No post Análise de previsão: eventos de neve e de geada, foi analisada a previsão do WRF do CPTEC para esses eventos em 28 e 30 de julho de 2021 (respectivamente) no sul do Brasil e São Paulo. Neste texto, a análise será feita com os mapas de reanálise do ECMWF (ERA5).
De modo geral, o evento iniciou-se em 26/07 com a frente fria avançando pelo norte da Argentina e sul do Brasil, causada por um ciclone extratropical na costa norte da Argentina. Nos dias 27 e 28, as temperaturas caíram muito no sul e MS, com ocorrência de neve no RS e friagem no norte do Brasil. No dia seguinte, a onda de frio atingiu parte do estado de SP, incluindo a região metropolitana. No dia 30, ainda foram registradas geadas no estado.
Os mapas apresentados no vídeo a seguir foram gerados usando os scripts do post Mapas de reanálise com python. Os campos tem como objetivo identificar as forçantes dos sistemas atuantes (veja mais no post Desenvolvimento de ciclones) e apresentam, na sequência do vídeo:
- Pressão ao nível do mar (contorno, hPa) e Espessura entre 1000 e 500 hPa (sombreado, mgp)
- Vento (vetor) e Temperatura em 850 hPa (contorno, °C)
- Geopotencial (contorno, mgp) e Advecção de Temperatura em 850 hPa (sombreado, \(10^{-8}\cdot s^{-2}\))
- Geopotencial (contorno, mgp) e Advecção de Vorticidade em 500 hPa (sombreado, \(10^{-8}\cdot s^{-2}\))
- Geopotencial (contorno, mgp) e Ômega em 500 hPa (sombreado, \(10^{-5}Pa\cdot s^{-1}\))
- Vento em 250 hPa (vetores e linhas de corrente)
Observando-se o campo de pressão a nível do mar, um anticiclone formado sobre o Pacífico atingiu a América do Sul, desviando ao sul dos Andes e seguindo meridionalmente pelo interior do continente até a região do Chaco. Também formou-se um ciclone inicialmente em 45°S/50°W, bem ocluso, que se deslocou predominante para leste. A frente fria, na região de máxima curvatura ciclônica, inicialmente localiza-se na região do Uruguai e RS no dia 26, avançando até MG e sul do AM ao longo dos dias.
No campo de espessura, a massa de ar frio, especialmente a região com espessura menor que 5400, acompanhou o movimento do ciclone mas com seu centro mais à oeste, e atingindo boa parte do Rio Grande do Sul na data do evento. O ar menos frio (além de 5400) atingiu o restante da região sul, São Paulo e Mato Grosso do Sul nos dias seguintes. Durante o evento, houve intensa advecção de baixa temperatura, o que pode ser observado pela posição relativa entre as isóbaras e linhas de espessura. Após o evento, um anticiclone, formado pela passagem da crista, ocupou a região do sul do Brasil e bacia do Prata.
No mapa de temperaturas em 850 hPa, 48 horas antes do evento, formou-se um forte gradiente de temperatura logo à frente da linha de 0°C, acompanhando a movimentação da frente fria em superfície. Depois de 24 horas, observou-se a massa de ar frio movimentando-se da Argentina e Uruguai para o sul do Brasil, com a linha de 0°C passando o sul do estado de São Paulo. Além desse movimento mais meridional, a massa de ar frio também deslocou-se zonalmente, saindo da Argentina e acompanhando o ciclone no Atlântico. Uma massa de ar mais quente ganhou força acompanhando o movimento do anticiclone em superfície do Pacífico para a Argentina ao sul dos Andes.
No mapa de advecção de temperaturas em 850 hPa, também é possível notar a advecção de ar frio (negativa) sobre o sul do Brasil na traseira da frente fria, a oeste e norte do ciclone. Dia 29 0Z, advecção de frio é maior no PR e SP. Ocorreu advecção quente, mas em menor intensidade, em regiões na dianteira da passagem da frente fria e a leste e sul do ciclone (mais visível no dia 27/07).
No campo de geopotencial em 500 hPa, alguns dias antes do evento, um cavado atravessou a cordilheira dos Andes, criando advecção de vorticidade; outro cavado passou na parte sul, com uma baixa pequena que depois não avança pela cordilheira. O cavado localiza-se ao norte do ciclone e atingiu o sul do Brasil, com intenso gradiente. Um vórtice ciclônico em altos níveis formou-se acima do ciclone observado em superfície, mostrando que o sistema parece bem barotrópico (núcleos alinhados). Com o sistema aprofundado gerando ventos fortes na massa de ar oceânica, tende a promover o transporte de umidade para o Sul do Brasil.
No campo de advecção de vorticidade em 500 hPa, a leste do cavado, estão localizadas as principais regiões de advecção de vorticidade ciclônica (negativa, em azul), o que não é observado a oeste do cavado. As anomalias de vorticidade negativa podem estender-se verticalmente e induzir a circulação ciclônica em baixos níveis, assim como atuar em sua trajetória.
Observando-se o mapa de geopotencial e de ômega em 500 hPa, nota-se que, no dia 27, valores de ômega negativos (em azul) indicam levantamento entre PR e SC quando da passagem da frente fria em superfície e outros pontos também a leste do cavado. O movimento ascendente intensificou o cavado através da queda de pressão em superfície. Na Argentina e no Uruguai, onde já passou a frente e predomina o anticiclone, existem regiões com valores positivos de ômega (em vermelho). Após a passagem, no dia 29, é possível observar pontos com valores positivos em regiões de SP, indicando subsidência.
Desse modo, o ciclone e o anticiclone associados à onda de frio foram gerados pela instabilidade baroclínica associada a um acoplamento entre um cavado de escala sinótica, com amplitude acentuada, que atuou como forçante dinâmica. Além disso, a Cordilheira dos Andes atuou como forçante orográfica, forçando a advecção de vorticidade ciclônica a leste dos Andes e do cavado. Nesse cenário, as forçantes atuam para diminuir a altura do geopotencial, reduzindo o centro de massa, e intensificando o cavado de nível superior, com uma intensidade suficiente para gerar um vórtice ciclônico em altos níveis. Por fim, o movimento vertical ascendente a leste do cavado, onde ocorre advecção de vorticidade ciclônica, potencializa a queda de pressão em superfície, dando origem ao ciclone extratropical. A intensidade da alta e da baixa citadas gera ventos fortes e advecção de ar frio acentuada.
Atualização: o trabalho “Análise sinótica, trajetória e intensidade de três ondas de frio associadas a ocorrência de neve e geadas no brasil durante o inverno de 2021” também utilizou dados do ERA5 em uma análise mais abrangente comparando com outras ondas de frio. Foi apresentado durante o XX EPGMET e sua apresentação resumida pode ser vista no vídeo a seguir:
Comparação com WRF
Apesar do modelo do WRF rodado no CPTEC usar o GFS como condição de fronteira, e portanto diferindo a análise na previsão zero com relação à reanálise do ECMWF, é de se esperar que tenham grande compatibilidade. Assim, as comparações foram feitas para as previsões nos diferentes níveis da data do evento.
Os mapas apresentados na previsão do WRF apresentada no post anterior (2ª figura) para 29/07 12Z apresentam uma curva de 5400 na localização e formato da reanálise para 29/07 00Z, sendo que às 12Z a linha já se deslocou para o litoral do RS, quase no oceano. Assim, nota-se que o modelo (rodado em 27/07 00Z) previu corretamente o evento, mas com uma defasagem no tempo de 12 horas.
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