A poeira levantada nas áreas secas pode permanecer suspensa no ar por até uma semana, viajando milhares de quilômetros pelo vento e impactando o clima, visibilidade, produção de energia e saúde. O transporte da poeira do deserto do Saara atinge o continente euuropeu com certa frequência. Em fevereiro de 2024, um desses eventos trouxe uma redução na geração de energia solar de até 30%.
A poeira pode ser bastante devastadora para os países de África e do Mediterrâneo, pois entra nas casas, nos pulmões, pode fechar aeroportos e estradas, afetar a produtividade agrícola e de energia. E com as mudanças climáticas que poderão causar o aumento dos desertos, a poeira destes na atmosfera só aumentará.
A deposição de poeira do deserto sobre as áreas agrícolas pode diminuir a qualidade do solo e afetar negativamente as plantações. A camada de poeira pode obstruir os poros do solo, dificultando a absorção de água e nutrientes pelas plantas. Além disso, a poeira pode conter substâncias prejudiciais, como metais pesados e patógenos, que podem contaminar os alimentos e reduzir a produtividade das culturas.
A inalação de partículas de poeira do deserto pode causar problemas respiratórios, como alergias, asma, bronquite e outras doenças pulmonares. Partículas finas de poeira também podem penetrar nos pulmões e entrar na corrente sanguínea, aumentando o risco de doenças cardiovasculares. Além disso, a poeira pode transportar microrganismos patogênicos, como bactérias e vírus, que podem causar infecções respiratórias e outras doenças.
Os animais expostos à poeira do deserto podem desenvolver problemas respiratórios semelhantes aos humanos. Além disso, a ingestão de alimentos contaminados pela poeira pode levar à intoxicação e a problemas digestivos. Em áreas onde a poeira do deserto afeta pastagens e fontes de água, pode haver escassez de alimentos e água para os animais, afetando sua saúde e bem-estar.
A deposição de poeira do deserto sobre os recifes de coral pode prejudicar sua saúde e sobrevivência. A poeira pode bloquear a luz solar necessária para a fotossíntese dos corais e seus simbiontes, diminuindo a produção de energia e comprometendo o crescimento dos corais. Além disso, a poeira pode transportar substâncias químicas nocivas, como nutrientes em excesso e poluentes, que podem causar eutrofização, aumento da temperatura da água e acidificação, prejudicando ainda mais os recifes de coral.
Apesar de parecer um problema, a poeira do Saara é importante na manutenção de diversos ecossistemas. O transporte de poeira do deserto para o oceano atua no crescimento do fitoplâncton. A deposição dessas poeiras contribui com até 40% da produção global anual de carbono, alimentando a cadeia alimentar marinha e desempenhando um papel crucial no sistema climático. Centenas de milhões de toneladas de poeira deixam os desertos da África, cruzam o Oceano Atlântico e alcançam a América do Norte, o Caribe e a América do Sul. Ela atua fertilizando os solos da Amazônia, muito fina e rica em nitrogênio e fósforo, e até influenciando na formação de furacões, ao inibir a passagem de radiação solar para atuar no aquecimento de águas superficiais oceânicas – o combustível desse fenômeno atmosférico.
Evento de fevereiro/2024
Em 14 de fevereiro de 2024, uma quantidade significativa de poeira do Saara foi transportada para a península Ibérica. Depois, foram transportadas pelos ventos predominantes de oeste até à Alemanha, onde chegou a 16 de fevereiro. As áreas afetadas durante o período diurno entre 15 e 16 de fevereiro registaram perdas máximas de até 30%. Grandes áreas do norte da Europa, em particular os Países Baixos e a Alemanha viram uma parte significativa da geração de energia diária perdida.
Tudo começou com um sistema de alta pressão situado sobre o norte de África e outro de baixa pressão alocado no mar da Noruega, que forçaram a poeira a ser transportada por ventos de oeste pelo velho continente, num movimento de oeste para leste, nos níveis baixos e médios da atmosfera.
A poeira, que se faz mostrar sob a forma de nuvem para quem a observa do solo, reduz a radiação ao dispersar a luz solar, ao refleti-la e ao absorvê-la à medida que esta passa pela atmosfera, diminuindo a radiação recebida na superfície. Este estado afeta a produção de energia solar também ao depositar-se em painéis solares, dificultando a receção de energia e diminuindo a eficiência da sua geração, mesmo depois que esta tenha desaparecido da atmosfera.
Os operadores deste tipo de ativos nas áreas afetadas podem observar uma diminuição da produção de energia resultante dos efeitos de sujidade que as poeiras deixam nestes aparelhos. Isso mesmo foi reportado pela Solcast, um operador que apoia na modelação e previsão de produção de energia solar, através, entre outros, da observação de imagens meteorológicas de satélite.
Como a poeira atingiu Portugal principalmente no final da tarde e início da noite de 14 de fevereiro, Lisboa viu perder apenas 10,8% da produção diária. Já Madrid, foram observadas perdas na ordem dos 15%, e valores mais elevados no norte de Espanha, quando a poeira passou ao meio dia de 15 de fevereiro. De qualquer forma, Madrid e grande parte de Espanha tiveram um dia nublado, limitando a geração total de energia.
A metodologia desenvolvida pela Solcast também tem em consideração as variações noutras condições atmosféricas, que ajudam a explicar as outras diferenças observadas em relação ao normal em várias regiões da Europa. Por exemplo, a menor umidade observada em Espanha, a 16 de fevereiro, significou que havia uma radiação de céu limpo acima da média, uma boa notícia para os operadores, após as perdas provocadas pela nebulosidade e pela poeira. Mais a leste, os efeitos foram mais pronunciados, com partes dos Países Baixos e da Alemanha a registarem perdas de geração de energia até 30% no pico do dia, e a geração diária total diminuiu entre 15% a 25%.
Em 2022, as poeiras do deserto do norte da África foram particularmente visíveis na Península Ibérica e em outras partes do mundo devido a tempestades de areia frequentes na região desértica. Essas tempestades são causadas por gradientes de pressão intensos que geram ventos fortes, levantando grandes quantidades de areia e poeira para a atmosfera. Os ventos alísios também contribuem para o transporte dessas poeiras através do oceano Atlântico, cobrindo centenas a milhares de quilômetros, como observado em 2022 devido ao comportamento prolongado do anticiclone dos Açores. Esse fenômeno não apenas afeta a Península Ibérica, mas também áreas distantes, destacando a extensão global do transporte de poeira do deserto.
O Serviço de Monitorização da Atmosfera Copernicus (CAMS) fornece previsões globais e regionais da quantidade de poeira na atmosfera, utilizando observações por satélite e modelos computacionais. Recentemente, previu-se um aumento da poluição do ar no sul da Europa devido à poeira do Saara, coincidindo com o relaxamento dos bloqueios da COVID-19. O setor de energia solar se beneficia das previsões do CAMS para antecipar a redução na produção de energia causada pelo bloqueio da luz solar e pela deposição de poeira nos painéis solares, auxiliando na organização da limpeza e na escolha de locais para futuras instalações solares.
Fontes
- Meteored – Os impactos das poeiras do Saara no sul da Europa, O último episódio de transporte de poeiras do Saara teve grande impacto na produção de energia solar na Europa, Poeiras do Saara “por todo o lado”: descubra os seus riscos e benefícios para saúde, clima e oceano, Poeiras do deserto são capazes de garantir o crescimento de fitoplâncton no mar
- BBC Brasil – Do Saara à Amazônia: 4 impactos bons e ruins da poeira que viaja do deserto até a América Latina