Suspenso no Brasil em 2019, o horário de verão seu retorno foi recomendado para o governo federal pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) em 2024. Mas por que ele foi suspenso e agora, poucos anos depois, existem recomendações de que seja implantado novamente?
O horário de verão é uma prática adotada por diversos países que consiste em adiantar os relógios durante os meses mais quentes do ano, geralmente na primavera e no verão, com o objetivo de aproveitar melhor a luz natural do dia. Ao ajustar os relógios uma hora à frente, as atividades humanas são deslocadas para períodos com maior incidência de luz solar, o que reduz a necessidade de consumo de energia elétrica para iluminação artificial no início da noite.
História
A ideia do horário de verão foi sugerida pela primeira vez por Benjamin Franklin em 1784, quando percebeu que o sol nascia antes das pessoas se levantarem, durante alguns meses do ano. No entanto, o conceito só foi implementado muitos anos depois. Em 1895, o entomologista neozelandês George Vernon Hudson propôs formalmente o ajuste dos relógios para aproveitar mais horas de sol após o trabalho. Outra figura importante foi o construtor britânico William Willett, que fez uma campanha intensa em 1907 para que o Reino Unido adotasse o horário de verão, mas ele faleceu antes de ver a implementação da sua ideia.
A primeira implementação oficial do horário de verão ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, em 1916, quando a Alemanha e seus aliados adotaram a prática para economizar carvão usado na produção de energia. Outros países, como o Reino Unido e os Estados Unidos (“Daylight Saving Time” como é conhecido por lá), seguiram o exemplo, principalmente em tempos de guerra ou crises energéticas, quando a necessidade de economizar recursos era premente. Na década de 1970, o Horário de Verão tornou-se mais popular, como resposta à crise energética e com fins de sincronizar o horário oficial com países vizinhos.
A implementação do horário de verão varia de acordo com o país e a localização geográfica. Países próximos ao equador, onde a variação entre o dia e a noite ao longo do ano é pequena, geralmente não adotam essa prática. Já em regiões temperadas, onde a duração do dia varia significativamente entre verão e inverno, o horário de verão é mais comum. Nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, o horário de verão é geralmente adotado entre os meses de março/abril e outubro/novembro. No Brasil, o horário de verão foi implementado pela primeira vez em 1931, e foi adotado em diversos momentos. Em 2008, um decreto tornou o horário de verão permanente, vigorando do terceiro domingo de outubro até o terceiro domingo de fevereiro do ano seguinte. Foi oficialmente suspenso em 2019.
Existem diferentes efeitos do horário de verão na sociedade, resultantes da hora a mais de luminosidade. Dentre eles, estão alguns positivos como o estímulo às vendas do comércio e dos bares, redução de acidentes em rodovias e maior uso do espaço público no fim da tarde (para prática de exercícios, compras, etc), gerando maior sensação de segurança.
Já entre os pontos negativos, está a adaptação do organismo durante os dias após a adoção e o final do horário de verão, que altera a produção de hormônios como a melatonina e o cortisol, responsáveis respectivamente por dar sono e despertar o corpo. Mesmo o gado bovino é sensível à mudança de horário das fazendas, que pode inclusive afetar a produtividade leiteira. Além disso, Norte e Nordeste não adotam a mudança, já que não faz diferença nessas regiões devido à proximidade delas com o Equador, o que resulta em uma diferença de duas horas nos estados de Roraima, Rondônia e Amazonas em relação a Brasília e três horas no Acre.
Suspensão em 2019
As principais justificativas para a adoção do horário de verão estão ligadas à economia de energia. Ao adiantar o relógio, a ideia é que as pessoas aproveitem melhor a luz do sol no final da tarde, o que reduz o uso de iluminação elétrica. Além disso, há uma percepção de benefícios em termos de aumento de atividades ao ar livre, estímulo ao turismo e até melhora no bem-estar das pessoas, devido ao maior contato com a luz solar.
No entanto, em 2019, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e o Ministério de Minas e Energia (MME) apontaram que, com as mudanças nos padrões de consumo, a economia gerada pela medida não justificava mais sua implementação. Historicamente, a economia com a medida era de cerca de 4% a 5% da demanda no horário de pico. Já em 2019, a economia esperada com o horário de verão seria da ordem de 0,5% a 0,7%.
Veja a justificativa do MME:
“O que levou à mudança na metodologia foi a verificação da alteração do perfil da curva de carga de energia elétrica ocorrida nos últimos anos. Esta alteração levou à investigação de suas causas que foram encontradas na evolução tecnológica da iluminação residencial e pública e na mudança nas posses e hábitos do consumidor brasileiro, as quais levaram a uma maior participação de equipamentos de climatização de ambiente no consumo de energia aferido.
Desta forma, as metodologias de avaliação de impacto da aplicação da política pública do Horário de Verão consideraram também a temperatura como variável explicativa.
O deslocamento da demanda máxima diária para o período diurno fez com que o efeito do Horário de Verão resultasse neutro para a redução de demanda na ponta, fato que anteriormente tinha grande importância na viabilização desta política pelo setor elétrico. Há evidente redução de demanda à noite, dada a não coincidência entre o acionamento da iluminação pública com a intensificação do uso de energia elétrica residencial. Não obstante, no período de aplicação do Horário de Verão, o pico noturno de demanda passou a ser, em geral, o terceiro maior em dias úteis e o pico verificado no período da tarde era mais significativo.”
Indicação de volta em 2024
Já em 2024, o cenário de geração de energia mudou, com o aumento do uso da energia solar. A estratégia é encarada pelo governo como uma forma de deslocar o pico de consumo para um horário com mais geração solar. No início da noite, a geração de energia solar cai por causa da falta de sol. À noite, a geração eólica sobe porque há maior incidência de ventos à noite e em determinadas épocas do ano. Com as medidas para poupar os reservatórios das usinas hidrelétricas, por causa da seca, é necessário acionar mais termelétricas para atender ao pico de consumo.
No gráfico acima, carga refere-se à quantidade de energia elétrica demandada por dispositivos, equipamentos ou sistemas conectados à rede elétrica em um determinado momento. A escala “PU da média diária” normaliza a carga elétrica em relação a um valor de referência, o que permite ver o comportamento relativo da carga ao longo do dia.
O gráfico indica que o pico de carga líquida às 18h é resultado de um intervalo entre a queda da geração solar, que ocorre às 17h, e o pico da geração eólica, que se dá após as 21h. Com a adoção do horário de verão, esse pico seria deslocado para as 19h, um ciclo natural (o que poderia ser chamado como “carga de ponta meteorológica”) que não está diretamente relacionado aos hábitos de consumo.
Entretanto, é importante considerar que a carga bruta do Sistema Interligado Nacional (SIN) não é constante ao longo do dia. Apesar do pico principal ocorrer às 15h, mascarado pela geração solar distribuída, existe também um segundo pico às 19h, este sim relacionado ao comportamento de consumo da população, chamado de “carga de ponta noturna”. Com o horário de verão, esse pico noturno seria deslocado para as 20h, o que, à primeira vista, apenas mudaria o horário de maior demanda.
Contudo, conforme mostrado em uma Nota Técnica publicada por Ciocchi em 2021, a adoção do horário de verão provoca uma dispersão desse pico noturno ao longo de um período maior, à medida que as pessoas ajustam seus horários de uso de aparelhos como chuveiros e iluminação. Isso acaba por atenuar o pico de demanda. Este pico noturno é o principal desafio atual do SIN, levando à contratação de termelétricas para operar em poucas horas, encarecendo o custo da energia.
Em nenhum momento o comitê apontou para risco energético nesse período. Segundo o ONS, o horário de verão pode reduzir a demanda máxima por energia elétrica em até 2,9%. Isso corresponde a R$ 400 milhões ao longo da duração (2,5 gigawatts de energia todo dia no horário de pico de consumo). Isso porque o ONS acionaria menos usinas termelétricas, que são caras e mais poluentes, para atender à demanda.
A intenção é que, se adotada, a mudança nos relógios aconteceria ainda em 2024, depois das eleições, mas o tempo de duração ainda não foi determinado. No entanto, uma decisão assim não deverá será tomada com um prazo curto de preparação. Diversas entidades do setor aéreo manifestaram que o prazo mínimo para esse retorno deve ser com 180 dias de antecedência. O presidente-executivo da companhia aérea Azul, John Rodgerson, disse recentemente que seriam necessários apenas 45 dias para adaptar as operações. Entre os problemas apontados pelas empresas aéreas quanto à mudança de horário, se destacam o risco da perda do embarque pelos clientes (por apresentação tardia ou eventual perda de conexão), alteração de horários em aeroportos e empresas internacionais, além de alterações na escala de tripulantes.
Fontes
- Ministério de Minas e Energia – Horário de Verão
- ONS – Avaliação da aplicação do Horário de Verão em 2021 – Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul
- g1 – Comitê do governo recomenda volta do horário de verão
- g1 – Os prós e contras do horário de verão, que pode voltar sob Lula
- g1 – Governo calcula economia de R$ 400 milhões caso retome o horário de verão; entenda a conta
- Infomoney – Volta horário de verão entra no radar, mas é improvável no curto prazo
- UOL Todos a bordo – Volta repentina do horário de verão pode atrapalhar voos