Ciclogênese é o desenvolvimento ou fortalecimento de uma circulação ciclônica na atmosfera. Seu entendimento envolve o estudo de conceitos importantes de sinótica, como sistemas de baixa/alta pressão, ciclones/anticiclones, sistemas frontais, advecção de temperatura e de vorticidade e levantamento/subsidência de ar na atmosfera.
Veja mais sobre ventos (associados a ciclones) e sistemas frontais nos respectivos links. Retomando alguns conceitos de frentes, segue o corte vertical de uma frente fria, considerando que o sistema esteja avançando da esquerda (ar mais frio) para a direita. A maior nebulosidade é encontrada atrás da frente em superfície e ainda dentro da região de ar quente (a chuva pode cair do lado frio inclusive).
A temperatura aumenta até chegar a frente fria, e então começa a cair. Só depois que passa o centro de alta pressão é que deixa de ter advecção fria (vento de S/SE no hemisfério sul) e passa a ter advecção quente (vento de N/NW). A frente fria se move porque ocorre advecção fria atrás e advecção quente na frente.
O valor da advecção depende da superfície formada entre as linhas de espessura (proporcionais à temperatura média da camada) e as isóbaras (linhas de pressão). Quanto menor é essa superfície (ou seja, quanto mais próximas estiverem as “isolinhas”), maior é o vento (devido ao maior gradiente de pressão) e maior o contraste de temperatura. Desse modo, uma superfície onde as isóbaras são paralelas às isotermas não tem vento.
Onde tem maior gradiente de espessura, tem vento térmico intenso, portanto vento forte em altos níveis. Vento térmico é um conceito prático para calcular a variação do vento entre dois níveis relativos à estrutura térmica da massa de ar, causando cisalhamento vertical do vento real. O jato (núcleo com ventos mais intensos na figura) está abaixo da tropopausa na massa de ar quente, porém sobre a região mais fria. Note que existe um ambiente baroclínico, com uma defasagem entre a onda de pressão e a de temperatura além de vento variando com a altura, e por isso que existe advecção.
Equação das Tendências
Uma possibilidade relativamente simples de investigar os principais processos físicos responsáveis pelo desenvolvimento de um ciclone é usar a equação de tendência. Nela, a variação da altura geopotencial (Z) no nível de 1000 hPa no tempo é dada em função da altura geopotencial em 500 hPa e da espessura da camada entre 1000 e 500 hPa, conforme segue:
\(\frac{\partial Z_{1000}}{\partial t}=\frac{\partial Z_{500}}{\partial t}-\frac{\partial E}{\partial t}\)
A altura geopotencial representa a altitude acima do nível do mar em que está um determinado nível de pressão. Assim, se seu valor referente ao nível de pressão de 1000 hPa (próximo da superfície) diminui ao longo do tempo em uma região, isso aponta para uma ciclogênese (não necessariamente fechada). Caso contrário, seria uma anticiclogênese.
Durante uma queda da altura geopotencial em 1000 hPa, considerando a espessura constante, esse nível fica mais para baixo e a altura geopotencial em 500 hPa diminui. Isso pode ser chamada de ciclogênese dinâmica. Para cair Z em 500, precisa de advecção de vorticidade negativa, o que pode acontecer com a passagem de um cavado, por exemplo, o que também acaba gerando queda de pressão em superfície.
Também durante uma queda da altura geopotencial em 1000 hPa, mas considerando a espessura variando no tempo, sem intervenção do campo de 500 hPa. Ou seja, a espessura deve aumentar e isso está relacionado ao aumento de temperatura da camada. Esse processo é conhecido como ciclogênese térmica. A variação de espessura está relacionada à advecção horizontal de temperatura, processos adiabáticos e diabáticos.
A advecção horizontal de temperatura faz a baixa se deslocar para sudeste. Quando o geopotencial aumenta na traseira da frente fria (onde tem advecção de ar frio) e diminui na parte com advecção de ar quente, a baixa no centro vai se movimentar na direção da região com advecção de ar quente (para sudeste). Assim, a baixa de superfície segue uma linha entre os centros de máxima advecção de temperatura.
Com relação ao processo adiabático, se o ar desce uma montanha, essa subsidência tem efeito ciclogenético. Isso porque o ar aquece adiabaticamente, aumenta a espessura e baixa o potencial em superfície, gerando uma baixa. Durante um levantamento (w negativo), Z aumenta e tem um efeito anticiclogenético, freando a evolução da própria baixa em algum momento.
Teoria do desenvolvimento de Sutcliffe-Pettersen
Note que os desdobramentos em cima da equação das tendências mostra que não só a queda de geopotencial garante a formação de um ciclone. Precisa que a pressão caia mais no centro do que na periferia, e a ferramenta matemática que mensura isso é o laplaciano da pressão (valor negativo indica máximo no centro).
Partindo-se da definição de vento térmico com relação à superfície e a um nível de não-divergência (NND), pode-se obter uma expressão para a variação da vorticidade ao longo do tempo em todos os termos. Abrindo os termos de vorticidade em função dos respectivos gradientes e rotacionais do vento e aplicando o laplaciano, assim como incluindo os termos abordados na equação das tendências, temos a seguinte equação:
\(\frac{\partial \xi_0}{\partial t}=-V_h \cdot \nabla\xi_a|_{NND}-\frac{1}{f}\nabla^2(-V_h\cdot\nabla E)-\frac{1}{f}R_d ln\left ( \frac{P_{1000}}{P_{500}} \right )\nabla^2[\omega(\Gamma_d-\Gamma)]-\frac{1}{f}R_d ln\left ( \frac{P_{1000}}{P_{500}} \right )\nabla^2\left [ \frac{1}{C_p}\frac{dQ}{dt} \right ]\)
Quando aumenta vorticidade ciclônica com o tempo, a baixa fechada está se formando. O NND fica aproximadamente em 600 hPa mas é comum usar 500 hPa, portanto a advecção de vorticidade em 500 é um dos mecanismos que gera variações da vorticidade em superfície.
À dianteira do cavado, existe um ponto de máxima advecção de vorticidade, onde vai cair mais a pressão e favorecer a ciclogênese. O ciclone vai para o máximo de advecção quente (cruzamento das isóbaras com as linhas de espessura, onde a superfície é menor) e onde existe a tendência de formar uma baixa – o máximo de esfriamento tende a formar uma alta. Assim, a advecção de temperatura é importante para deslocamento do sistema e advecção de vorticidade atua para o ciclone se intensificar.
Onde tem máxima subsidência, também tem formação ciclônica (vide termo vertical/estabilidade). O ciclone com ar mais instável no centro poderia se intensificar apesar de ter movimento vertical (levantamento leva a resfriamento e “freio” no ciclone), mas a chuva na periferia pode gerar aquecimento nessa parte do ciclone. No furacão, coincide a área de levantamento com a área de liberação de calor latente (tudo fica bem simétrico verticalmente).
Desenvolvimento do ciclone em quatro estágios
O esquema a seguir mostra quatro estágios de desenvolvimento de um ciclone. As linhas mais grossas são o geopotencial em 500 hPa; as setinhas são o campo de pressão em superfície; as linhas tracejadas são a espessura (entre 500 e 1000 hPa). O ciclone imerso em gradiente de temperatura é um ciclone frontal, sendo possível identificar os ramos frio e quente da onda frontal.
Estágio 1 (baixa jovem) – baixa em superfície no ponto de inflexão da onda em 500. O campo de espessura mostra uma certa defasagem com o campo de pressão. A baixa é um mínimo de pressão e um máximo de temperatura com uma certa crista em volta. Baixa está bem baroclínica, já que tem um certo gradiente de espessura com um vento térmico e um cruzamento das isóbaras com as linhas de espessura, ou seja, tem advecção de temperatura. O jato passa ao sul da baixa. Pela advecção de vorticidade, a baixa tende a se intensificar. Na parte dianteira, tem um ponto de advecção quente e na parte traseira, a máxima advecção fria. Então além de se intensificar, a baixa tende a ir mais para sudeste. Núcleo (baixa em superfície) quente.
Estágio 2 (baixa madura) – baixa mais intensa (estava no ponto de advecção de vorticidade ciclônica) e está mais para SE. Na região de advecção quente, a espessura vai aumentar, e isso significa que o “teto” vai subir e a base vai descer. Ou seja, está formando uma baixa em superfície e uma alta em altitude, que vão se intensificar. Na parte traseira, a pressão em superfície tende a aumentar, mas a pressão nos altos níveis tende a cair – espessura diminui no topo e na base. Então a crista vai ficar mais pronunciada, porque aqueceu a camada, e o cavado por trás também vai ficar mais pronunciado porque esfriou por trás. Assim, o campo de espessura vai ficar mais modificado também, com a onda se intensificando. Aumenta gradientes e vento horizontal. Aumenta convecção de temperatura não só porque aumentou o vento mas também porque aqueceu em um ponto e esfriou em outro. Nesse estágio que a baixa se aprofunda mais rapidamente e o movimento vertical começa a funcionar. Núcleo (baixa em superfície) ainda quente.
Estágio 3 (baixa oclusa) – campo de espessura se intensifica e o de 500 também – esfriando atrás a ponto de fechar uma baixa em 500 – e o movimento vertical no centro começa a ficar mais importante. A baixa em superfície já está oclusa. O núcleo frio fica mais próximo da baixa em 500. Nesse momento, a baixa em superfície, a baixa em 500 e o núcleo frio começam a ficar mais próximos, e o movimento vertical começa a intensificar a misturar. Esse núcleo (baixa em superfície) mais frio, por conta do movimento vertical, tende a se deslocar para SE também, já que o ponto onde vai mais estar esfriando é no centro em superfície (levantamento). E essa intensificação do cavado, que também é por conta do esfriamento, também vai acontecer a mesma coisa. No final, tudo está frio, concêntrico e circular. O jato cruza ao norte da baixa.
Estágio 4 (dissipação) – não vai mais se movimentar porque não tem advecção de temperatura; levantamento em seu interior vai ser suficiente para esfriar seu centro e dissipar a baixa. Como as baixas e o núcleo frio estão concêntricos, não há advecção de vorticidade, então não vai aumentar por conta disso; ela se deslocaria pela advecção de temperatura, só que ela é zero também. O movimento vertical no centro faz a baixa morrer. No estágio final da ciclogênese, o núcleo frio quase fica em cima da baixa.
Para mais detalhes das equações, visite o post Fluidos geofísicos e Meteorologia.
Fontes
- Notas de aula de Meteorologia Sinótica (INPE MET-347-3) – Marcelo Seluchi (CEMADEN)
- IAG/USP – Teoria Quase-Geostrófica
- Master – Ciclones e ciclogêneses
- Cyclogenesis – Jim Steenburgh (University of Utah)
- Palmen, E. and Newton, C.W. (1969) Atmospheric Circulation Systems. Academic Press, New York, 471-522.