No seriado The Office, em um momento Michael Scott diz que há nuvens no céu e que vai chover, o que é ruim para os negócios. Já Dwight Schrute rebate, dizendo que isso aconteceria somente se fossem Altocumulus, e não Cirrostratus. Mas será que, dessa vez, Dwight estaria errado? Vamos entender melhor o contexto e, mesmo sem mostrarem muito bem as imagens das nuvens do dia, é possível investigar um pouco das condições meteorológicas dessa conversa.
The Office é uma premiada série humorística de televisão. Ela simula um documentário que supostamente recolhe imagens do dia de trabalho de uma empresa e dos seus funcionários. Criada por Ricky Gervais e Stephen Merchant, foi ao ar pela primeira vez no canal britânico BBC Two em julho de 2001, rendendo novas versões em outros países. A versão mais famosa é a dos Estados Unidos, adaptada pelo produtor Greg Daniels e que estreou em março de 2005 – dois anos após o término da versão britânica.
A versão estadunidense retrata o cotidiano dos funcionários do escritório filial da filial da empresa fictícia Dunder Mifflin Paper Company em Scranton, Pensilvânia. O gerente regional Michael Scott (Steve Carell) acha que é o melhor amigo de todos, sentimento esse que não é compartilhado pelos funcionários e acaba gerando situações que de tão desconfortáveis, acabam gerando risos.
Outro dos personagens principais é Dwight Schrute (Rainn Wilson), o assistente do gerente regional. Premiado vendedor, tem personalidade autoritária e profundos conhecimentos de sobrevivência. Sempre está em atrito com o outro vendedor Jim Halpert (John Krasinski) por causa das peças que Jim prega nele – cada vez mais elaboradas. Ele tem uma forte amizade marcada por uma tensão romântica com a recepcionista Pam Beesly (Jenna Fischer).
No episódio S05E13, Michael e Dwight vão disfarçados para buscar informações sobre um concorrente de uma empresa familiar. Quando ainda estão no carro observando o movimento da “Prince Paper”, Dwight faz uma de suas demonstrações de percepção de fenômenos como se fosse um astuto detetive. Michael aparentemente fica intimidado e tenta fazer algo parecido, dizendo “E existem nuvens. Há nuvens no céu, o que significa que vai chover, ruim para os negócios.” No entanto, Dwight o corrige ao falar “seria se fossem todos cumulos e não cirrostratus (…) Lide com as suas nuvens direito”, irritando Michael.
“(Michael) Clouds in the sky. That means it’s gonna rain. Bad for business.
(Dwight) It would if they were altocumulus, not cirrostratus.
(Michael) Whatever. Shut up.
(Dwight) Get your clouds right.”
Meteorologia da cena
Apesar do seriado ter sido filmado em Los Angeles, a história se passa em Scranton. Nessa cena e em outros momentos do episódio, é possível notar que os carros estão bem sujos. Isso porque é comum o nordeste dos EUA ser atingido por tempestades de neve, e quando o carro circula nas ruas, a neve com sujeira do chão é lançada sobre o exterior do carro. Com base nisso e nas roupas dos personagens, podemos presumir que a atmosfera estaria bem fria.
Observando cenas anteriores do mesmo episódio, é possível observar também que existe sol batendo diretamente e formação de sombras dos objetos em superfície. Tanto essa informação quanto a de que a atmosfera esteja fria permitem a formação tanto de nuvens Altocumulus quanto de Cirrostratus. As Cirrostratus, por serem nuvens altas, sempre são formadas de cristais de gelo, enquanto que as Altocumulus podem ser formadas de gotículas líquidas ou cristais de gelo – nesse caso, a fase sólida parece ser bem mais provável.
Na cena em que correm no estacionamento, aparece um trecho de céu azul. Analisando essa região do céu e considerando o clima local, o mais provável é que, se existirem nuvens, elas sejam pontuais e de pouco desenvolvimento nesse cenário. Uma nuvem Cirrostratus geralmente cobre todo o céu visível, mas ela é bem fina. O céu ainda fica azul mas levemente esbranquiçado, sendo que sua presença realmente é denunciada pela formação de um halo ao redor do Sol. Isso acontece porque ela é uma nuvem alta e formada de cristais de gelo.
Um pouco antes do diálogo, ao mostrarem a empresa rival de papel, o céu aparece com algumas nuvens. Apesar de uma área pequena de observação e da iluminação da cena “estourar o branco” nessa parte, é possível especular sobre qual gênero de nuvem está ali.
Observando-se a imagem, aparecem elementos individuais sem desenvolvimento vertical considerável. Por terem uma aparência com contornos bem definidos (sem fibras ou filamentos), podem ser Cumulus, Cirrocumulus, Altocumulus ou Scratocumulus. Não seria Cirrocumulus pois os elementos esse gênero tem um tamanho claramente menor que o da foto. Considerando o céu claro ao redor, também não seria Stratocumulus por não terem mais elementos próximo, sugerindo uma camada horizontal. Também desconsideraria Altocumulus porque as espécies e variedades associadas geralmente contém vários elementos associados e de tamanho médio, enquanto a imagem sugere elementos maiores e em menor quantidade, sem um padrão em comum – Altocumulus flocus tem um “rabicho” bem típico, o que não é observado aqui.
Poderiam ser Cumulus fractus (fragmentos de nuvens do tipo Cumulus)? Considerando que era manhã de inverno em um local de latitude grande (Scranton está a 41°N), o mais provável é que ainda não exista potencial convectivo o suficiente para formar nuvens cumuliformes devido a aquecimento da superfície. Assim, o mais provável é que essas sejam nuvens do tipo Stratus, mas sem formar uma grande camada horizontal, ou seja, seria do gênero Stratus e espécie fractus.
Quanto à ocorrência de chuva, as Altocumulus podem gerar chuva mas dificilmente chegaria até o chão – nesse caso, formariam uma nuvem anexa chamada virga. Isso é uma nuvem média (base entre 2 e 7 km de altura), o que faz o desenvolvimento vertical muito fraco, principalmente na latitude de Scranton, e a chuva teria que percorrer uma distância grande até chegar ao solo.
A Cirrostratus não geram precipitação. No entanto, ela pode estar associada à formação de tempestades severas contendo nuvens Cumulonimbus a centenas de quilômetros de distância. Segundo o ditado popular “arco ao redor do Sol, chuva no pôr do Sol”, o arco seria o halo formado devido à ocorrência da Cirrostratus.
Conclusão
O que acho mais provável é que fosse uma manhã de céu limpo em Scranton com poucas e baixas nuvens Stratus fractus – nada de Altocumulus. Existe uma possibilidade de ter uma Cirrostratus, mas como não foi mostrada a região do céu com o Sol, não é possível confirmar o diagnóstico do Dwight. Em qualquer um dos casos, é pouca nuvem pra ter chuva naquele dia, a não ser que a Cirrostratus estivesse associada a uma instabilidade atmosférica se aproximando.
Fontes
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