A chuva, o vento, o calor e outras condições meteorológicas pesadas podem afetar sua conexão com a internet. Isso pode incluir problemas como danos físicos à rede, entrada de água nas conexões elétricas e interferência do sinal sem fio. Mas como isso pode ocorrer nas novas redes 5G e via satélite?
De modo geral, os dispositivos de rede têm um desempenho mais lento quando expostos a calor extremo – até os cabos podem sofrer danos físicos que podem afetar a conexão. Os sinais de rádio geralmente não são afetados pelo vento, mas hardwares como antenas parabólicas podem ser balançados, vibrados, flexionados ou movidos pelo vento.
Sinais sem fio fora de casa ou prédio podem ser afetados pela chuva, pois as gotas de água podem absorver parcialmente o sinal, o que pode resultar em um nível mais baixo de cobertura. Mesmo quando a chuva para, os efeitos ainda podem ser sentidos. A alta umidade pode continuar afetando a força dos sinais sem fio e causar menores velocidades de conexão.
Quando chove, ainda há também um fator de comportamento. Isso porque mais pessoas podem decidir ficar em casa para trabalho remoto ou lazer. Isso inevitavelmente leva a um aumento no uso da rede. Quando um grande número de pessoas acessam a internet, a largura de banda limitada disponível é rapidamente consumida, resultando em lentidão aparente.
Rede 5G e a chuva
A evolução dos sistemas tecnológicos utilizados diariamente em todo o globo reforçou a necessidade de mais um salto na escala evolutiva das redes móveis. Com relação ao 4G, o 5G tem velocidades maiores, maior largura de banda e menor latência ou tempo de retardo nas comunicações entre dispositivos e servidores. Isso permitirá a implementação em grande escala da “internet das coisas”, onde os aparelhos nas casa, fábricas, ruas e estradas podem trocar informações enquanto executam suas tarefas.
O espectro que o 5G ocupa é muito maior do que o das gerações anteriores. No Brasil, a rede 5G funciona em canais específicos para a circulação de dados pelo ar, leiloados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a iniciativa privada: 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz. Isso corresponde a parte do espectro das microondas, que vai de 300 MHz a 300 GHz.
Particularmente as ondas entre as frequências de 30 e 300 GHz, devido ao seu comprimento de onda da ordem de milímetros (10 mm a 1 mm, respectivamente), são conhecidas como ondas milimétricas (ou “mmWave”). As gotas de chuva são aproximadamente do mesmo tamanho que os comprimentos de ondas milimétricas, então, pelo princípio de espalhamento, pode-se dizer que as gotas de chuva afetam a propagação dessas ondas.
Quanto maior a frequência da onda, menor a penetração de sinal. E a cada avanço de geração, maiores vêm sendo as frequências adotadas. Isso implica em um maior número de antenas e algoritmos mais eficientes para enviar e receber pulsos de sinais para a torre da operadora por meio da melhor rota possível, evitando ao máximo os obstáculos físicos que enfraquecem a conexão (“beamforming”).
O trabalho de Lam et al. (2017) visa melhorar as previsões de atenuação de chuva para redes sem fio 5G operando em 28 GHz e 38 GHz em regiões de chuva forte, explorando três anos de dados de distribuição de tamanho de gotas de chuva coletados em Kuala Lumpur (Malásia). Na figura a seguir, um gráfico de dispersão de atenuação específica (eixo y) calculado a partir do conjunto de dados de intensidade de chuva (eixo x) é comparado com a recomendação ITU-R p.838-3 (Modelo de atenuação específico para chuva para uso em métodos de previsão recomendado pela International Telecommunication Union) e resultados de Cingapura.
As degradações induzidas pela chuva são significativas para links terrestres de microondas operando em frequências superiores a 10 GHz. O artigo de Shrestha e Choi (2017) apresenta análises feitas em dados de atenuação de chuva e precipitação para três anos entre 2013 e 2015 em regiões da Coreia do Sul. São analisados diferentes modelos de atenuação para as frequências de 38 e 75 GHz. Em Budalal et al. (2019), estudou-se a atenuação em um link experimental para 38 GHz em um caminho de 300 metros. Com uma intensidade de chuva de cerca de 125 mm/h, verificou-se atenuação de até 16 dB.
Em Nandi e Maitra (2018), observa-se que, para diferentes locais temperados, a atenuação da chuva não contribui significativamente para a perda geral do caminho na banda de onda milimétrica para um tamanho de célula pequeno de 200 metros. No entanto, em vários locais tropicais, o efeito de atenuação da chuva não pode ser ignorado mesmo para este pequeno tamanho de célula do sistema. Para a região temperada, o valor máximo de atenuação da chuva excedida em 0,01% do tempo observado é em torno de 3,5 dB em 28 GHz, enquanto, para a região tropical, é de 10 a 12 dB para um comprimento de caminho de 200 metros. Ao aumentarem a frequência ou o comprimento do caminho, a atenuação aumenta significativamente sob condições de chuva tropical.
Starlink e a chuva
Existem vários serviços de internet via satélite operando globalmente, geralmente usando conexões na banda Ka (entre 26 e 40 GHz). Ela funciona através da instalação de terminais de usuário (antenas parabólicas) em uma residência, que se comunicam com satélites que orbitam a Terra. Empresas como a HughesNet e a Viasat operam seus satélites em órbita geossíncrona, enquanto a Starlink opera seus satélites a uma altitude muito mais baixa em órbita terrestre baixa.
Os sinais de dados são enviados e recebidos sem fio em várias bandas eletromagnéticas diferentes, dependendo da empresa. Esses sinais podem viajar pela atmosfera entre os satélites em órbita e as antenas na Terra. No entanto, objetos como árvores e prédios podem bloquear completamente os sinais. O tempo, como chuva forte ou neve, também pode causar problemas.
Com relação ao vento, a antena parabólica Starlink usa uma antena “Phased Array” (matriz faseada). Ele pode rastrear satélites voando no céu sem ter que se mover fisicamente. Isso também significa que pequenos movimentos, como os causados pelo vento, não interromperão o sinal.
A chuva pode interromper o sinal do satélite Starlink. Chuvas leves geralmente não causam problemas, mas chuvas fortes (com ou sem granizo) podem derrubar seu sinal até que a chuva diminua. Isso vale para a queda de neve também: quando muito fortes, podem afetar o sinal. Quanto ao acúmulo de neve no prato Starlink, ele possui uma função de aquecimento para derreter a neve automaticamente – quanto aos granizos, esses sim podem danificar mecanicamente a antena. Esse aquecimento costuma atrair gatos para cima da antena.
A maioria das nuvens não afetam a comunicação na rede Starlink, mas nuvens de tempestade podem afetar seu sinal devido à precipitação e à maior umidade. Ou seja, a densidade das nuvens é a principal variável quando se trata de degradar ou não o sinal do satélite. Assim, mesmo um nevoeiro pesado pode ser denso o suficiente para interromper o serviço Starlink.
Na maioria dos casos, o usuário não notará curtas interrupções de sinal causadas pelo tempo. Por exemplo, se estiver transmitindo um vídeo, os dados geralmente são armazenados em buffer para que interrupções curtas não interrompam a reprodução. Já se estiver jogando ou fazendo videochamadas é bem mais provável de notar, pois o tempo ruim deve aumentar a latência. O mau tempo também pode causar velocidades mais lentas de download e upload.
A Starlink é muito rápida para readquirir o sinal do satélite e conectar-se à internet. Não é como a TV via satélite, onde o sinal pode demorar alguns minutos para voltar depois que a tempestade passar.
Curiosidade: avistamentos de OVNIs sobre os estados de RS e SC foram atribuídos a passagens de satélites Starlink refletindo a luz do Sol. Esse fenômeno, apelidado de “Starlink Flare”, ocorre devido à grande altura que o satélite passa, saindo da sombra da Terra e refletindo luz solar para a região noturna do planeta devido aos seus painéis solares. Veja mais na matéria do Olha Digital.
Previsões de tempo e o 5G
Existe uma disputa entre agências federais dos EUA (NOAA e NASA versus FCC) sobre o ruído que milhões de smartphones poderiam causar nas observações de seus satélites. Alguns dos satélites espaciais capturam e decodificam passivamente os fracos sinais de energia emitidos por mudanças no vapor de água, temperaturas, chuva e vento que determinam os padrões de tempo futuros.
Em 2019, o Comitê de Ciência, Espaço e Tecnologia da Câmara levantou questões sobre dois estudos preparados pela NOAA e pela NASA que previam que a corrida da FCC para leiloar espaço dentro das frequências de rádio interromperia os dados meteorológicos necessários para as previsões. Ajit Pai, o presidente da FCC na época, respondeu que não havia evidência de interferência potencial e procedeu a um leilão.
William Mahoney III, diretor associado do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, explicou que o maior problema envolve o espectro de 24 GHz, que os satélites meteorológicos usam para monitorar os sinais naturais de micro-ondas produzidos pelo vapor de água em vários níveis na atmosfera. “Se você tiver uma grande rede de torres de telefonia celular transmitindo muitas ordens de magnitude mais energia perto do solo, parte disso reflete para cima e partes da atmosfera se tornarão muito barulhentas”, disse Mahoney.
Dados meteorológicos precisos são necessários para agricultura, aviação, gestão da água, monitoramento de incêndios florestais e gestão da produção de energia, bem como para as agências de defesa dos EUA. Sobre essa polêmica e uma revisão sobre a evolução dos protocolos (1G até 5G) pode ser vista no vídeo a seguir da Climatempo entrevistando Gustavo “Zang” Beneduzi:
No vídeo, Zang explica que o vapor d’água emite radiação em 23,8 GHz e que está bem no meio da banda 5G, que vai de 21 a 25 GHz. Para resolver o problema, através de normas, foi “construída” uma janela de segurança centrada dessa emissão do vapor d’água (com mais ou menos 500 MHz de intervalo) para que não se emita ondas eletromagnéticas nas frequências dentro dessa janela.
Zang também comenta que a Meteorologia pode se aproveitar do 5G para fazer transmissão de dados coletados em estações meteorológicas, em vez do rádio (antenas grandes e problemas com licensas) ou satélite (alto custo). Inclusive sensores a bordo de celulares e outros dispositivos conectados entre si e à internet podem aumentar o número de dados das condições iniciais para melhorar as previsões do tempo.
Fontes
- The Conversation – How rain, wind, heat and other heavy weather can affect your internet connection
- Tecmundo – Entenda tudo sobre o funcionamento do 5G no Brasil
- Tecnoblog – mmWave: o que são as ondas milimétricas que fazem o 5G funcionar em frequências altas
- H. Y. Lam, L. Luini, J. Din, M. J. Alhilali, S. L. Jong and F. Cuervo, “Impact of rain attenuation on 5G millimeter wave communication systems in equatorial Malaysia investigated through disdrometer data,” 2017 11th European Conference on Antennas and Propagation (EUCAP), 2017, pp. 1793-1797, doi: 10.23919/EuCAP.2017.7928616.
- Shrestha, Sujan, e Dong-You Choi. “Rain Attenuation Statistics over Millimeter Wave Bands in South Korea”. Journal of Atmospheric and Solar-Terrestrial Physics, vol. 152–153, janeiro de 2017, p. 1–10. DOI.org (Crossref), https://doi.org/10.1016/j.jastp.2016.11.004.
- Nandi, Dalia, e Animesh Maitra. “Study of Rain Attenuation Effects for 5G Mm‐wave Cellular Communication in Tropical Location”. IET Microwaves, Antennas & Propagation, vol. 12, no 9, julho de 2018, p. 1504–07. DOI.org (Crossref), https://doi.org/10.1049/iet-map.2017.1029.
- Budalal, Asma Ali, et al. “The effects of rain fade on millimetre wave channel in tropical climate”. Bulletin of Electrical Engineering and Informatics, vol. 8, no 2, junho de 2019, p. 653–64. DOI.org (Crossref), https://doi.org/10.11591/eei.v8i2.1487.
- Mundo Conectado – Starlink funciona na chuva? E no calor extremo? Respondendo dúvidas comuns
- Starlink Hardware – Does Starlink Work Well In Bad Weather?
- Scientific American – 5G Wireless Could Interfere with Weather Forecasts