Raios e trovões!

Um raio (ou relâmpago) é uma descarga elétrica de grande intensidade que ocorre quando a rigidez dielétrica do ar é quebrada e cargas elétricas fluem diretamente da nuvem para o solo, ou vice-versa (ou também entre nuvens ou o próprio ar), produzindo diversos tipos de radiação eletromagnética, além de ondas sonoras, que são conhecidas como trovões. Em outras palavras, o raio em si é um plasma criado durante o processo de ionização das moléculas de ar causado pela quebra do dielétrico entre dois centros de carga de polaridades opostas.

Ocorrência de raios em Florianópolis (SC). Foto: DanielC Photography
Ocorrência de raios em Florianópolis (SC). Foto: DanielC Photography

Para ocorrer um raio, é necessário que ocorram grandes camadas de cargas elétricas opostas acumuladas em uma nuvem de tempestade, conhecida como Cumulonimbus (CB). O vídeo a seguir possui animações ilustrando os processos de eletrificação de nuvens (veja mais detalhes sobre esses mecanismos clicando no link). No vídeo, aparecem apenas dois pólos de carga (um positivo e outro negativo), mas uma nuvem de tempestade pode ter vários pólos.

Existe um livro muito bom para entender desde a mitologia associada aos raios até os processos físicos envolvidos em sua formação de uma maneira didática e com algumas fórmulas matemáticas: El Rayo: Mitos, Leyendas, Ciencia y Tecnología, de Horacio Torres-Sanchéz.

Um raio atinge até 30.000°C, cinco vezes a temperatura da parte externa do sol. Isso gera uma expansão violenta do ar que causa uma onda sonora, conhecida como trovão. A luz viaja a 300 000 km/s, enquanto que o som viaja bem mais devagar, a 340 m/s. Assim, ao ver o raio, conte o número de segundos e multiplique por 0,3 e terá a distância aproximada da ocorrência do raio (em quilômetros). Se a distância aumentar, provavelmente a tempestade pode estar se afastando.

Muitos acreditam que Benjamin Franklin (cientista e político dos EUA) teria sido atingido por um raio ao empinar uma pipa. Isso teria certamente causado sua morte. Na verdade, seu objetivo era mostrar que sua pipa poderia coletar uma porção de cargas elétricas no céu durante uma tempestade. Essas cargas foram transferidas pelo barbante úmido até uma chave de metal presa na ponta, causando pequenas faíscas.

Os lugares mais prováveis de cair um raio são onde ocorre um grande acúmulo de cargas elétricas, o que acontece em pontas (principalmente se forem de material condutor de eletricidade), segundo a teoria do eletromagnetismo conhecida como poder das pontas. Nessa condição, o campo elétrico e a densidade de carga induzidas tornam-se bastante elevados. Próximo à ponta, o campo elétrico pode ultrapassar o valor da rigidez dielétrica do ar, tornando-se um condutor. Como em uma reação em cadeia até a nuvem, as regiões próximas também terão sua rigidez dielétrica quebrada mais facilmente, criando um “caminho” para o raio passar.

Nuvens acumulando carga elétrica e superfície com cargas distribuídas para explicar o poder das pontas: um cubo imaginário sobre a torre tem bem mais cargas que um mesmo cubo sobre a superfície. Fonte: Hewitt, Paul G. Física conceitual (2015).
Nuvens acumulando carga elétrica e superfície com cargas distribuídas para explicar o poder das pontas: um cubo imaginário sobre a torre tem bem mais cargas que um mesmo cubo sobre a superfície. Fonte: Hewitt, Paul G. Física conceitual (2015).

Assim, ficar sozinho em um descampado, nadar na piscina/mar, lugares altos, árvores, segurar objetos metálicos grandes, pára-raios… são lugares e situações propícias para uma descarga elétrica ocorrer. Já segurar pequenos objetos (garfos, facas, celulares…) não tem influência. Veja a imagem dessa garota que estava escalando uma montanha e ficou com os cabelos arrepiados. Isso aconteceu devido à repulsão de cargas elétricas de igual sinal que foram induzidas pela passagem de uma tempestade. É o mesmo fenômeno que acontece no gerador de Van De Graaff.

Plataforma de observação do Sequoia National Park (EUA), a jovem ficou de cabelos arrepiados e o irmão tirou uma foto. Cinco minutos depois da saída deles, um raio atingiu o local, matando uma pessoa e ferindo outras sete.
Plataforma de observação do Sequoia National Park (EUA), a jovem ficou de cabelos arrepiados e o irmão tirou uma foto. Cinco minutos depois da saída deles, um raio atingiu o local, matando uma pessoa e ferindo outras sete. Veja mais nesse link.

Dentre os lugares mais seguros para ficar durante uma tempestade elétrica estão construções de alvenaria e carros. Um automóvel não é o lugar mais seguro porque os pneus isolam a eletricidade (se fosse assim, um chinelo protegeria também), e sim porque a lataria do carro forma uma superfície condutora eletrizada e que possui campo elétrico nulo em seu interior, dado que as cargas se distribuem de forma homogênea na parte mais externa da superfície condutora. Esse fenômeno é conhecido como Gaiola de Faraday, e protege inclusive uma aeronave da ocorrência de um raio – veja mais no post E se um raio atingir um avião?

O guarda florestal norte americano Roy Cleveland Sullivan (1912-1983) foi o único homem a ser atingido sete vezes por raios. Em 1942 foi atingido pela primeira vez, perdendo a unha do dedo do pé. Em 1969, perdeu as sobrancelhas; em 1970, sofreu queimaduras no ombro esquerdo; em 1972, seu cabelo pegou fogo, o que aconteceu novamente no ano seguinte, somado a queimaduras nas pernas. Em 1976 seu tornozelo foi ferido e em 1977 foi levado ao hospital com queimaduras no peito e estômago, após ser atingido enquanto pescava. Suicidou-se em 1983 devido a uma desilusão amorosa.

Caso uma pessoa seja atingida por um raio, podem se formar nela as figuras de Lichtenberg (clique no link para ver fotos de pessoas com essas imagens no corpo), causadas pela ruptura de capilares sanguíneos, desaparecendo alguns dias depois. Caso um raio caia na areia, poderá ocorrer a fusão da sílica e formar estruturas tubulares conhecidas como fulguritos. Veja mais sobre fulguritos no post Crateras causadas por relâmpago. Caso o raio caia em uma cerca elétrica, acontece o que pode ser visto no vídeo do link.

Tipos de raios

Além do raio nuvem-terra, também ocorrem raios intra-nuvem e entre-nuvens, que são bem numerosos. Em geral, os raios Intra-nuvem predominam no meio da tempestade, e durante o estágio de maturação os nuvem-terra ficam no meio e na traseira. No estágio de dissipação, são observados na bigorna.

Também ocorrem raio bola, raio nuvem-ar, e outros tipos de raios, com a origem exata ainda em estudo, e sprites, jatos e elves, decorrentes da excitação das moléculas do ar por elétrons acelerados pelos campos elétricos associados aos raios.

O raio bola é uma descarga elétrica luminosa em forma circular, muitas vezes identificado como um disco voador extraterrestre. Consiste geralmente num círculo de plasma ou gás ionizado e apresenta uma certa estabilidade durando alguns segundos. Dentre os possíveis processos de formação, estão a ionização do ar por microondas e das moléculas do solo pelo próprio raio. Veja essa matéria da National Geographic sobre o fenômeno:

A teoria mais aceita, proposta por um grupo de pesquisadores da Nova Zelândia (John Abrahamsom e James Dinniss), é que o raio bola seria formado pelo vapor do silício após uma descarga elétrica atingir o solo. Conforme o vapor de silício resfria, ocorre condensação e uma bola é formada devido a carga elétrica na superfície.

Monitoramento

O monitoramento de raios em tempo real para toda a América do Sul pode ser consultado no site da rede de detecção de descargas atmosféricas do IAG/USP, a STARNET. Um posto do Earth Science Stack Exchange traz links e respostas para a pergunta “quais nuvens produzem raios e trovões?” – existem relatos e modelos teóricos para a ocorrência desse fenômeno mesmo em nuvens estratiformes, que não possuem correntes verticais fortes o suficiente para divisão de cargas dentro da nuvem.