Prêmio Nobel de Física de 2021

Em 2021, os cientistas Syukuro Manabe e Klaus Hasselmann são recompensados pela “modelagem física do clima da Terra, quantificando a variabilidade e prevendo o aquecimento global de forma confiável” e Giorgio Parisi “pela descoberta da interação da desordem e flutuações em sistemas físicos de escalas atômicas a planetárias” ao ganharem o prêmio Nobel de Física. Todos contribuíram para o entendimento dos sistemas físicos complexos, que podem conter um número enorme de componentes que interagem entre si e exibem propriedades coletivas – como o clima da Terra.

Syukuro Manabe, Klaus Hasselmann e Giorgio Parisi, ganhadores do Nobel de Física em 2021 (adaptado de Twitter/Nobel Prize)
Syukuro Manabe, Klaus Hasselmann e Giorgio Parisi, ganhadores do Nobel de Física em 2021 (adaptado de Twitter/Nobel Prize)

O que é o prêmio Nobel?

O químico e engenheiro sueco Alfred Nobel (1833-1896) comprou a Bofors, uma empresa siderúrgica de ferro e aço, em 1894, que se tornou uma grande fabricante de armas. Ele também inventou o balistite, que foi o precursor de muitos outros explosivos militares sem fumaça, especialmente o cordite, e acabaria acumulando uma fortuna durante sua vida graças às suas 355 invenções, entre as quais a dinamite, a mais famosa.

Em 1888, Nobel ficou surpreso ao ler seu próprio obituário, intitulado “O mercador da morte morreu”, em um jornal francês, mas que na verdade era de seu irmão Ludvig. O artigo desconcertou Nobel e o deixou apreensivo sobre como ele seria lembrado. Em seu último testamento, especificou que sua fortuna seria usada para criar uma série de prêmios anuais para aqueles que realizam “o maior benefício para a humanidade” nessas cinco áreas:

  • Física – concedidos pela Academia Sueca de Ciências
  • Química – concedidos pela Academia Sueca de Ciências
  • Fisiologia ou Medicina – concedidos pelo Instituto Karolinska em Estocolmo
  • Literatura – concedidos pela Academia de Estocolmo
  • Paz – concedidos por uma comissão formada por cinco pessoas escolhidas pelo norueguês Storting (o parlamento norueguês)

A fim de tomar conta da fortuna e organizar a entrega dos prêmios, seus executores Ragnar Sohlman e Rudolf Lilljequist formaram a Fundação Nobel. Por ocasião do seu terceiro centenário, o banco central sueco doou em 1968 uma importante quantia em dinheiro à Fundação para ser usada na criação do “Prêmio do Banco Central da Suécia de Economia em memória de Alfred Nobel”, que foi entregue pela primeira vez no ano seguinte. Após isso, o Conselho de Diretores da Fundação Nobel decidiu que não seria permitida a criação de novos prêmios adicionais.

Normalmente no mês de setembro do ano anterior ao da entrega dos prêmios, formulários de nomeação são enviados pelo comitê do Nobel para aproximadamente três mil acadêmicos proeminentes de suas áreas de conhecimento (ou para governos e membros do Comitê Norueguês, no caso do Nobel da Paz). Os formulários devem retornar até 31 de janeiro par ao comitê do Nobel, que seleciona por volta de 300 potenciais candidatos através de um relatório refletindo o aconselhamento de peritos nos campos relevantes.

As instituições que entregam os prêmios recebem os respectivos relatórios e os membros fazem uma votação. No máximo três laureados e dois trabalhos diferentes podem ser selecionados em cada prêmio – exceto no Nobel da Paz, que pode ser entregue a instituições. A vontade de Nobel era que os prêmios fossem dados em reconhecimento a descobertas feitas “durante o ano anterior”, mas algumas descobertas acabam por revelar-se maduras e de grande importância somente alguns anos depois.

Modelagem física do clima da Terra

Syukuro Manabe nasceu em 1931 em Shingu, no Japão. Obteve o doutorado em 1957 na Universidade de Tóquio. Hoje, é meteorologista sênior da Universidade de Princeton, nos EUA. Ele descobriu que, quando o nível de gás carbônico na atmosfera dobrava, a temperatura global aumentava mais de 2°C. Na década de 1960, Manabe liderou o desenvolvimento de modelos físicos do clima da Terra e foi a primeira pessoa a explorar a interação entre o balanço de radiação e o transporte vertical de massas de ar. Seu trabalho lançou as bases para o desenvolvimento de modelos climáticos.

Klaus Hasselmann nasceu em 1931 em Hamburgo, na Alemanha. Obteve o doutorado em 1957 na Universidade de Göttingen. É professor do Instituto Max Planck de Meteorologia em Hamburgo. Cerca de dez anos depois dos primeiros trabalhos de Manabe, Hasselmann criou um modelo que liga o tempo (características atmosféricas de curto prazo) e o clima (longo prazo). Inspirado na teoria do movimento browniano, desenvolvida por Albert Einstein em 1905, Hasselmann criou um modelo climático que levava em conta essas variações. Dessa forma, respondeu à pergunta de por que os modelos climáticos podem ser confiáveis, apesar de o tempo ser mutável e caótico.

Esse trabalho também permitiu que ele desenvolvesse métodos que detectavam as “impressões digitais” reveladoras de eventos agudos, tanto naturais quanto humanos, que impactaram o clima. Tais métodos foram usados ​​posteriormente para provar que os aumentos nas temperaturas atmosféricas resultavam das emissões de dióxido de carbono das atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis.

O Comitê do Nobel disse que Manabe e Hasselmann “estabeleceram a base de nosso conhecimento sobre o clima da Terra e como a humanidade o influencia”. Um histórico das pesquisas realizadas por esses cientistas pode ser vista nessa palestra do prof. Pedro Dias (IAG-USP):

Interação da desordem e flutuações em sistemas físicos

Giorgio Parisi nasceu em 1948 em Roma. Obteve o doutorado em 1970 na Universidade Sapienza de Roma, onde é professor. Em seu trabalho, que começou por volta de 1980, conseguiu fazer uma descrição macroscópica de como interações microscópicas entre os átomos funcionam, demonstrando como ajustes aparentemente pequenos em grandes sistemas podem ter efeitos profundos. Isso se aplica a vários sistemas que não conseguiram encontrar o mínimo de energia e assim encontrar sua configuração mais estável. Acompanhe a explicação a seguir.

As partículas em um gás podem ser consideradas como pequenas bolas, voando a velocidades que aumentam com temperaturas mais altas. Conforme a temperatura cai (ou a pressão aumenta), as bolas primeiro se comportam como um líquido e, em seguida, em um sólido. Neste estado, os átomos ou moléculas se organizam em uma estrutura periódica no espaço, o que é chamado de sólido cristalino. Os estados da matéria possuem propriedades macroscópicas muito diferentes, como sua habilidade de se deformar e sua rigidez.

Alguns líquidos, quando resfriados muito rapidamente, não conseguem formar um cristal e formam um vidro – um estado caracterizado microscopicamente pela mesma estrutura desordenada de um líquido, porém rígido, com seus átomos ou moléculas difundindo lentamente em escalas de tempo astronômicas. O trabalho de Parisi usa o vidro de spin (“spin glass” em inglês): um material magnético não usual onde as interações entre spins são aleatórias.

Spins são momentos magnéticos intrínsecos dos átomos que tendem a se alinhar na mesma direção quando em um material magnético usual – como um ímã. Dessa forma, produzem uma estrutura ordenada que concede ao ímã sua propriedade magnética macroscópica. Essa propriedade é perdida em altas temperaturas, onde spins individuais se agitam apontando em qualquer direção. Um spin tende a se alinhar com um spin vizinho mas se anti-alinhar com outro. A presença dessas interações conflitantes leva ao fenômeno da frustração, em que um spin não consegue adotar uma direção que satisfaça simultaneamente todas interações entre seus spins vizinhos.

A teoria que Parisi desenvolveu mostra que, diferente da fase desordenada em altas temperaturas, regiões distantes do vidro de spin apresentam estruturas ou estados desordenados que não são estatisticamente equivalentes entre si. Isso porque são muitos os estados desordenados estáveis e é difícil ocorrer uma transição entre eles, o que também confere a esse material uma dinâmica lenta.

Conforme explica o físico Leandro Tessler, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, em entrevista ao G1: “Quando pássaros voam em bando, todos querem estar na região turbulenta, onde gastam menos energia ao bater as asas. Parisi mostrou que considerando somente isso é possível prever a forma e tamanho dos bandos de aves”. Para ele, a descoberta é importante porque “permitiu que a gente entenda coisas muito profundas sobre o que chama de sistemas frustrados – sistemas que não conseguiram encontrar o mínimo de energia – aí entra o clima também. Qualquer sistema que por algum motivo não consegue atingir o seu mínimo de energia, a sua configuração mais estável, é descrita pelas equações do Parisi”, conclui.

O físico brasileiro Lucas Nicolao, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizou um estágio de pós-doutorado com Parisi de 2010 a 2012. Nicolao afirma que “mais tarde essa teoria, chamada de quebra de simetria de réplicas, foi estendida para o estudo de vidros, materiais granulares como areia, e outros materiais desordenados. Em todos esses casos, a presença de interações bastante simples, por vezes conflitantes, entre muitos elementos (microscópicos) leva ao surgimento de propriedades coletivas emergentes (macroscópicas) imprevisíveis. Por isso, logo essa teoria se consolidou como uma ferramenta versátil para estudar diversos fenômenos aparentemente aleatórios e ofereceu um cenário paradigmático para sistemas complexos, permitindo importantes avanços na neurociência, ciência da computação, ecologia, economia, redes sociais, entre outras áreas.”

Segundo a organização do prêmio, as descobertas de Parisi tornaram “possível entender e descrever muitos materiais e fenômenos diferentes e aparentemente inteiramente aleatórios”.

Nobel da Paz de 2007 do IPCC

Os trabalhos de Manabe serviram de base ao desenvolvimento dos modelos acoplados do sistema terrestre que são usado hoje no IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). O IPCC (veja mais no link) é uma organização científico-política criada em 1988 no âmbito das Nações Unidas com o objetivo de compilar todo o conhecimento que a humanidade produz sobre esse assunto.

Em 2007, o prêmio Nobel da Paz foi concedido ao ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, e ao IPCC, representado na cerimônia por seu presidente, o indiano Rajendra Pachauri. A honraria foi o reconhecimento maior ao esforço de ambos para difundir os conhecimentos relativos às mudanças climáticas, iniciativa que contribuiu para lançar os fundamentos das ações voltadas à minimização do problema. Depois de alguns meses, a direção do IPCC decidiu compartilhar o prêmio, ainda que simbolicamente, com mais de dois mil cientistas de todo o mundo que cooperam com suas atividades – dentre eles, uns trinta brasileiros.

Conclusão

Desde os anos 1960, existem estudos sobre os gases de efeito estufa e sua ação sobre o equilíbrio de energia no planeta. Ações políticas em diferentes escalas são tomadas desde os anos 1980. O prêmio Nobel da Paz, dado a quem “trabalhou mais ou melhor em favor da fraternidade entre as nações, a abolição ou redução de exércitos existente e para a celebração e promoção de congressos pela paz”, em 2007 foi dado ao IPCC, uma organização que compila o conhecimento de milhares de cientistas do mundo todo sobre aquecimento global.

Depois de décadas de pesquisa da comunidade científica mundial, o prêmio Nobel de Física de 2021 vai para três cientistas que desenvolveram trabalhos na área de modelagem de sistemas físicos que permitem quantificar a variabilidade e prevendo o aquecimento global de forma confiável. Um prêmio centenário cujos laureados são apontados pelos milhares de cientistas mais proeminentes do mundo como tendo os trabalhos mais importantes de suas áreas.

Se mesmo assim você acha que não existem mudanças climáticas, você precisa sair da pós-verdade.

Fontes

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