época do ano em que se inicia o outono é um período de muita instabilidade na atmosfera. Por ser uma estação de transição, tem características de inverno e de verão, sendo um período complicado para se fazer previsão e monitorar viradas repentinas de tempo.

De modo geral, as atividades são realizadas no início da manhã, quando a atmosfera está com menos turbulência e ventos calmos. É importante verificar as previsões de tempo, para se antever com relação ao comportamento atmosféricos, e monitorar em tempo real a velocidade do vento na região. Isso pode ser feito através de anemômetros em superfície e extrapolar através de modelos numéricos a velocidade do vento em níveis superiores, onde serão realizadas as atividades aéreas.

A medição dos ventos geralmente é feita pela empresa responsável pelos equipamentos dos esportes radicais em Boituva, de acordo com o coordenador da Defesa Civil do município, Ivanilson Ferreira Barbosa. Segundo ele, o órgão municipal não dispõe de equipamentos para essa finalidade. A medição e aviso de risco meteorológico ficam, então, a cargo da Defesa Civil estadual.

Particularmente no caso desse acidente de balão de 17 de maio de 2022, foi emitido, no dia anterior, um aviso de frio e vento para as regiões de Sorocaba e Campinas, que inclui Boituva. Entre os dias 17 e 20, uma intensa massa de ar polar deve avançou sobre São Paulo, associada a um ciclone de grande intensidade no litoral sul do Brasil.

Esse ciclone, que se enquadrou na categoria de tempestade subtropical, foi batizado de Yakecan (“o som do céu” em tupi-guarani). Ele causou ventos de mais de 100 km/h no Sul do país e levou neve para o estado de Santa Catarina no mês de maio pela primeira vez em 15 anos. As serras gaúcha e catarinense registraram temperaturas abaixo de zero. Com forte penetração continental, o Distrito Federal registrou 1,4°C – a menor temperatura de toda sua série histórica.

Fontes

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