Por Paulo Roberto Roggério
As treze colônias que após a Guerra da Independência formaram os Estados Unidos da América eram integrantes do vasto Império Britânico e tinham certa autonomia administrativa, quadro que se alterou depois da guerra travada entre ingleses e franceses na América do Norte (1763).
Como toda guerra tem um alto custo, os britânicos, apesar de vencedores, deliberaram que as colônias deveriam pagar esse custo, através de novos impostos a serem pagos pelos colonos. Para isso, decidiriam aumentar também o controle sobre as colônias.
Em 1765, o Parlamento (em Londres) criou, para os colonos, o “Imposto do Sêlo”, a ser pago sobre qualquer documento legal e sobre impressos, especialmente os jornais. A reação foi tão grande que o imposto foi revogado em 1766. Porém, já em 1767, por inspiração de Charles Townshend, foram aprovadas as chamadas Leis Townshend, criando tributos alfandegários para produtos como o chá, a tinta, o papel e o vidro, importados através dos portos americanos.
O descontentamento geral transformou-se em revolta, de modo que os soldados britânicos, em 5 de março de 1770, dispararam contra a população que protestava. Um homem morreu e o episódio ficou conhecido como o Massacre de Boston. Naquele mesmo dia o Parlamento inglês revogou quase todos os impostos das Leis Townshend, mas manteve o imposto sobre o chá e, em 1773, nova lei autoriza uma empresa britânica a vender o produto nas colônias a preços mais baixos que os praticados pelos importadores. Por isso, em 16 de dezembro de 1773, os colonos invadiram os navios britânicos ancorados no porto de Boston, e lançaram ao mar as cargas de chá. Este evento levou o nome de Festa do chá de Boston.
Diante da resistência dos colonos, a reação da Coroa foi ainda mais dura, chegando a determinar o fechamento do porto de Boston até que a colônia (Massachusetts) pagasse pelo chá destruído, e nomeou governadores militares para a colônia.
Enquanto os colonos pediam a revogação das leis impopulares, chamadas por eles de Leis Intoleráveis, os britânicos enviavam mais tropas. Reunidos em Filadélfia, na colônia da Pensilvânia, os representantes das colônias concluíram que deveriam se unir, ganhando o consenso, que não foi unânime pela recusa da colônia da Geórgia.
Foi nesse panorama que, em 1775, a Grã Bretanha envia ainda mais tropas para as colônias, sendo um dos objetivos retirar os equipamentos militares dos colonos, armazenados na cidade de Concord, em Massachusetts.
Paul Revere, além de William Dawes, percorreram a colônia a cavalo, para avisar os colonos da chegada das tropas inglesas. Esse foi um dos principais fatores que permitiram aos colonos formarem uma resistência, composta por soldados chamados de minutemen, ou homens-minuto. Foram os minutemen que retardaram a chegada das tropas britânicas em Concord, enfrentando-as em Lexington, em 19 de abril de 1775. Os ingleses venceram o primeiro embate, mas outro exército local forçou os ingleses a recuar, antes de chegar a Concord. As batalhas de Lexington e Concord marcam o início da Guerra de Independência (1775-1783).
O trabalho de Paul Revere é reconhecido até hoje como um símbolo de patriotismo, sendo também reconhecido como herói. Paul Revere era notável por suas atividades como ourives e artesão, dentre outras.
Do outro lado do Oceano, mais precisamente na Holanda, todos sabiam que o outro nome do país: Países Baixos tem esta denominação porque a maior parte de seu território está abaixo do nível do mar. Todos sabiam, também, sobre a importância dos diques, construídos para evitar que as águas do Mar do Norte inundassem toda a costa da Holanda. Os diques eram fiscalizados diariamente por funcionários encarregados desta única e vital tarefa. Entre estes funcionários estava o pai do pequeno Peter.
A mãe do pequeno herói preparou bolinhos e entregou-os a Peter para que os levasse a um amigo, um pequeno garoto cego, que, devido à sua deficiência, tinha seus divertimentos e atividades limitados. Recebeu a recomendação de voltar antes do anoitecer.
Peter e o amigo passaram horas agradáveis juntos, até chegar a hora de voltar. No caminho, entre as naturais distrações com flores e pequenos animais, o menino ouviu o som de água, e imediatamente constatou tratar-se de um furo no dique. Temendo pelo pior: a inundação, fechou o furo com seu pequeno dedo, e esperou que alguém passasse, para pedir ajuda.
O vazamento foi contido, mas chegou a noite e ninguém o ouviu para ajudar. A noite passava, o frio aumentava, mas o menino não esmoreceu. Somente ao amanhecer um homem passou e o ouviu, e pode imediatamente providenciar o auxílio, quando o furo foi consertado.
Esta é a história de Peter, o pequeno herói da Holanda. (extraído do texto original de Etta Austin Blaisdell Mc Donald e Mary Frances Blaisdell, adaptado por Brasileiros na Holanda: o site informativo da comunidade brasileira, disponível em http://www.brasileirosnaholanda.com/holanda/heroi.htm, acesso em 11.11.2015).
No Brasil, em 5 de novembro de 2015, uma tragédia de proporções épicas aconteceu no Estado de Minas Gerais, e tal sua proporção que afetou o Estado do Espírito Santo, afetará, em proporções ainda incalculáveis, a fauna e a flora dos dois Estados, e a vida de vários rios, entre eles o Rio Doce, e a vida marítima, na foz deste rio, no Oceano Atlântico.
Trata-se do rompimento de duas barragens de uma empresa mineradora no distrito de Bento Rodrigues, cidade de Mariana, Minas Gerais, que, rompidas sucessivamente, levaram em avalanche, a jusante, 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração de ferro.
A tragédia se considera por dois aspectos: em primeiro, pela tragédia em si, porque os fatos não requerem mais explicações. A segunda: pela mensuração do volume de rejeitos retornados violentamente à natureza.
O acontecimento soterrou o distrito de Bento Rodrigues, qual Pompéia dos tempos modernos. As barragens de rejeitos de mineração, na altitude em que localizadas, deslizaram sessenta e dois milhões de metros cúbicos desses detritos, por centenas de quilômetros, cerca de quinhentos, em linha reta, recebendo impulso pelo peso adquirido com a queda e tendo o impulso realimentado quando parte do material alcançou as águas do rio Doce.
Considerado por outro ângulo, a tragédia ambiental se acentua pelo peso, ou pela massa, dos rejeitos. Um metro cúbico de uma substância terá um peso diferente, segundo a natureza do material: o cálculo é feito pelo peso específico do material. Assim, se fosse só ferro, cujo peso específico é de 7.850 kg/m³, o peso total dos detritos seria de 486 milhões de toneladas. Para argila úmida, com peso específico de 2.600 kg/m³, o total seria de 161 milhões de toneladas, ou para areia úmida, de 1.975 kg/m³, 122 milhões de toneladas. O total dos detritos está em volta de 150 milhões de toneladas.
Os locais onde estes materiais se depositaram, e permanecerão quando a lama secar; as futuras decomposições e nova circulação, pelo efeito da chuva e da erosão; os locais por onde os materiais passaram em enxurrada, por terra ou por rio, e por fim no mar, causarão efeitos indeléveis em todo o bioma. Algumas espécies exóticas da fauna podem estar definitivamente extintas. A purificação do terreno, do leito dos rios e do mar afetado necessitará do esforço de gerações, com a ajuda da natureza.
Na data de hoje, contados sete dias da tragédia, as notícias contém um misto de significados: talvez as pessoas ainda se sintam perplexas com a força, a extensão e a rapidez do fenômeno; talvez ninguém ainda possa avaliar o acontecido em toda a sua amplitude e, possivelmente, os especialistas que mais compreenderam até agora deliberaram por não preocupar mais do que o necessário.
Passada esta semana inicial, surge a compreensão de que o acontecimento já é consumado. A tragédia ambiental e os efeitos materiais já se instalaram: outras tragédias pessoais se desenrolarão em breve, pela natureza afetada ao longo de quinhentos quilômetros. As casas destruídas, os lençóis e os cursos d´água contaminados, a pesca prejudicada, o desequilíbrio ecológico, tudo está por ocorrer e por receber soluções.
É possível prever, ou ao menos desejar, que as soluções venham, em um esforço concentrado dos poderes constituídos. Afinal, como disse o grande brasileiro Osvaldo Cruz, sobre o mosquito aedes aegypti, o mesmo que transmite a dengue hoje e a febre amarela em seu tempo: “O mosquito é federal, estadual ou municipal?”, ante a indecisão de quem deveria tomar providências contra o mosquito: o governo federal, o estadual ou o municipal.
Mesmo desejando que as soluções técnicas e materiais venham, as de urgência e as requeridas ao longo do tempo, é possível prever a necessidade de enfrentar um certo ostracismo, porque as notícias novas, boas ou más, superam as antigas.
Mas é necessário apontar um contraste no inaudito acontecimento: a perda de vidas humanas é incomparavelmente inferior ao que sucede em outras tragédias de igual porte, o que só pode ser explicado pela ação de Deus.
São muitas as lições a tirar do episódio. Uma delas é a ação de uma mulher, que não mereceu o devido destaque em todo o noticiário. Seu nome é PAULA ALVES, a heroína de Mariana.
Sabendo do rompimento da barragem, não pensou em si própria. Conseguiu ir à sua casa e ligar sua moto, uma scooter de apenas 50 cc, voltou à região em perigo e em apenas três minutos percorreu todo o distrito de Bento Rodrigues, avisando: “barragem rompeu”. Sua atitude espontânea e corajosa salvou a vida de centenas de pessoas.
Passados os três minutos sobre a moto, ainda ajudou a carregar pessoas na fuga, uma delas com dificuldades de locomoção.
Paula Alves não podia ficar uma noite sob o frio, como Peter, o pequeno herói holandês, para conter um dique; aliás, ninguém conseguiria deter a avalanche de rejeitos de mineração que se aproximava. Não teve, como Paul Revere, uma noite inteira para cavalgar, e avisar os colonos que as tropas inimigas se aproximavam.
A heroína brasileira dispunha de apenas três minutos para avisar toda a cidade, e assim o fez, e fez ainda mais, ajudando as pessoas em fuga. Não pensou no risco que corria de ficar ela própria soterrada sob a lama, mas pensou apenas em salvar o seu povo.
E continua pensando, pois em entrevista afirmou que os seus vizinhos, o seu povo, “era como uma família”. E deseja, apenas, que seja reconstruída a Vila de Bento Rodrigues, para que os antigos moradores voltem para ali morar.
Mais não é preciso dizer para mostrar a magnitude da humildade contida nos grandes gestos. A imprensa em geral foi bastante comedida em noticiar sua ação.
Talvez este gesto não venha a ser citado nos livros infantis, como Peter, o pequeno herói holandês, nem seja reconhecido como um símbolo de patriotismo, como o de Paul Revere. Talvez não passe para os livros de história, para que aprendam sobre ela no futuro.
Mas que nos seja permitido aprender com seu gesto desprendido e espontâneo, tantas lições quantas possíveis. Especialmente de que, gestos como esses, deem um significado do que disse o Papa Francisco, ao afirmar que deseja a globalização da solidariedade.
Este é o exemplo dado por Paula Alves, a heroína de Mariana.
Se alguém puder ajudar, segue um link: https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/saiba-como-ajudar-as-vitimas-da-tragedia-em-mariana/
Excelente seu texto, muito reflexivo, idealizamos heróis dos filmes e esquecemos que todo dia existem pessoas fazendo pequenos gestos heróicos