A Gurgel Motores S/A foi uma fabricante brasileira de automóveis desenvolvidos pelo engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel e que tinha a proposta de produzir veículos 100% nacionais. Até hoje em dia, as montadoras devem obedecer a uma porcentagem de componentes nacionais para considerar o carro como nacional – o motor, uma das partes mais importantes e de maior desenvolvimento tecnológico, geralmente é importado. O desenvolvimento do automóvel é feito todo fora do Brasil, sendo que somente alguns ajustes são feitos por aqui: o foco é montar o carro.
A Gurgel começou em 1969, na Avenida do Cursino nº 2499, em São Paulo. Atualmente, o terreno não tem um uso bem definido, mas quase em frente continua a existir a Yamauto peças e serviços, que chegou a firmar uma parceria com a Gurgel na parte de peças e assistência técnica. Em 1975, mudou sua sede para Rio Claro, mas depois o endereço foi convertido para o CICA – Condomínio Industrial Cidade Azul.
Gurgel começou fabricando minicarros infantis a partir de motores estacionários dois-tempos. Em setembro de 1969, lançou o Ipanema: um bugue de capota de lona com design moderno e motor Volkswagen. Com isso, percebeu um bom segmento de mercado necessário às mal cuidadas estradas brasileiras, muitas delas de terra: o off-road.
O Brasil tinha restrição à importação de veículos automotores. No mercado, existiam o Toyota Bandeirante (versão brasileira do Land Cruiser com motor diesel Mercedes) e o Jeep Willys (posteriormente Ford). Eles eram equipados com tração 4×4, mas eram muito caros e apresentavam alto custo de manutenção e consumo.
Em 1972, surgiu o Xavante XT. Foi o primeiro carro da fábrica testado pelas Forças Armadas, e serviu de base para o Xavante XTC, um jipe maior e mais quadrado, e o Xavante X-12 (ambos de 1974). As versões mais antigas traziam o estepe sobre o capô, sendo que alguns traziam uma pá retrátil na porta. Já o X-12 vinha com capota alta, bancos em concha com almofadas removíveis, guincho manual frontal (opcional) e maior facilidade de acesso – ganhou versão de teto rígido (TR) em 1976. O X-12 foi a base para o Tocantins, que durou até 1991.
O Xavante já contava com chassi Plasteel, feito de fibra de vidro em mantas laminada, que aliava alta resistência a torção e difícil deformação, sobre um chassi monobloco de tubos de aço de seção quadrada. Além disso, era ideal para regiões litorâneas pois é muito resistente à ação da maresia. Também tinha suspensão desenvolvida por João Gurgel, que usava o sistema de semieixos com retorno limitado por coxins e cintas, além de molas helicoidais. Outra inovação era o Selectraction: alavancas de freio de mão que permitiam frear uma e outra roda motriz separadamente, anulando o efeito diferencial. Caso uma das rodas perdesse tração, era possível transferir toda a força para a outra.
Em 1975 (mesmo ano da inauguração da fábrica em Rio Claro), a Gurgel apresentou o Itaipu E-150, um projeto pioneiro de carro elétrico. Começou como um minicarro urbano de dois lugares e evoluiu para uma caminhonete elétrica de design mais avançado que o da VW Kombi. O Itaipu E-400 furgão chegou a equipar frotas de companhias de eletricidade Brasil afora, mas as baterias de então, com muito peso e pouca capacidade de carga, não permitiam uma autonomia satisfatória.
Lançou a família X-15, em 1979, que usavam o motor 1.6 VW refrigerado a ar. Eram carros grandes e tinham versões abertas, com capota de lona, picapes e peruas tipo furgão. O Exército Brasileiro era seu principal cliente, que comprava principalmente o X12 e o X15 (furgão), e ainda alguns X20. Com mesna motorização e design muito parecido, o G-15 tinha versões monovolume e picape, suportando cerca de 1200 quilos de carga.
No fim de 1981, chegou o XEF: mini sedã urbano de duas portas, com três lugares lado a lado em um só banco largo. Em 1984, foi lançado o Carajás, uma espécie de precursor dos SUVs (sport utility vehicles). Ele foi o único modelo da Gurgel a adotar motor VW 1.8 de refrigeração líquida. Com suspensões independentes nas quatro rodas, motor dianteiro e câmbio e tração traseiros, usava soluções originais, como o tubo de transmissão primária (apelidado de Tork Tube), que levava a força do motor ao conjunto embreagem/câmbio traseiro.
No dia 7 de setembro de 1987, a Gurgel apresentou o Cena (sigla para Carro Econômico Nacional). O nome gerou reclamações da família de Ayrton Senna e, no fim, o nome acabou virando BR-800. Usava projeto mecânico próprio, apesar de ainda usar o motor VW refrigerado a ar composto de dois cilindros opostos. Com potência de 26 ou 32 cv, o carro era econômico e atingia 110 km/h.
Lançado em 1988, foi produzido até 1991. Inicialmente, era vendido com um lote de ações da Gurgel. A propaganda estampava uma foto do engenheiro ao lado de sua criação, com o slogan: “Se Henry Ford o convidasse para ser seu sócio, você não aceitaria?” Cerca de 8 mil clientes aceitaram – e se deram bem, pois em 1989 o BR-800 era vendido com ágio. Ele evoluiu para Supermini, de design mais harmonioso, em 1992.
Antes disso, em 1990, Gurgel havia apresentado o projeto Delta, que incluía o Motomachine, em diversas versões, com portas transparentes, conversível etc. O Motomachine teve algumas unidades fabricadas, mas o projeto Delta incluía uma nova fábrica no Ceará, que nunca saiu do papel.
Gurgel chegou a equipar alguns de seus carros com motores a álcool, mas não apoiava o Pró-Álcool (Programa Nacional do Álcool) devido aos subsídios governamentais dados aos produtores do combustível de cana-de-açúcar e por considerar que as terras agriculturáveis deveriam servir para alimentar pessoas, não automóveis.
A montadora produziu aproximadamente 40 mil veículos genuinamente brasileiros durante seus 27 anos de existência. Exportou para quase todos os países latino-americanos, incluindo Nicarágua, Jamaica e Panamá, e até para a Arábia Saudita. No entanto, acossado pela redução de impostos dos importados (o Lada Laika chegou a ser mais barato que os carros da Gurgel), começou a perder mercado, até mesmo para o renascido Fusca de Itamar Franco. Endividada, pediu concordata em 1993 e decretou falência no ano seguinte.
Em 2004, o registro do nome da empresa (Gurgel Motores) expirou junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial. A marca, incluindo logotipia, foi adquirida por um empresário de Presidente Prudente (SP). A empresa, sem nenhum vínculo com a família de Gurgel, dedica-se hoje à importação de triciclos chineses para carga. Em 2009, João Augusto Conrado do Amaral Gurgel faleceu, aos 83 anos, depois de mais de uma década prostrado pelo mal de Alzheimer.
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