Pesquisadores descobriram que o isopreno, um composto volátil emitido por árvores da Amazônia para lidar com o estresse térmico, tem um papel fundamental na formação de nuvens. Durante o dia, esse gás se degrada rapidamente, mas à noite, sob certas condições, pode permanecer na atmosfera por mais tempo, subir para altitudes elevadas e desencadear reações químicas que favorecem a formação de aerossóis. Essas partículas atuam como núcleos de condensação de nuvens, impactando a quantidade e a distribuição da cobertura de nuvens, um fator crucial para o clima global.
Os estudos mostraram que o isopreno reage com outros compostos na troposfera, aumentando significativamente a produção de aerossóis e núcleos de condensação, o que impulsiona a formação de nuvens sobre a Amazônia e outras regiões, incluindo o oceano Atlântico. Essas partículas podem ser transportadas por correntes atmosféricas, influenciando o balanço térmico e os padrões de precipitação em diversas partes do mundo. A descoberta explica a alta concentração de aerossóis na alta troposfera da Amazônia, um fenômeno observado desde os anos 2000, mas até então sem explicação clara.
Os dados que embasaram essas conclusões foram obtidos por meio de sobrevoos com o avião Halo, do Centro Aeroespacial Alemão, como parte do projeto Cafe-Brazil. Entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, pesquisadores realizaram 136 horas de voo sobre a Amazônia, coletando amostras atmosféricas e analisando as interações químicas do isopreno sem a influência da luz solar. A descoberta reforça a importância de compreender os processos de formação das nuvens para melhorar os modelos climáticos e prever com mais precisão mudanças no clima global.
CLOUD experiment
O segundo estudo foi realizado na câmara Cloud do Cern, na Suíça, um cilindro de aço inoxidável que simula processos atmosféricos em ambiente controlado. A meteorologista brasileira Gabriela Unfer explica que a câmara foi abastecida com dados meteorológicos e químicos dos voos do programa Cafe-Brazil para reproduzir as condições da atmosfera amazônica. Dessa forma, os pesquisadores conseguiram simular em laboratório a formação de aerossóis de alta altitude desencadeada pelo isopreno emitido pelas plantas.
O experimento CLOUD, realizado no CERN, utiliza uma câmara de aço inoxidável de 3 metros de altura para simular processos atmosféricos sob condições controladas. O objetivo principal é entender como os aerossóis se formam na atmosfera e influenciam a formação de nuvens, especialmente em um contexto pré-industrial. Para isso, a câmara é abastecida com ar ultralimpo e gases como ozônio e vapor d’água, permitindo recriar um ambiente atmosférico realista. A exposição a luz ultravioleta, simulando a radiação solar, inicia reações químicas que são monitoradas por instrumentos avançados, como espectrômetros de massa, para analisar a formação de partículas aerossóis e sua influência na formação de nuvens.
Além disso, o CLOUD investiga o papel dos raios cósmicos na variabilidade climática. Utilizando um feixe de partículas do acelerador do CERN, os pesquisadores ajustam a intensidade da radiação cósmica para avaliar seu impacto na nucleação de aerossóis e na formação de nuvens. Para simular a ascensão de massas de ar na atmosfera, a pressão dentro da câmara é reduzida de maneira controlada, criando condições para o surgimento de nuvens líquidas ou de gelo, que podem ser mantidas por cerca de 10 minutos. O experimento busca determinar com precisão se os raios cósmicos influenciam significativamente o clima, ajudando a aprimorar modelos climáticos e entender melhor as interações entre a química atmosférica e o sistema climático terrestre.
Conclusão
Os estudos revelam que os aerossóis formados entre 8 e 15 km de altitude na Amazônia têm origem nos compostos emitidos pelas árvores, destacando o papel do isopreno nesse processo. Esse gás volátil, liberado como mecanismo de defesa contra o calor, desaparece rapidamente na baixa atmosfera devido à ação da luz solar e reações químicas. No entanto, durante a noite, o isopreno que persiste é transportado para a alta troposfera por tempestades, onde, sob temperaturas inferiores a -30 ºC, interage com óxidos de nitrogênio e forma grandes quantidades de partículas de aerossóis. Esses aerossóis podem viajar a velocidades de até 150 km/h, dispersando-se para regiões distantes, onde descem para formar núcleos de condensação de nuvens entre 1 e 2 km acima da superfície.
Pesquisadores acreditam que esse mecanismo também ocorra em outras florestas tropicais, como as do Congo e do Sudeste Asiático, já que o isopreno é o principal composto volátil emitido por plantas, com 600 milhões de toneladas lançadas anualmente na atmosfera. A floresta amazônica sozinha é responsável por mais de um quarto dessas emissões. O próximo passo dos estudos é compreender melhor como os aerossóis crescem, se transportam e se tornam efetivos na formação de nuvens. Ainda há incertezas sobre quantas dessas partículas conseguem sobreviver até atingir altitudes mais baixas e influenciar o clima tropical, tornando o isopreno um elo fundamental na complexa dinâmica atmosférica global.
Fontes
- Pesquisa Fapesp – Gás da floresta amazônica acelera formação de nuvens
- CURTIUS, J. et al. Isoprene nitrates drive new particle formation in Amazon’s upper troposphere. Nature. 4 dez. 2024.
- SHEN, J. et al. New particle formation from isoprene under upper-tropospheric conditions. Nature. 4 dez. 2024.
- CERN – CLOUD experiment