por Maria Auxiliadora Roggério
Nas variadas esferas da vida, como nas relações sociais, profissionais, na busca de identidade pessoal, nos relacionamentos amorosos entre outras, os conflitos são inevitáveis, pois são inerentes à condição humana. Quando se atinge um momento culminante, surge uma crise e nos vemos forçados a escolher entre deixar que a situação se deteriore pouco a pouco até que acabe ou realizar alguma modificação importante que permita crescimento, satisfação com a vida em geral, apesar de que esse processo de transformação geralmente é muito doloroso.
Nos relacionamentos amorosos, particularmente nos casamentos, as expectativas quanto aos papéis que cada parceiro assumirá, ainda hoje reproduzem cenas de esposas donas de casa e maridos provedores, exceto em casos de necessidade financeira em que a mulher precise trabalhar para ajudar na composição da renda familiar, ou nas uniões em que ambos os parceiros trabalham e têm projetos pessoais e em comum, com respeito de suas individualidades.
(Nada contra a mulheres que preferem trabalhar em casa, cuidando da administração do lar, do marido e dos filhos; nem contra a maridos que preferem arcar com essa condição. Ou vice-versa.)
Quais as motivações que levam as pessoas à escolha do parceiro para casamento?
Além da percepção consciente de determinados aspectos considerados bons, o que atrai e impulsiona os parceiros a se casarem são razões fundamentadas a nível inconsciente como, por exemplo, uma escolha baseada na complementaridade, de modo que a personalidade de um se encaixe a do outro (popularmente, os opostos se atraem; as metades da laranja…).
Também a nível inconsciente, ambos os parceiros podem trazer para o casamento seus antigos conflitos pessoais para que, de algum modo, o parceiro ajude no processo de elaboração.
A escolha do parceiro, bem como as atitudes e o comportamento em relação a ele e o que mantém o casamento, são influenciados pelos modelos internalizados de relacionamento vivenciados consciente e inconscientemente em suas famílias de origem, durante as etapas de desenvolvimento de suas personalidades.
A proximidade e a intensidade do relacionamento a dois provoca um “retorno” de experiências vividas durante a infância e a adolescência e traz a ansiedade que, num nível muito alto, interfere na interação dos cônjuges e na construção de suas novas identidades. Por exemplo, um relacionamento com a mãe que tenha sido vivenciado como frustrante, insatisfatório, pode levar o parceiro a exigir total independência em seu casamento; ou, com receio de repetir a experiência destrutiva que teve com a mãe, procura manter-se distante, torna-se frio emocionalmente com medo de apegar-se e passa a controlar a si mesmo e ao cônjuge, com atitudes rígidas.
(Veja mais em “Dependência emocional nos relacionamentos entre casais” em “Carência afetiva, dependência emocional”)
Um casamento predominantemente tranquilo, estável, feliz está ligado a atitudes de afeto, de respeito, de apoio mútuo e na capacidade de gerenciar e solucionar conflitos. Há uma relação de confiança, de cuidado, na qual a intimidade é compartilhada, as preocupações e dificuldades são reveladas na tentativa de resolução.
Muitos são os desafios que se apresentam em cada fase da vida, sobretudo na vida em casal, em que se modificam ou se abandonam certas atitudes forjadas em estágios anteriores do desenvolvimento. O ingresso na vida de casal deixa para trás a vida de solteiro e, com isso, novos compromissos serão formados.
Ocorre que nem todos se preparam para deixar a solteirice. As baladas, noitadas, etc. que eram vistas como liberdade para fazer o que quisessem sem necessidade da permissão de outros, agora precisam ser – de certo modo – negociadas com um parceiro, em prol do relacionamento conjugal. E essas negociações nem sempre acontecem placidamente, afinal, desejos individuais às vezes se contrapõem ao casamento.
É importante ressaltar que crises podem ocorrer em qualquer momento da relação conjugal. Já no primeiro ano de casamento, o fato de morar juntos implica numa maior percepção do outro. Perceber como o outro realmente é, seus hábitos e preferências, algumas manias, somados a divisão de tarefas no lar, as contas a pagar, a rotina que começa a se estabelecer, a tentativa em conciliar projetos pessoais e do casal… podem decepcionar um pouco.
Nessa fase de adaptação, a paixão arrefece e a realidade pode desencadear o início de uma crise. Muito comum ouvir de parceiros nessa fase: “se soubesse que ela (ele) era assim, não teria me casado”. Passadas as surpresas, as inseguranças normais dessa etapa começam a diminuir, dando lugar a um clima de confiança e companheirismo.
Também muito comum um esfriamento no romance por volta do terceiro ou quarto ano do casamento. O casal prefere dormir e determina dias “certos” para transar, deixando de lado a sedução e provocando desgaste da relação, pela monotonia.
Outras alterações psicológicas e comportamentais que geram crises nos primeiros anos de casamento podem ser observadas com a chegada dos filhos e toda a responsabilidade que acarreta ao casal, ou decisões divergentes quanto a ter ou não filhos.
Mas por que, então, falar especificamente sobre crise dos sete anos, se crises ocorrem em qualquer momento da vida e em qualquer estágio do casamento?
Generalizando, podemos imaginar o primeiro ano do casamento como o período da “percepção” do outro e início de adaptação ao novo status social; depois, uma certa acomodação, mudanças no círculo de amizades, a chegada dos filhos, novas adaptações, as dificuldades em outras áreas da vida e interferências que causam na vida em casal, a paixão do princípio já não está mais tão presente…
Tudo parece que pesa muito e podem sentirem-se infelizes e estressados com o aumento de responsabilidades financeiras, com compromissos familiares e sociais, o que leva a um empobrecimento da relação e ao afastamento dos parceiros, inclusive na área sexual. As razões que os levaram a coabitarem parecem se perder no meio do caminho.
Não estar tão apaixonados como antes, não significa que o amor não exista mais, que os projetos em comum deverão ser abandonados, que permanecerem juntos seria um erro. Assim, a chamada crise dos sete anos pode representar um momento de reflexão e de crescimento individual e do casal. Através de diálogos francos, ambos observarão aspectos destrutivos, disfuncionais que enfraquecem o relacionamento, quais projetos precisam ser modificados ou abandonados, como estar mais atentos às necessidades de cada um, como lidar melhor com questões cotidianas. Quando há transparência e sinceridade, conversar sobre o que não está bom, possibilita o fortalecimento e amadurecimento da relação.
E como sempre surgirão crises no casamento, a relação deve ser constantemente cuidada, a atenção deve estar em todos os detalhes para que as crises sejam superadas e as experiências obtidas com as resoluções dos conflitos possam servir para evitar novos desgastes e ajudar na construção de uma relação de confiança, madura e saudável.