Fordlândia

Em 1927, o empresário norte-americano Henry Ford, através de sua empresa Companhia Ford Industrial do Brasil, por concessão do Estado do Pará, adquiriu uma área de 14.568 km² no município de Aveiro (Pará), às margens do Rio Tapajós (a cerca de um dia e meio de viagem de barco de Santarém). Deu o nome de Fordlândia a essa região, criando-a com o objetivo abastecer sua empresa de látex necessário a confecção de pneus para seus automóveis. Veja mais sobre a Ford e a ascensão e queda da Fordlândia.

Fábrica da Ford abandonada e caixa d’água em Fordlândia (Pará). Foto: João Lobato

Ford e a linha de produção

A Ford Motor Company é uma produtora de automóveis estadunidense, uma das maiores do mundo, fundada em 1903 por Henry Ford e sediada em Detroit (Michigan). Em 1913, Henry Ford desenvolveu a primeira linha de montagem móvel, uma revolução na indústria de todos os segmentos e uma das responsáveis pela massificação do consumo devido ao barateamento dos produtos fabricados. O veículo pioneiro produzido segundo o sistema fordista foi o Ford Modelo T, mais conhecido no Brasil como “Ford Bigode”.

Ele seguiu à risca os princípios de padronização e simplificação de Frederick Taylor e desenvolveu outras técnicas avançadas para a época: os carros seguiam por esteiras móveis até os funcionários, responsáveis por montar cada parte do carro (não precisavam saber montar o carro todo), o que tornava mais automático e rápido todo o processo, além de ser necessária quase nenhuma qualificação dos trabalhadores. Como o mesmo número de funcionários podia fazer mais carros em bem menos tempo, esse excedente servia para aumentar os lucros da empresa e os salários dos funcionários.

Ascensão da Fordlândia

A Ford tinha uma estrutura de produção bem verticalizada, pois possuía desde a fábrica de vidros, a plantação de seringueiras, até a siderúrgica – isso barateia custos mas não é muito aplicado atualmente, pois se o segmento entra em crise, ela percorre em efeito cascata todas as empresas do grupo.

Na floresta amazônica que de fato se desenvolveu a atividade da extração da borracha, a partir da seringa ou seringueira (Hevea brasiliensis): Do caule da seringueira é extraído um líquido branco, chamado látex, uma substância praticamente neutra (pH 7,0 a 7,2) que, quando exposta ao ar por um período de 12 a 24 horas, o pH cai para 5,0 e sofre coagulação espontânea, formando o polímero que é a borracha.

Entre 1879 e 1912, a região norte do Brasil havia passado pelo ciclo econômico da borracha. O desenvolvimento tecnológico e a Revolução Industrial, na Europa, foram o estopim que fizeram da borracha natural, até então um produto exclusivo da Amazônia, um produto muito procurado e valorizado, gerando lucros e dividendos a quem quer que se aventurasse neste comércio.

A intenção da Ford no Brasil era a de usar a Fordlândia para abastecer sua empresa de látex necessário a confecção de pneus. Os termos da concessão isentavam a Companhia Ford do pagamento de qualquer taxa de exportação de borracha, látex, pele, couro, petróleo, sementes, madeira ou qualquer outro bem produzido na gleba.

A Ford investiu mais de 30 milhões de dólares entre os anos de 1928 a 1945, chegando a empregar cerca de 6000 operários por mês – o salário era pago quinzenalmente e em dinheiro. Ao todo, foram construídos:

  • seis escolas (quatro em Belterra e duas em Fordlândia);
  • dois hospitais (os melhores da região);
  • estações de captação, tratamento e distribuição de água nas duas cidades;
  • usinas de força;
  • mais de 70 quilômetros de estradas;
  • dois portos fluviais;
  • estação de rádio e telefonia;
  • duas mil casas para trabalhadores;
  • trinta galpões;
  • centros de análise de doenças e autópsias;
  • duas unidades de beneficiamento de látex;
  • vilas de casas para a administração;
  • departamento de pesquisa e análise de solo;
  • plantação de 1.900.000 seringueiras em Fordlândia e 3.200.000 em Belterra.
Igreja e rio Tapajós visto de galpão da Ford (Fordlândia, Pará). Foto: João Lobato

Queda da Fordlândia

A Amazônia já estava perdendo a primazia do monopólio de produção da borracha porque os seringais plantados pelos ingleses na Malásia, no Ceilão e na África tropical, com sementes oriundas da própria Amazônia, passaram a produzir látex com maior eficiência e produtividade. Consequentemente, com custos menores e preço final menor.

Com o passar do tempo, os funcionários começaram a ficar insatisfeitos com regras que, na época, eram muito novas para os trabalhadores, como relógios de ponto, sirenes e regras de comportamento que desmotivavam a permanência no local. Os trabalhadores das plantações recebiam uma alimentação típica norte-americana, como hambúrgueres e espinafre, em vez de arroz, feijão, peixe e farinha.

A terra era infértil e pedregosa e nenhum dos gerentes de Ford tinha experiência em agricultura equatorial. As seringueiras, árvores de onde se extrai o látex, plantadas muito próximas entre si, o oposto das naturalmente muito espaçadas na selva, foram presa fácil para pragas agrícolas. Ford ainda tentou realocar as plantações em Belterra, mais para o norte, onde as condições para a seringueira eram melhores mas, a partir de 1945, novas tecnologias permitiam fabricar pneus a partir de derivados de petróleo, o que tornou o empreendimento um total desastre.

Hotel Zebu (Fordlândia, Pará). Foto: João Lobato

Com o falecimento de Henry Ford, seu neto Henry Ford II assumiu o comando da empresa nos Estados Unidos e decidiu encerrar o projeto de plantação de seringueiras no Brasil. Em 1945, o Governo Federal brasileiro definiu as condições de compra do acervo da Companhia Ford Industrial do Brasil: a Ford foi indenizada em aproximadamente US$ 250.000, e o governo brasileiro assumiu as obrigações trabalhistas dos trabalhadores remanescentes, além de receber as benfeitorias construídas.

Atualmente, quase tudo está virando ruínas, servindo de abrigo a morcegos e outros animais. Nem tudo funciona, mas o que funciona atende as casas da exata maneira como era em 1928 ano da fundação da cidade, já as pessoas que ainda ocupam as casas operárias fazem parte de uma nova geração que chegou no vilarejo muitos anos depois da saida dos americanos e pouco sabem sobre a verdadeira história da vila, a não ser o que lhes foi contado.

São poucos os que tem descendência direta com os fundadores de Fordlândia, que se mudaram para cidades maiores como Santarém, Belém e outros centros urbanos maiores ou já faleceram. Esse é o caso João Lobato, que mudou-se para lá com 20 anos para trabalhar na Ford e viveu lá até os 91 anos. Graças a sua neta, Lara Lobato (que nasceu em Santarém), sua memória permanece viva a partir das fotos e histórias usadas nesse artigo. No documentário aparece a irmã de João, América Lobato.

Abandono também em Detroit

Cinquenta anos após se tornar o centro mundial da indústria automobilística, Detroit se encontra em um impressionante estado de abandono. As indústrias automobilísticas, principais geradoras de renda da cidade, passam a ter grandes concorrentes: os carros importados, principalmente provenientes do Japão. A boa qualidade associada a um menor valor de mercado gerou uma queda nas vendas dos carros da Ford e GM. O êxodo de metade da população tornou várias edificações abandonadas, como teatros, lojas, casas e escolas.

William Livingstone House, Michigan Central Station, United Artists Theater e Caixa d’água vista pela janela da fábrica da Packard Motors (em sentido horário). Fotos: Yves Marchand e Romain Meffre.
William Livingstone House, Michigan Central Station, United Artists Theater e Caixa d’água vista pela janela da fábrica da Packard Motors (em sentido horário). Fotos: Yves Marchand e Romain Meffre.

Fontes

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