Uma menina esperta, um menino saltitante e uma nuvem são os protagonistas de Ella, Oscar e Hoo, uma animação inspirada nos desenhos de Michaël Dudok de Wit é um animador, diretor e ilustrador dos Países Baixos. Eles foram feitos para uma série de livros escritos por Théo de Marcousin (pseudônimo de Christophe Erbes, renomado consultor independente de mídia e animação infantil).
Um dos primeiros trabalhos pessoais de Michael Dudok de Wit foi “Tom Sweep” (1992), piloto de uma série sobre um lixeiro que tenta desesperadamente fazer seu trabalho. Mas nunca ganhou vida por ser muito caro para produzir. Vinte e cinco anos depois, o diretor de “A Tartaruga Vermelha” tem seu nome nos créditos de uma série de TV. São em seus 52 episódios de 11 minutos em sua primeira temporada, com uma segunda já em desenvolvimento.
O programa, produzido pela Normaal Animation da França, traz uma poética inusitada sobre o cotidiano de crianças pequenas: brincadeiras e sonhos, risadas e brigas. Ele conta a história de amizade entre Oscar, um menino travesso; sua vizinha Ella, uma garota astuta; e Hoo, uma pequena nuvem dotada de razão. Hoo não fala, mas expressa seus pontos de vista e humores mudando sua forma e fazendo sons de flauta.
A criação de “Ella, Oscar e Hoo” começou há quase vinte anos. Erbes, então chefe de programação infantil da Premiere (filial alemã do Canal+), havia escrito um livro para crianças usando o pseudônimo de Théo de Marcousin. “Eu tinha visto e amado ‘O monge e o peixe’ [de Dudok de Wit] e queria pedir a ele para ilustrá-lo. Eu o conheci durante uma festa em Londres e conversei com ele sobre isso. Ele não ficou muito entusiasmado com isso, mas antes de sair, disse com um pouco de ironia: ‘Se é melhor que O Pequeno Príncipe, então vamos tentar!’”, disse Erbes ao jornalista Stephane Dreyfus, em matéria para o site Cartoon Brew.
Erbes enviou o texto para a esposa de Dudok de Wit, que o leu para seus filhos, que gostaram. “Fui atraído pela presença do deserto, pela ideia de explorar sua atmosfera”, disse Dudok de Wit ao Cartoon Brew. Quando se encontraram novamente, Dudok de Wit mostrou ao autor um desenho em preto e branco que ele havia feito de Oscar voando por uma duna de areia. Eles acabaram colaborando nos livros, publicados pela HarperCollins Children’s Books na Grã-Bretanha – Oscar And Hoo (2002) e Oscar And Hoo Forever (2004) – que venderam 200.000 cópias.
Logo depois, Didier Brunner, produtor francês de indicados ao Oscar como Ernest & Celestine, The Triplets of Belleville e The Secret of Kells, comprou os direitos dos livros e queria que Dudok de Wit dirigisse um longa adaptado deles. Mas Dudok de Wit, vencedor do Oscar por Pai e Filha (2000), queria fazer seu próprio projeto de longa-metragem. Brunner então sugeriu transformá-lo em uma série. “Mas ficou claro para mim que não queria dirigir uma série”, diz Dudok de Wit, que aceitou ser consultor do projeto.
Em 2006, a eOne substituiu Brunner e lançou o desenvolvimento do projeto. Um pequeno teaser animado foi feito em Angoulême, na França, e exibido no Cartoon Forum em 2011. Mas foi um começo falso. “Não era o design certo”, diz Dudok de Wit. Erbes e Dudok de Wit continuaram desenvolvendo o projeto e tiveram a ideia de uma terceira personagem, Ella.
Erbes, que havia retomado os direitos da propriedade, falou sobre seu projeto com Alexis Lavillat, fundador da Normaal, com quem estava trabalhando na adaptação de Peanuts , que resultou em 500 curtas de um minuto. “Lavillat achava que Oscar e Hoo eram personagens semelhantes aos de Charles Shulz”, diz Erbes. Acrescenta Dudok de Wit, “Quando eles me mostraram sua série Peanuts, eu estava convencido de que eles seriam tão fiéis ao meu design quanto ao de Schulz.”
Finalmente o projeto estava no caminho certo. O orçamento de 6 milhões de euros foi financiado pelo Canal+, Pôle Image Magelis (centro de desenvolvimento econômico de Angoulême), Creative Europe MEDIA (o fundo da União Europeia para conteúdo criativo) e pré-compras pelos canais SVT e YLE.
O principal desafio foi então adaptar o estilo de Dudok de Wit para um público muito jovem. Emmanuel Linderer, diretor da série, pediu a David Coquard-Dassault para ser o diretor de arte do projeto. Linderer já havia sido o diretor de animação do premiado curta de 2015 de Coquard-Dassault, “Peripheria”. Diz Linderer: “Fizemos novos designs e configurações para adaptá-lo a um público jovem. Queríamos ampliar a paleta de cores, pois as ilustrações do livro eram em tons de ocre.”
Dudok de Wit ficou satisfeito com o novo visual que lhe mostraram. “Admiro a Peripheria de Coquard-Dassault e fiquei feliz por ele estar a bordo”, diz ele. “Eles conseguiram ser fiéis à linha de contorno que desenhei nos livros.”
“Para ficar próximo dos desenhos originais, optamos por ampliar o tamanho do campo com planos amplos”, acrescenta Linderer. “Como a série trata de crianças aprendendo sobre seu mundo, queríamos dar espaço aos personagens e ver o ambiente através de seus olhos. Certa vez perguntaram ao famoso ilustrador francês Jean-Jacques Sempé por que ele desenhava personagens tão pequenos. ‘Eles não são pequenos; é o mundo que é enorme!’”
Ella, Oscar & Hoo é uma mistura de animação 3D para os personagens e 2D para os cenários. “Foi a primeira vez que o estúdio Normaal usou 3D, então tivemos que mudar o pipeline e adotar o software gratuito Blender”, diz Linderer. “Já tinha trabalhado com isso na Peripheria. Não é comumente usado, então você deve gerenciar as coisas por conta própria sempre que houver um problema. Mas nos permitiu ser mais livres em nossas escolhas de movimentos de câmera, como vistas panorâmicas dos personagens no jardim.”
Para escrever os roteiros, Normaal contratou um grupo de sete escritores. Para a equipe de roteiristas, Erbes contou uma anedota de um encontro que ele e Dudok de Wit tiveram com Hayao Miyazaki no Japão, quando foram lá promover a publicação de Oscar & Hoo no Japão: “Miyazaki disse que cada um de seus filmes foi feito para uma pessoa que ele conhece: sua esposa, sua filha, sua mãe. Michael respondeu que fazia quase a mesma coisa: cada um de seus filmes havia sido feito para uma emoção, como a saudade em ‘Pai e Filha’. Cada episódio de Ella, Oscar & Hoo também é baseado em um sentimento, porque acredito que a infância é o paraíso perdido das emoções.”
Como em Peanuts, os adultos não estão longe, mas não os vemos, porque estamos no coração da infância. “O final de cada episódio é como um haicai animado que desenvolve o tema do episódio. Queríamos abrir caminho para a imaginação e os sonhos”, diz Erbes.
Logo no primeiro episódio, Oscar conhece a nuvenzinha Hoo! Mas será que a amizade dos dois vai ser selada de primeira? Procurar dinossauros, explorar bosques secretos e até ajudar o Papai Noel são exemplos das divertidas aventuras que esses personagens vão viver. Além de entreter os pequenos, a atração ensina sobre a possibilidade de um aprendizado em conjunto e valoriza a importância de sentimentos como coragem, honestidade e a amizade desde a infância.
A série já ganhou prêmios como melhor roteiro em animação no Shanghai TV Festival e o prêmio do júri no Bucheon International Animation Festival da Coreia. Também foi indicado três vezes (melhor direção, storyboard e animação de personagens) no European Animation Awards, que acontece amanhã em Lille (França). As avaliações são muito boas no Canadá (British Columbia’s Knowledge), na França (Piwi+), na Finlândia (emissora pública YLE) e na Suécia (SVT). A animação estreou dublada em português no canal Gloobinho de televisão por assinatura do Grupo Globo em 10 de outubro de 2022. Caso compreenda bem os idiomas francês ou alemão, existem vários episódios completos no canal do Youtube Ella, Oscar & Hoo.
Fontes