Isopreno na formação de nuvens na Amazônia

Pesquisadores descobriram que o isopreno, um composto volátil emitido por árvores da Amazônia para lidar com o estresse térmico, tem um papel fundamental na formação de nuvens. Durante o dia, esse gás se degrada rapidamente, mas à noite, sob certas condições, pode permanecer na atmosfera por mais tempo, subir para altitudes elevadas e desencadear reações químicas que favorecem a formação de aerossóis. Essas partículas atuam como núcleos de condensação de nuvens, impactando a quantidade e a distribuição da cobertura de nuvens, um fator crucial para o clima global.

Os estudos mostraram que o isopreno reage com outros compostos na troposfera, aumentando significativamente a produção de aerossóis e núcleos de condensação, o que impulsiona a formação de nuvens sobre a Amazônia e outras regiões, incluindo o oceano Atlântico. Essas partículas podem ser transportadas por correntes atmosféricas, influenciando o balanço térmico e os padrões de precipitação em diversas partes do mundo. A descoberta explica a alta concentração de aerossóis na alta troposfera da Amazônia, um fenômeno observado desde os anos 2000, mas até então sem explicação clara.

Figura esquemática ilustrando a participação do isopreno no processo de formação de nuvens. Fonte: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP
Figura esquemática ilustrando a participação do isopreno no processo de formação de nuvens. Fonte: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Os dados que embasaram essas conclusões foram obtidos por meio de sobrevoos com o avião Halo, do Centro Aeroespacial Alemão, como parte do projeto Cafe-Brazil. Entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, pesquisadores realizaram 136 horas de voo sobre a Amazônia, coletando amostras atmosféricas e analisando as interações químicas do isopreno sem a influência da luz solar. A descoberta reforça a importância de compreender os processos de formação das nuvens para melhorar os modelos climáticos e prever com mais precisão mudanças no clima global.

CLOUD experiment

O segundo estudo foi realizado na câmara Cloud do Cern, na Suíça, um cilindro de aço inoxidável que simula processos atmosféricos em ambiente controlado. A meteorologista brasileira Gabriela Unfer explica que a câmara foi abastecida com dados meteorológicos e químicos dos voos do programa Cafe-Brazil para reproduzir as condições da atmosfera amazônica. Dessa forma, os pesquisadores conseguiram simular em laboratório a formação de aerossóis de alta altitude desencadeada pelo isopreno emitido pelas plantas.

O experimento CLOUD, realizado no CERN, utiliza uma câmara de aço inoxidável de 3 metros de altura para simular processos atmosféricos sob condições controladas. O objetivo principal é entender como os aerossóis se formam na atmosfera e influenciam a formação de nuvens, especialmente em um contexto pré-industrial. Para isso, a câmara é abastecida com ar ultralimpo e gases como ozônio e vapor d’água, permitindo recriar um ambiente atmosférico realista. A exposição a luz ultravioleta, simulando a radiação solar, inicia reações químicas que são monitoradas por instrumentos avançados, como espectrômetros de massa, para analisar a formação de partículas aerossóis e sua influência na formação de nuvens.

Além disso, o CLOUD investiga o papel dos raios cósmicos na variabilidade climática. Utilizando um feixe de partículas do acelerador do CERN, os pesquisadores ajustam a intensidade da radiação cósmica para avaliar seu impacto na nucleação de aerossóis e na formação de nuvens. Para simular a ascensão de massas de ar na atmosfera, a pressão dentro da câmara é reduzida de maneira controlada, criando condições para o surgimento de nuvens líquidas ou de gelo, que podem ser mantidas por cerca de 10 minutos. O experimento busca determinar com precisão se os raios cósmicos influenciam significativamente o clima, ajudando a aprimorar modelos climáticos e entender melhor as interações entre a química atmosférica e o sistema climático terrestre.

Conclusão

Os estudos revelam que os aerossóis formados entre 8 e 15 km de altitude na Amazônia têm origem nos compostos emitidos pelas árvores, destacando o papel do isopreno nesse processo. Esse gás volátil, liberado como mecanismo de defesa contra o calor, desaparece rapidamente na baixa atmosfera devido à ação da luz solar e reações químicas. No entanto, durante a noite, o isopreno que persiste é transportado para a alta troposfera por tempestades, onde, sob temperaturas inferiores a -30 ºC, interage com óxidos de nitrogênio e forma grandes quantidades de partículas de aerossóis. Esses aerossóis podem viajar a velocidades de até 150 km/h, dispersando-se para regiões distantes, onde descem para formar núcleos de condensação de nuvens entre 1 e 2 km acima da superfície.

Pesquisadores acreditam que esse mecanismo também ocorra em outras florestas tropicais, como as do Congo e do Sudeste Asiático, já que o isopreno é o principal composto volátil emitido por plantas, com 600 milhões de toneladas lançadas anualmente na atmosfera. A floresta amazônica sozinha é responsável por mais de um quarto dessas emissões. O próximo passo dos estudos é compreender melhor como os aerossóis crescem, se transportam e se tornam efetivos na formação de nuvens. Ainda há incertezas sobre quantas dessas partículas conseguem sobreviver até atingir altitudes mais baixas e influenciar o clima tropical, tornando o isopreno um elo fundamental na complexa dinâmica atmosférica global.

Fontes

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