“O Vento Solar” é um livro de Arthur C. Clarke publicado em 1972. A história da maioria de seus 18 contos acontece na era espacial, mas contém não deixa de ser uma ficção científica dirigida à análise do homem e da sociedade. O último conto do livro, “Encontro com Medusa”, ganhou o prêmio Nebula de 1973 e possui vários conceitos de Física (e Meteorologia) muito bem abordados.
O cenário de “Encontro com Medusa” parte é na Terra e parte na atmosfera de Júpiter. A história fala de Howard Falcon, o capitão de um experimental e gigantesco dirigível cheio de hidrogênio e hélio. Quando um acidente na Terra faz com que o dirigível deixe de funcionar, o protagonista fica gravemente ferido e leva mais de um ano para se recuperar totalmente.
“O verdadeiro perigo estava na turbulência. Se viesse a encontrá-la, só a habilidade, a experiência e as reações instantâneas o poderiam salvar – e essas eram coisas que ainda não podiam ser programadas num computador”
Mais tarde, Falcon promove uma expedição para explorar a atmosfera de Júpiter. Depois de vários anos e muitos ensaios, é lançada a expedição, com Falcon aos comandos do Kon-Tiki, um balão de hidrogênio quente de 480 metros que desce através da atmosfera superior de Júpiter.
Kon-Tiki foi o nome do barco utilizado pelo explorador norueguês Thor Heyerdahl (1914-2002), em sua expedição pelo Oceano Pacífico, partindo da América do Sul para a Polinésia, em 1947. Ele quis demonstrar a possibilidade de que a colonização da Polinésia tinha sido realizada por via marítima por indígenas (ou nativos) da América do Sul. O nome do barco foi homenagem ao deus do sol inca, Viracocha, o qual era também chamado de “Kon-Tiki” pelos habitantes da Polinésia.
“Com a vinda da escuridão, o Kon-Tiki começou a baixar. O balão, que já não era aquecido pelo fraco calor diurno, ia perdendo uma parte de sua flutuabilidade. Falcon nada fez para aumentar a força ascensional; esperava por isso e estava planejando descer.”
Como a maior parte da atmosfera do planeta é feita de hidrogênio e hélio, não basta o balão estar cheio de hidrogênio para flutuar: ele deve estar a uma densidade menor que a do meio (ou seja, quente) para movimentar-se controladamente na vertical. E justamente pela composição de gases da atmosfera jupiteriana praticamente não possuir oxigênio é que o hidrogênio não se torna um gás inflamável.
“O ruído era bem diferente do que se ouvia ao penetrar na atmosfera da Terra ou de Marte: nessa tênue atmosfera de hidrogênio e hélio, todos os sons eram transpostos para duas oitavas acima. Em Júpiter, até o trovão teria ressonâncias de falsete.”
Com relação a Marte, devido à baixa densidade atmosférica, os sons perdem a intensidade muito rapidamente. Uma simulação em computador da propagação dos sons em Marte rendeu uma notícia no Boletim Physics News Update jocosamente intitulada “Em Marte, você adoraria seus vizinhos”. Já em Júpiter, provavelmente os sons diferentes na atmosfera ocorram por causa da mistura de moléculas, não por causa da densidade.
“O Kon-Tiki ainda se deslocava com rapidez e suavidade na direção oeste, a uma velocidade uniforme de 348 km/h, mas somente o radar dava qualquer indicação desse fato. Reinaria sempre ali aquela calma?, perguntou Falcon a si mesmo. Os cientistas que tinham falado com tanta erudição dos doldrums jupiterianos, pareciam, afinal de contas, ter razão.”
O início de sua navegação em Júpiter contava com grande calmaria, sem ventos fortes ou turbulências. Os doldrums são uma expressão coloquial originada no século XVIII para se referir a partes do Oceano Atlântico do Oceano Pacífico afetadas pela Zona de Convergência Intertropical, uma área de baixa pressão em torno do equador, onde os ventos predominantes são calmos. Os barcos movidos a vela movem-se lentamente nessa região por períodos de dias ou semanas.
“Flocos brancos formavam-se no ar e desciam lentamente, arrastados pelo vento. No entanto, fazia muito calor para nevadas – e, de qualquer modo, àquela altitude havia apenas traços de água. (..) Falcon pôde observar que eram de um branco fosco e opaco, sem nenhuma estrutura cristalina, e bastante grandes – com várias polegadas de largura. Pareciam de cera, e Falcon conjecturou que era precisamente isso o que eles deviam ser: alguma reação química estava ocorrendo na atmosfera circundante, condensando os hidrocarbonetos que flutuavam no ar jupiteriano.”
Nesse parágrafo, é descrita como seria uma chuva em Júpiter. As nuvens, também de hidrocarbonetos provavelmente, flutuavam em algumas regiões e outras não.
“Os cinturões de radiação que circundam Júpiter reduzem à insignificância os fracos cinturões de Van Allen da Terra. Quando uma coluna ascendente de gás provoca neles um curto circuito, o resultado é uma descarga elétrica milhões de vezes mais possante do que qualquer raio na Terra, a qual envia um colossal trovão de rádio através do sistema solar e ainda mais além, rumo às estrelas.”
Descargas atmosféricas emitem sinais de rádio na frequência do VLF (7-15 kHz). Existem até sistemas de monitoramento de quedas de raios que podem localizar um evento desses através de uma rede com alguns sensores. Descobriu-se no livro que formas de vida lá utilizavam sentido radiofônico, desenvolvido durante sua evolução em um ambiente cheio de sinais de rádio.
“Cem quilômetros abaixo, faria tanto calor como na Terra equatorial e a pressão seira mais ou menos a mesma que no fundo dos mares mais rasos. Condições ideais para a vida…”
À medida que a embarcação desce através das várias camadas da nuvem, Falcon descobre que a atmosfera suporta pelo menos duas grandes formas de vida, assim como formas de vida microscópicas e plâncton bioluminescentes, produzindo também fogo de santelmo. Dentre as criaturas, estão uma água-viva gigante (a Medusa do título), com cerca de 1500 metros, e os outros são criaturas que pareciam jamantas com centenas de metros, que aparentemente vivem presas na Medusa.
O Medusa começa a mostrar um interesse no Kon-Tiki, e para sua própria segurança e da expedição, Falcon liga a força de emergência e escapa para a atmosfera superior. Mas o que teria causado esse interesse?
Após seu retorno, é revelado ao leitor que, por causa do acidente dirigível, muito do corpo de Falcon foi substituída por próteses, convertendo-o em um cyborg com o aumento da velocidade e reações, mas deixando-o sentir-se distanciado de outros seres humanos.