Por Paulo Roberto Roggério
Isaac Asimov nasceu na Rússia e estudou na Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos. Foi professor da Universidade de Boston e autor de vasta produção literária, tanto em ciência quanto em ficção. Pode ser considerado um dos pais da ficção científica, especialmente por sua obra mais conhecida: I, robot (Eu, robô), publicada em primeira edição em 1950.
A história se desenvolve em um tempo futuro, o atual século XXI. O festejado escritor inicia sua obra com as igualmente imaginárias e famosas As três leis da robótica, descritas no livro como inscritas no “Manual de Robótica, 56ª edição, 2058 A.D.”.
Refletindo sobre a obra por uma perspectiva dos tempos atuais, voltando os olhos para quando foi publicada ou quando foi lida pela primeira vez, a constatação é de que as primeiras ações se passam nos tempos que estamos vivendo. Sim, porque o texto em consideração se extrai de sua 56ª edição, em 2058, de modo que a primeira edição teria sido em 2003.
Estas são as leis com que o autor inicia o livro:
“AS TRÊS LEIS DA ROBÓTICA”
1 Um robô não pode ferir um ser humano, ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2. Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
3. Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Leis.
(Manual de Robótica, 56ª edição, 2058 A.D.)
(texto em português extraído de http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/, acesso em 25.03.2016).
A história conta como os robôs, até então obedientes, se revoltam e dominam os humanos, violando as três leis fundamentais. Controlam tudo: o mundo é governado por um “Coordenador Mundial”, e apenas quatro máquinas decidem sobre tudo, desde a produção até o consumo.
Detendo neste ponto a descrição da suma do livro, para que a obra de Asimov possa ser relida, ou lida pela primeira vez e, assim, se constatar tantas outras similitudes com fatos atuais, o certo é que o autor descreveu uma forma de “inteligência artificial”.
Stephen Hawking, um dos expoentes da ciência, afirmou, em entrevista no final de 2014: “O desenvolvimento da inteligência artificial poderia significar o fim da raça humana”.
E, há apenas dois dias, a empresa Microsoft precisou suspender um projeto de inteligência artificial: a robô Tay, programada para aprender a se “comunicar” através de interações com utilizadores no “Twitter” ®, em apenas um dia de atividades tornou-se “racista”.
Segundo notícia publicada no Diário de Notícias, de Lisboa, em 25 de março de 2016:
“Tay foi apresentada no Twitter esta semana, mas na sexta a experiência já estava a ser interrompida. Tay tinha aprendido a dizer coisas racistas e ofensivas”.
“A Tay, como se lê no site oficial do projeto, tinha como objetivo ´fazer experiências e investigar a compreensão conversacional`, para que a Tay aprendesse com as conversas e ficasse “mais inteligente”. No entanto, essa aprendizagem seria sempre um reflexo das interações que Tay tivesse”.
A robô aprendeu, em seu único dia de trabalho, a ser racista e ofensiva. Aprendeu com os humanos, com quem “conversava” apenas virtualmente, seus defeitos e tendências mais tenebrosas. Não há informação se aprendeu algo de bom.
Talvez a expressão “inteligência artificial” seja demasiado inadequada para certos programas destinados a máquinas, assim como os primeiros computadores eram chamados de “cérebros eletrônicos” (décadas de 50 e 60, do século XX). Ao menos, os primeiros computadores eram chamados de “cérebros eletrônicos” não porque fossem cérebros, mas porque eram eletrônicos. Já desempenhavam certas funções de armazenamento e tratamento de dados que, feitos por métodos convencionais, levariam muito tempo e trabalho a mais.
Passadas estas poucas décadas de desenvolvimento da informática, desenvolvimento esse exponencial, a bem da verdade, em vez de os “humanos” se convencerem de que a inteligência no sentido estrito é uma prerrogativa do ser humano e dos outros animais, e não de suas criações, chegaram a cogitar de as máquinas aprenderem a “pensar”.
Se, de um lado, é inegável concluir que o aprendizado é um processo de sedimentação, ou acumulação, e, por essa mesma razão, concluir que uma máquina, ao sedimentar ou acumular dados e organizá-los logicamente, poderá “transmitir” as informações acumuladas, assemelhando-se a uma mera fase do conhecimento humano, de outro lado é impossível admitir que uma máquina venha desempenhar qualquer atividade intelectiva própria. Aqui se trata da mesma diferença básica entre ensino e educação.
Etimologicamente, inteligência é uma palavra derivada do latim “intelligentia”, de “intelligere” (conjugação dos conceitos “entre” e “ligar”), o que leva a definir inteligência como sendo a capacidade de ligar fatos, conceitos ou pensamentos e atingir, por meio da atividade do raciocínio, uma conclusão que pode ser um novo fato, um novo conceito ou um novo pensamento.
O modo mais simples de definir “inteligência” é: a capacidade de produzir pensamentos.
O ser humano foi dotado por Deus com as formas mais complexas de raciocínio e pensamento, faculdades que lhes são naturais. Essas faculdades estão presentes nas outras formas de vida, mas não em idêntica forma que nos seres humanos.
O ser humano nasce dotado de inteligência, que será desenvolvida por meio da ligação com os seres humanos mais próximos, e depois com os mais distantes. A criança aprende com seus pais e irmãos, com as crianças próximas, depois na escola, e assim sucessivamente, na atividade profissional e nas atividades sociais, desenvolvendo parte de sua inteligência.
O ensino proporciona ao ser humano informações, organizadas de forma pedagógica, para que, por um processo de sedimentação ou acumulação dos conhecimentos transmitidos, possa desenvolver raciocínios de forma ordenada.
A educação é uma definição mais ampla, pois compreende não apenas o ensino formal, mas também a transmissão de conhecimentos ligados a valores morais: caráter, honestidade, patriotismo, amor, religião, amizade, afeição.
O ser humano tem e desenvolve outra forma de sabedoria: a emoção. Muitos a chamam de “inteligência emocional”, mas as emoções e a sensibilidade próprias dos animais, em especial o ser humano, levam ao desenvolvimento dos padrões mais elevados de inteligência.
Somente o ser humano tem e pode desenvolver e ampliar todas estas formas de inteligência. O ser humano pode ser erudito e culto quando aprendeu, e compreendeu, o que lhe foi dado no ensino formal, nas atividades culturais e na atividade diária de aprender: ler, ver e compreender o que se passa, ao seu redor ou em ambiente mais remoto.
O ser humano também tem sabedoria: aquela inata, que recebeu por vontade de Deus, e aquela que adquiriu no caminho da vida, ao compreender, sobre o início e o fim da vida, tudo aquilo que ocorre entre um e outro evento. Há uma terceira forma, a sapiência, que é o resultado ou a conjugação da erudição, da emoção e da sabedoria, mas parece mais uma dádiva da criação, porque se manifesta como uma forma mais refinada e ampla de sabedoria.
Em sua entrevista, Stephen Hawking não se mostrou preocupado com a chamada inteligência artificial em si mesma, mas quanto à forma em que a tecnologia é empregada para esse objetivo.
O princípio que rege os processos industriais de “inteligência artificial” é a simples acumulação de informações. A forma de “arquivar” estas informações, e de tratá-las estatisticamente, para estabelecer medianas e respostas mais ou menos padronizadas, permitirá que a máquina, “interagindo” com seres humanos por outras máquinas, como as que operam redes sociais, dê a informação que mais vezes “compareceu” em seus registros.
Trata-se, pois, apenas de acumulação de conhecimento passado, mas as máquinas jamais poderão formular uma pergunta genuína, como aquelas que brotam do âmago do ser emocional, ou daquelas que nascem em um lampejo de genialidade.
Assim como a expectativa demasiada com o potencial das máquinas não é questão nova, também a perplexidade com as novidades estão registradas na história.
Grande preocupação reinava na Europa do início do século XIX, por volta de 1820, quando os operários, então submetidos a jornadas diárias de 16 horas de trabalho, viam nas novas máquinas: os teares e a caldeira a vapor, uma ameaça a seus empregos, e imaginavam, para salvar seu trabalho, que deviam impedir o avanço das máquinas, paralisando-as com seus tamancos, ou sabot, de onde vem o termo sabotagem. Estavam certos em parte, porque as máquinas substituíram parte do trabalho, mas, de outro, permitiu que as exaustivas jornadas de trabalho de dezesseis horas diárias, de segunda a sábado, pudessem ser reduzidas, décadas após.
Porém, há um limite para a transferência das vantagens proporcionadas pelas máquinas em benefício do ser humano. Este limite é uma linha muito tênue que se vislumbra nos dias atuais.
As maiores preocupações sobre essas máquinas pretensamente agindo em “inteligência artificial” é que elas afastam o homem do convívio com seus semelhantes, com seus próximos, e com Deus. A outra é a extrema semelhança do conceito da “inteligência artificial” com a procura da pedra filosofal que ocupou os filósofos de alguns séculos atrás, como se as “máquinas”, ou a “inteligência artificial”, tivessem as qualidades alquímicas da pedra filosofal.
Sobre a inteligência, devemos agradecer a Deus por termos recebido, cada um de nós, a fração que nos cabe, e retribuir-lhe, dedicando nossas orações, independentemente da religião que cada um professa. Amar a Deus acima de todas as coisas, e amar o próximo como a si mesmo: eis os lemas e leis maiores.
Quanto às máquinas e à inteligência artificial, é notável a semelhança entre a obra de Isaac Asimov e “a” robô Tay, que se tornou racista em apenas um dia de contato com os “humanos”: os robôs de Asimov e a Tay só apreenderam com as falhas dos homens: os primeiros queriam o poder, o comando, mandar no mundo, como os humanos megalomaníacos de todos os tempos, e a robô das redes sociais aprendeu apenas o que devia ser retirado do mais recôndito do ser humano e lançado a um abismo profundo, para nunca mais ser recuperado: o racismo, a desumanidade e a falta de amor.
De alguma forma devemos ser gratos a Tay, porque a corrupção que assimilou em seu único dia de trabalho deve nos levar a refletir sobre a infausta experiência de sua breve existência.
Os robôs de Asimov e a Tay não aprenderam inteligência artificial, apenas burrice natural.