Descrever o campo elétrico criado por um sistema de cargas em um meio material pode não ser uma tarefa fácil, pois a relação entre os campos no vácuo e na presença de um material não é sempre representada pelo campo no vácuo dividida pela constante dielétrica no material. O dielétrico, mesmo que feito de moléculas eletricamente neutras, é formado por cargas elétricas, que sofrem forças devido à presença de uma carga elétrica externa e efetuam pequenos deslocamentos. Isso ocasiona pequenos acúmulos de cargas induzidas na superfície, que passam a criar um campo em todo o espaço. Assim, o campo resultante em todo o espaço é modificado pela presença do material:
\(\vec E=\vec E_{externo}+\vec E_{induzido}\)
Os deslocamentos maiores em relação à posição de equilíbrio são devidos aos elétrons, que são mais leves que os núcleos atômicos. Em materiais dielétricos, o campo elétrico puxa o elétron em uma direção, enquanto ocorre uma reação da força que prende o elétron ao núcleo, tentando manter a estabilidade do sistema. Caso o material seja um condutor, os elétrons estão livres no material. Na verdade, a dinâmica de um elétron no interior de uma molécula é determinada pela Mecânica Quântica, mas podem ser feitas algumas simulações de aspectos desse comportamento através da Mecânica Clássica e o Modelo de Drude. Supondo que o elétron esteja preso ao núcleo por molas de constante elástica k, o elétron está sujeito a três forças ao ser atravessado por uma onda eletromagnética de frequência w:
Força devida ao campo elétrico da onda eletromagnética (para o caso de uma onda plana e monocromática que se propaga na direção y)
\(\vec F_1=-e\vec E(x,y,z,t)=-e\vec E_0cos(wt-ky-\phi)\)
Força que prende o elétron ao núcleo (oposta ao deslocamento; vetor S é a posição do elétron em relação ao núcleo)
\(\vec F_2=-k\vec S\)
Força de “amortecimento” (oposta ao movimento; b é um coeficiente de proporcionalidade)
\(\vec F_3=-b\vec v\)
Esse amortecimento ocorre devido ao fato dos átomos poderem absorver e irradiar uma parte da energia da onda (veja mais no próximo tópico sobre radiação e onda eletromagnética). Assim, a equação do movimento de um elétron no Modelo de Drude é:
\(m\frac{d^2\vec S}{dt^2}=-k\vec S -b\frac{d\vec S}{dt}-eE^*cos(wt-\phi^*)\)
onde E* é a amplitude da onda no ponto y onde está o elétron e \(\phi^*=ky+\phi\). A solução dessa equação, que descreve o movimento do elétron, é:
\(\vec S=\frac{eE^*}{\sqrt{m^2(w^2-w_0^2)+b^2w^2}}cos(wt-\phi^*+\delta)\)onde \(tg\ \delta=\frac{bw}{m(w^2-w_0^2)}\) é a defasagem e \(w_0=\sqrt{k/m}\) é a frequência natural de oscilação na qual o elétron oscilaria se não houvesse F1 e F2.
Para obter a relação entre o campo elétrico e a densidade de corrente, que é proporcional à velocidade dos elétrons, temos que:
\(\vec j=-eN\frac{d\vec S}{dt}\)
onde N é o número de elétrons por unidade de volume. Desenvolvendo a derivada, obtém-se:
\(\vec j=g(w)\vec E-(\varepsilon(w)-\varepsilon_0)\frac{d\vec E}{dt}\)
onde
\(g(w)=\frac{Ne^2bw^2}{m^2(w^2-w_0^2)+b^2w^2}\)
\(\varepsilon(w)=\frac{\varepsilon_0-Ne^2m(w^2-w_0^2)}{m^2(w^2-w_0^2)+b^2w^2}\)
No caso de um condutor:
\(g(w)=\frac{Ne^2b}{m^2w^2+b^2}\)
\(\varepsilon(w)=\varepsilon_0-\frac{Ne^2m}{m^2w^2+b^2}\)
Para um estudo do amortecimento, deve-se obter uma expressão que envolva somente o campo elétrico. A partir de (3.2) e considerando-se uma onda plana que se propaga em y, obtém-se
\(\frac{\partial^2\vec E}{\partial y^2}-\mu_0\varepsilon(w)\frac{\partial^2\vec E}{\partial t^2}=\mu_0g(w)\frac{\partial\vec E}{\partial t}\)
Para g(w) não nulo, que é o termo proporcional ao amortecimento, tem-se que
\(\vec E=\vec E_0e^{-\beta y}cos(ky-wt+\phi)\)
Para obter os parâmetros beta e k, substitui-se o valor do campo elétrico na equação anterior. Para que essa nova equação seja válida para qualquer valor de y e t, os coeficientes do seno e co-seno devem se anular, resultando em:
\(\beta=\frac{\mu_0g(w)w}{2k}\)
\(k=\sqrt{\mu_0}w\sqrt{\frac{e(w)}{2}+\frac{1}{2}\sqrt{\varepsilon^2(w)+\frac{g^2(w)}{w^2}}}\)
As deduções detalhadas podem ser vistas em Bechara et al, 2002. O termo beta caracteriza o amortecimento e k caracteriza a propagação da onda, sendo o efeito dominante determinado pelo maior termo. Através da seguinte relação:
\(k^2-\beta^2=\mu_0\varepsilon(w)\)
observa-se que \(\varepsilon(w)\) apresenta valores positivos para k > beta, que corresponde à propagação da onda, e os valores negativos relacionam-se à atenuação. Caso \(\varepsilon(w)\) se anule, temos:
\(w=w_P=\sqrt{\frac{e^2N}{m\varepsilon_0}-\frac{b^2}{m^2}}\)
onde \(w_P\) é a chamada frequência de plasma. Se a frequência da onda for menor que a frequência de plasma, o amortecimento predomina. Caso a frequência seja maior, a onda se propaga. Porém, quando a frequência é muito alta, a onda não se propaga em um condutor (a ionosfera, por exemplo). Isso ocorre pois a força devido ao campo que puxa o elétron muda muitas vezes de direção em pouco tempo e, devido à inércia, o elétron não consegue acompanhar as “solicitações” do campo e quase não oscila. Assim, não recebe energia da onda eletromagnética e a mesma não se propaga no interior do condutor.
Assim, o amortecimento em condutores se dá por dissipação de energia por efeito Joule, enquanto que nos dielétricos se dá devido à absorção e reemissão da energia da onda. As características ópticas das substâncias dielétricas, como cor e opacidade/transparência, são definidas pela relação entre a frequência da onda incidente e a frequência natural de oscilação dos átomos das substâncias. Por exemplo, caso as ondas sejam pouco amortecidas em seu interior, a substância será transparente. Cristais de neve e gotículas de nuvem, que parecem brancos, na verdade são transparentes, pois o branco surge da reflexão incoerente da luz.
Quanto à interação da radiação com a matéria, essa pode se dar através de partículas. Conforme o modelo de átomo de Niels Bohr, os elétrons que circundam o núcleo atômico devem permanecer em órbitas que têm níveis de energia quantizados (ou seja, discretos, não-contínuos). Quando ocorre um salto de um elétron entre as órbitas, a diferença de energia é emitida (ou absorvida) por uma quantidade definida pela diferença entre os níveis de energia. Essa diferença de energia corresponde a uma quantidade elementar de energia eletromagnética, o quantum de luz, ou fóton. O fóton é caracterizado por uma determinada frequência, sendo a energia dada pelo produto da frequência com a constante de Planck h = 6,626.10-34J.s.
Caso o fóton incidente no átomo seja absorvido pelo átomo e reemitido com a mesma frequência, pode-se comparar a um caso de espalhamento elástico, onde o fóton é espalhado sem perda de energia. O processo é denominado de espalhamento Rayleigh (vide figura a seguir, item a) e ocorre nos casos em que o comprimento de onda da radiação incidente é muito maior que o tamanho do átomo, e nesse caso pode ser tratado por uma teoria clássica de espalhamento.
Se o fóton for reemitido a uma frequência diferente, isso corresponde uma diferença de energia, utilizada para excitar o átomo. A situação pode ser comparada a um espalhamento inelástico. A medida da variação de frequência identifica os níveis de energia de um determinado átomo espalhador, sendo esse procedimento utilizado na confecção de espectros moleculares e identificação dos átomos espalhadores. O processo é denominado como espalhamento Raman (vide figura a seguir, item b).
Se a energia do fóton incidente coincide com a diferença de energia entre o estado fundamental do átomo e o primeiro estado excitado, ocorre a absorção ressonante (vide figura anterior, item c). Caso seja emitida uma sequência de fótons com diferentes frequências, diz-se que ocorreu o fenômeno da fluorescência (5.1d). Caso a energia seja suficiente para arrancar um elétron, o processo é chamado de efeito fotoelétrico (processo de ionização, figura anterior, item e), e o fóton incidente perde totalmente a energia. Para valores maiores de energia surge o efeito Compton (figura anterior, item f), onde o fóton não perde completamente sua energia e sofre espalhamento. Para energias ainda maiores (1,02 MeV ou mais), pode ocorrer a produção de pares: os fótons tem energia suficiente para chegar bem perto do núcleo e é transformado em um par elétron-pósitron.
Retomando, o espalhamento Rayleigh ocorre quando a radiação interage com moléculas com diâmetro muito menor que o comprimento de onda da radiação. É inversamente proporcional à quarta potência do comprimento de onda, ocorrendo na atmosfera promovido basicamente por moléculas de nitrogênio e oxigênio. O espalhamento Mie1 envolve as soluções analíticas das equações de Maxwell descrevendo o espalhamento da radiação eletromagnética por partículas esféricas. Ocorre quando o diâmetro das partículas é próximo ao comprimento de onda da radiação incidente, ocorrendo na atmosfera principalmente com gotas de nuvens e partículas de aerossóis. Quanto maior a partícula espalhadora, menor é a dependência das propriedades ópticas com o comprimento de onda.
A propagação de luz em um meio homogêneo, sua reflexão e transmissão (refração) ao encontrar um meio homogêneo diferente podem ser explicados através da óptica geométrica. Essa descrição se mostra adequada quando o comprimento de onda da radiação é muito pequeno se comparado com as dimensões do meio onde se propaga (meios extensos), e muito grande em relação às estruturas atômico moleculares do meio.
As condições de contorno que as equações de Maxwell impõem aos campos elétrico e magnético em uma superfície que separa dois meios são:
\(E_{1//}=E_{2//}\)
\(\frac{B_{1//}}{\mu_1}=\frac{B_{2//}}{\mu_2}\)
\(\varepsilon_1E_{1\perp}-\varepsilon_2E_{2\perp}=\sigma_{cargas\ livres}\)
\(B_{1\perp}=B_{2\perp}\)
Substituindo as equações correspondentes aos campos elétrico e magnético nas situações de contorno (detalhes em Bechara et al, 2002), podem ser obtidas a fração da energia incidente que é transmitida no material (T) e a fração que é refletida (R). Veja mais sobre O que é radiação e onda eletromagnética clicando no link.
Notas
1 Gustav Adolf Feodor Wilhelm Ludwig Mie (1869-1957): físico alemão.
Bibliografia
- BECHARA, M. J., DUARTE, J. L. M., ROBILOTTA, M. R., VASCONCELOS, S. S., Física 4 – notas de aula, São Paulo, 2002.
- LIMA, Carlos R. A., Notas de aula de estrutura da matéria. Junho de 2005, ICE – UFJF. Juiz de Fora, 2005.
- TRASFERETTI, Benedito Cláudio; DAVANZO, Celso Ulysses. Introdução às técnicas de reflexão especular e reflexão-absorção no infravermelho: (1) reflexão especular. Quím. Nova , São Paulo, v. 24, n. 1, 2001 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422001000100016&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 08/07/08.
- MACHADO, Kleber Daum, Teoria do Eletromagnetismo, volumes I e III, Ponta Grossa, Ed. UEPG, 2006
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