O dia que virou noite em São Paulo

Entre as 15h e 17h do dia 19 de agosto de 2019, a cidade de São Paulo passou por um período de redução da luz solar natural, gerando o acendimento da iluminação de rua e obrigando motoristas a acenderem os faróis. Fazendo lembrar os eclipses solares, a escuridão intrigou as pessoas, fazendo com que os meteorologistas começassem a levantar hipóteses que explicassem o fenômeno.

Marginal Pinheiros às 15h. Fonte: Twitter

De acordo com alguns informes meteorológicos (METAR) do aeroporto de Congonhas (SBSP), a altura da base das nuvens chegou a 400 pés (BKN004) em alguns momentos e direções, o que corresponde a 180 metros aproximadamente:

METAR SBSP 191800Z 16007KT 2000 -RA VCTS BKN004 BKN006 FEW030CB BKN100 15/13 Q1022=
METAR SBSP 191900Z 16009KT 5000 -TSRA BKN005 SCT007 FEW030CB BKN100 15/13 Q1022=
METAR COR SBSP 192000Z 17007KT 9999 BKN006 BKN009 FEW035TCU BKN100 14/13 Q1022 RETS=
SPECI SBSP 192045Z 16010KT 9999 TS BKN005 SCT007 FEW033CB BKN100 14/13 Q1023=

Além disso, foram observadas tempestades com raios (TSRA e RETS) e céu completamente coberto em várias direções durante todo o período.

Principais causas

A redução da iluminação natural aconteceu por causa da formação de nuvens espessas, que atenuaram fortemente a passagem da luz solar direta. Mas o que causou a formação de tanta nebulosidade? De modo geral, um fenômeno costuma ter mais de uma causa, cada uma com um peso diferente.

No verão, é comum acontecer momentos de escuridão gerado por nuvens de intenso crescimento vertical, conhecidas como Cumulonimbus. Essas nuvens são responsáveis por tempestades severas, com muita chuva, raios e até granizo. Essas nuvens são formadas devido à convergência de ar em superfície, forçando o ar úmido a subir, que então é resfriado e forma as nuvens. Quanto maior essa forçante do levantamento de ar, maior fica a nuvem.

Além do verão, a chegada de frentes frias promove o levantamento de parcelas do ar na superfície. A massa de ar frio que chega em uma região quente força o ar úmido a subir, promovendo o desenvolvimento vertical das nuvens.

Desde a noite de 18 de agosto, uma frente fria estava passando pelo estado de São Paulo. A atmosfera local já estava bem instável, com a temperatura máxima indo de 29,3°C para 14°C em 24 horas. Isso favoreceu à formação de nuvens. Por ser um fenômeno de grande escala, é normal que as nuvens espessas cubram uma grande área e por algumas horas. Foram formadas nuvens Nimbostratus que evoluíram para Cumulonimbus. Por fim, ocorreram tempestades localizadas em diferentes regiões.

O vento muda de intensidade e direção conforme a altitude. Nas alturas de 2 e de 5 km, os ventos sopravam da Bolívia, Paraguai e centro-oeste do Brasil para São Paulo, enquanto que ventos acima de 10 km vinham da região amazônica. Já os ventos em superfície sopravam de sul. Ou seja, os ventos em níveis superiores traziam a fumaça do interior do continente e, em superfície, ventos de sul traziam umidade devido à frente fria.

Fumaça

Os meses de agosto e setembro estão no final da estação seca da região amazônica, quando é comum acontecer um aumento no número de queimadas – seja para “limpeza” de terreno para agricultura, desmatamento ou mesmo de origem natural. Agosto é um dos meses mais secos da Amazônia, sendo o período mais utilizado para queimadas – veja mais sobre o Dia do Fogo na matéria do link, com queimadas propositais e de larga escala utilizadas até como protesto.

O número de focos de queimadas cresceu 70% este ano (até o dia 18 de agosto) na comparação com o mesmo período de 2018. Ao todo, o Brasil registrou 66,9 mil pontos, segundo a medição do Programa Queimadas do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Com relação ao desmatamento, dados do Sistema Deter (do INPE) indicam que julho de 2019 teve 2.254 km² de conversão de mata nativa em outro tipo de cobertura de solo – alta de 278% em relação a julho do ano passado. De agosto de 2018 a julho de 2019, o Deter apontou 6.833 km² desmatados, contra 4.572 km² no ano passado (agosto de 2017 a julho de 2018) – a taxa oficial da destruição será dada no fim do ano pelo sistema Prodes (do INPE).

Nas regiões relativamente próximas aos focos de incêndio, a visibilidade é prejudicada (afetando operações em aeroportos e rodovias) e a baixa qualidade do ar leva muitas pessoas aos hospitais. A fuligem também causa muitos inconvenientes ao se depositar sobre a superfície, mesmo em regiões distantes das queimadas.

A fumaça gerada por essa queima sobe alguns quilômetros de altura na atmosfera e pode ser transportada por ventos de oeste-noroeste acima dos 2 km de altitude atingindo o Centro Oeste, o Sudeste e o Sul do Brasil, e países vizinhos como Argentina, Uruguai, Peru e Bolívia. Essa pluma de poluentes pode ser vista do espaço, conforme a imagem a seguir:

Imagem de satélite da NASA do dia 19/08/2019. Fonte: UOL

Além da Amazônia, a formação de uma área de baixa pressão e a intensificação de queimadas entre a Bolívia e o Paraguai fez com que parte da fumaça dos incêndios fosse transportada para Mato Grosso do Sul e São Paulo.

Nesse link da Universidade do Colorado (RAMMB/CIRA), é possível ver uma animação de alta resolução com as imagens da pluma de fumaça (região acinzentada) atingindo boa parte da América do Sul. Experimente dar zoom em algumas regiões, onde é possível ver os focos de incêndio.

Quanto mais a pluma segue seu caminho, mais dispersa ela fica. Então, ao atingir o estado de São Paulo, a fumaça não consegue bloquear o Sol com uma intensidade perceptível a olho nu.

No entanto, as partículas mais finas (de tamanho entre 2,5 e 10 micrômetros) que compõem a pluma de fumaça podem ajudar a formar mais nuvens. Isso acontece porque a nuvem é formada por muitas gotículas, cada uma formada pela condensação do vapor d’água em estado líquido sobre uma partícula sólida. Essa partícula, ao formar uma gotícula de nuvem, atua como núcleo de condensação. Até um certo limite, quanto mais partículas, maior a fração de cobertura de nuvens no céu e mais espessa a nuvem.

Chuva turva e qualidade do ar

Análises feitas com uma amostra da água turva colhida na Zona Leste da capital pela bióloga Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano (USCS), revelaram uma quantidade de sulfetos 10 vezes maior que a média normalmente observada em águas pluviais. “Essas substâncias normalmente estão relacionadas com a queima de biomassa e de combustíveis fósseis. Também chamou a atenção a grande quantidade de material particulado que ficou presa no filtro e a turbidez sete vezes maior que o normal”, disse.

Pesquisadores do Instituto de Química da USP, coordenados pela professora Pérola de Castro Vasconcellos, identificaram na água da chuva a presença de reteno, substância proveniente da queima de biomassa e considerada um marcador de queimadas. Como a pluma de poluição estava a mais de 3 mil metros da superfície, não chegou a comprometer a qualidade do ar na capital paulista. Monitores da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) indicaram boas condições na última semana, cujas medidas são realizadas próximas à superfície.

Conclusão

A fumaça vinda de queimadas da Amazônia e Pantanal pode ajudar no aumento da formação de nuvens sobre São Paulo, mas os principais fenômenos atuantes na escuridão ocorrida em 19 de agosto são a frente fria e a instabilidade atmosférica, que promoveram o adensamento de nuvens na vertical e bloqueio de boa parte da luz vinda do Sol.

Por fim, outras coisas ajudaram o céu a ficar um pouco mais escuro, conforme apontado pelo Meteorópole: no inverno, o Sol está mais baixo que no verão, ainda mais na segunda metade do período da tarde; São Paulo é muito cinzenta, com poucos espaços abertos, e o vidro de muitos edifícios comerciais atenuam bastante a luminosidade, aprofundando a escuridão.

Fontes

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