São Brás do Alportel

A povoação de São Brás do Alportel situa-se na transição entre o barrocal e a serra algarvia e simultaneamente no cruzamento de duas vias que remontam provavelmente à época romana: a que ligava Faro às terras do norte, pela faixa central do Algarve; e a que permitia a comunicação entre Tavira e Loulé.

Ainda hoje permanecem dúvidas sobre as origens deste povoado. Será S. Brás a Xanbraç muçulmana, berço do conhecido poeta Ibn Ammar e das inúmeras lendas de mouras encantadas ainda presentes na tradição oral? Apesar das incertezas, estudos efetuados nos últimos anos atestam a presença significativa das civilizações romana e muçulmana no povoamento antigo do local.

Calçadinha

O Caminho Romano – Medieval, mais conhecido como “calçadinha”, é o testemunho dos primeiros fluxos mercantis nesta zona. Tecnicamente apresenta características que se inscrevam no que é habitual para os caminhos romanos que sulcam realidades geomorfológicas como esta: um percurso a meia encosta; a abertura de um fosso até o afloramento rochoso; um certo abaulamento do empedrado superior delimitado por pedras em cutelo (margines); um lageado de média/grande dimensão (40 cm) e uma largura que ronda os 8 pés (2,50 m) conforme as prescrições da “Lei das XII Tábuas” (séc. V a.C.).

Outros aspectos que reforçam a hipótese deste antigo caminho ter origem nessa época são os antigos documentos que apresentavam os principais itinerários entre as várias cidades. Um dele, o Itinerário de Antonino (séc. III d.C.), refere a existência de uma estrada que, saindo de Faro (Ossonoba) atravessa o seu território, onde hoje se localiza São Brás do Alportel, e prosseguia em direção às grandes cidades romanas: Beja (Pax Julia) e Lisboa (Olisipo).

Calçadinha no ponto B3. Foto: ViniRoger
Calçadinha no ponto B3. Foto: ViniRoger

Atualmente são mostrados dois trechos do Caminho: o troço (trecho) A, com 100 metros e o troço B, com 550 metros. Ela tem início próximo da Igreja Matriz, onde está uma placa indicativa. A igreja, finalizada no século XVI, possui desenho longitudinal, sendo composta por três naves e cinco asnas. No seu interior, o batistério barroco datado do século XVIII com retábulo em mármore é único na região algarvia.

Ainda no troço A, está a Porta da Zona Rural do Palácio Episcopal: portal de frontão triangular, datado de 1093. O Paço Episcopal foi construído entre os séculos XVII e XVIII pelos Bispos algarvios. Provavelmente, permitia a ligação entre a via antiga que ali passava e a zona rural do Palácio Episcopal, assim como uma ligação direta com a parte de trás da Igreja Matriz. Atrás dessa porta, situavam-se pomares várias árvores de fruto e jardins com lagos. As origens desta residência de veraneio e repouso dos bispos do Algarve parecem remontar a finais do século XVI, depois da transferência da sede do bispado de Silves para Faro (1581). Atualmente, encontra-se descaracterizado por sucessivas obras de adaptação.

Cortiça

O atual concelho de São Brás do Alportel ganhou destaque histórico com a indústria da cortiça. As origens da produção de cortiça remontam a tempos antigos, quando os habitantes locais descobriram as propriedades únicas da casca do sobreiro. Ao longo dos anos, a habilidade de trabalhar com esse material cresceu, transformando-se em uma indústria próspera que deixou uma marca indelével na paisagem e na economia local.

Sobreiros com cortiça já retirada em Évora. Foto: ViniRoger
Sobreiros com cortiça já retirada em Évora. Foto: ViniRoger

O sobreiro (Quercus Suber) depois de plantada demora mais de 40 anos para se tornar lucrativa. Esta árvore consegue viver mais de 150 anos e pode ser descortiçada dezenas de vezes por períodos de nove anos, entre maio e setembro. Depois de retirada pelos tiradores de cortiça, o produto é empilhado, pesado, vendido e transportado para os locais onde é beneficiada.

A cortiça tem muitas propriedades úteis: leve, elástica, compressível, impermeável, isolante, resistente ao atrito e à combustão, etc. Além da tradicional produção de rolhas, a indústria corticeira tem conquistado novas utilidades nos revestimentos, aglomerados e isolamentos. Criativos de todo o mundo estão inserindo a cortiça no vestuário, na decoração e nas artes em geral.

Depois de extraída, a cortiça necessita secar durante pelo menos 6 meses, após o que é cozida, para eliminar quaisquer fungos ou insetos, e torná-la maleável e plana. Em seguida, a cortiça repousa novamente, entre duas e quatro semanas. É depois escolhida e separada em várias categorias, numeradas de acordo com a sua textura e calibre. Depois de prensada e atada, a cortiça está pronta a ser vendida às fábricas de transformação.

A história de criação do concelho de São Brás do Alportel, em 1914, muito se deve ao setor corticeiro, que no final do século XIX atingiu seu apogeu. As florestas de sobreiros que cercam a vila fornecem matéria-prima abundante para a indústria, e os artesãos locais desenvolveram técnicas refinadas para extrair, processar e moldar a cortiça em uma variedade de produtos.

Antiga prensa e cortiças brutas ao lado do Museu do Traje. Foto: ViniRoger
Antiga prensa e cortiças brutas ao lado do Museu do Traje. Foto: ViniRoger

O Museu do Traje está instalado num edifício representativo da arquitetura burguesa de finais do século XIX e pertencente a um antigo almocreve (encarregado por condução de carge e/ou mercadoria) enriquecido com o comércio e a indústria da cortiça. As exposições atuais incluem uma mostra de roupas características do Algarve dos séculos XIX/XX e um núcleo de escultura religiosa popular. Em edifício anexo, está uma exposição sobre a cortiça. Nos ambientes agrícolas encontram-se cerca de vinte veículos antigos desta região. Existe, ainda, uma exposição de arreios, alfaias agrícolas e uma área dedicada à cortiça.

Museu do Traje. Foto: ViniRoger
Museu do Traje. Foto: ViniRoger

A história local ainda conta com um grande nome da aviação: Gago Coutinho (1869-1959), nascido em São Brás do Alportel mas registrado em Lisboa. Coutinho é famoso por ter concebido um método de navegação astronômica de precisão, assim como um sextante de nível artificial e um corretor de rumos. Em 1922, juntamente com Sacadura Cabral, realizou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, partindo de Lisboa e chegando ao Rio de Janeiro. Uma réplica do hidroavião Fairey IIID “Santa Cruz”, do escultor Carlos de Oliveira Correia, está exposta próximo às piscinas cobertas.

O aviador dá nome à rota de vértices geodésicos da cidade. Em Portugal, existem derca de nove mil marcos geodésicos – pontos materializados no terreno que tem coordenadas geográficas conhecidas precisamente, geralmente instalados em lugares altos e isolados, com uma linha de visão desimpedida para outros vértices. Eles são divididos em três ordens de importância e visibilidade, cada um com um formato próprio. Em São Brás do Alportel, existem 14 vértices geodésicos, dos quais se tem belas vistas da região.

Poços e fontes d’água

O Algarve foi a região de Portugal onde a presença muçulmana deixou mais marcas indeléveis que ainda perduram na paisagem. As noras (do árabe “nawār”, que significa “roda de água”) de engenho mourisco foram ao longo dos anos utilizadas como forma de captação e distribuição de água para a rega dos campos. De modo geral, o poço é tampado e equipado com engenho hidráulico manual com roda. Quando a base do tubo de sucção encontra-se bastante abaixo da saída de água, é instalada uma câmara de ar (cúpula em latão inserida entre o engenho e a torneira). Este dispositivo serve para uniformizar o escoamento intermitente da água no sistema, absorvendo as “altas” do débito alternativo do pistão e compensando as “quebras” que se seguem. Hoje como outrora, os poços serve também como locais de convívio em vários pontos do Algarve, onde são instalados lavadouros (espaços públicos destinados à lavagem de roupa e outros pertences), bancos e mesas de piquenique para merendas.

Fonte Velha Campina: lavadouro (cobertura à esquerda) e poço com nora (direita, água sai no cano ao centro da estrutura). Foto: ViniRoger
Fonte Velha Campina: lavadouro (cobertura à esquerda) e poço com nora (direita, água sai no cano ao centro da estrutura). Foto: ViniRoger

Alguns desses poços estão associados a fontes, que devido à serra, estão em grande número na região. Alguns dos poços, fontes/bicas e lavadouros mais próximos da cidade estão nessa lista (conforme a época do ano e quantidade de chuva, podem estar secas ou com uma vazão muito reduzida):

Fonte da Tareja (nora no detalhe, com poço logo abaixo). Foto: ViniRoger
Fonte da Tareja (nora no detalhe, com poço logo abaixo). Foto: ViniRoger

E falando em serra, em regiões mais altas é possível observar estruturas de pedra que são as ruínas de moinhos de vento. Dois deles compõem os Moinhos da Mesquita, de onde se tem uma bela vista da região. Mas o Algarve está cheio desses antigos moinhos, visíveis das estradas.

Um dos dois Moinhos da Mesquita, com o interior do outro no detalhe. Foto: ViniRoger
Um dos dois Moinhos da Mesquita, com o interior do outro no detalhe. Foto: ViniRoger

Fontes

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