Em 2012, foi inaugurado o Centro de Engenharia de Conforto (CEC), localizado no Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP (Poli) como parte do LETE (Laboratory of Environmental and Thermal Engineering). O LETE também possui o CRC (Combustion Research Center), então é possível visualizar motores de avião e outros antes de chegar no espaço do CEC.
O Centro foi construído no âmbito do Projeto Conforto de Cabine aeronáutica, iniciado em 2006, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade Federal de São Carlos (UFScar), com apoio financeiro da Fundação do Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Embraer. É um dos dois únicos laboratórios do mundo com esta capacidade de teste – o outro, construído em 2005, fica no Fraunhofer Institute for Building Physics, e trabalha com um simulador de um Airbus A319. Os resultados dos estudos neles realizados visam melhorar o conforto de novos modelos de aeronaves.
No Centro de Conforto, os participantes dos ensaios aguardam em espaço semelhante ao de uma sala de espera de um terminal aeroportuário o momento de embarcar em uma viagem. Enquanto esperam, já começam a preencher questionários para quantificar seus estados físico e psicológico iniciais. Para “embarcar”, deve descer uma rampa até a entrada do “avião”.
Existem dois mock-ups (modelos em tamanho real) de partes de cabines do E-Jet, jato da família EMBRAER 170/190 para realização de testes. Em um modelo são reproduzidas as condições térmicas. No outro, que está instalado em uma área que reproduz uma sala de embarque, há uma estrutura, com 30 assentos, instalada dentro de uma câmara de pressão, capaz de reproduzir condições muito próximas de um voo real. Até mesmo as persianas abrem e dão vista com uma foto gigante de um céu com nuvens visto de um avião real.
A aeronave tem bagageiros, saída de ar e iluminação individuais, banheiro funcional e até um(a) comissário(a) de bordo, contratado(a) para participar dos voos simulados, que oferece serviço de bordo – nos ensaios que participei, eram formados pelo CEAB e pela EACON. São realizadas as instruções inciais (o “speech”) e existem cartões de segurança (os “safety cards”), adaptados para o mock-up.
O único banheiro disponível no interior fica na frente e tem um vaso sanitário que funciona da seguinte forma: deve-se puxar uma tampa do espaço que separa os dejetos, fazer as necessidades, apertar uma válvula atrás que libera água para lavar o entrono do buraco e depois fecha-se a tampa. De resto, lembra muito o banheiro de um avião comercial comum.
Ensaios
Para iniciar os testes, deve-se fechar a porta de entrada para selar a câmara de pressão onde está construído o mock-up. A despressurização inicial e pressurização final demoram cerca de 5 minutos cada – mais rápido que isso, pode dar fortes desconfortos.
Neste ambiente, é possível determinar como os diferentes parâmetros impactam na percepção de conforto do passageiro durante um voo, dentre eles:
- pressão do ar: varia-se o valor da pressão para simular diferentes altitudes de cabine e diferentes taxas de subida e descida da aeronave
- umidade relativa: controle via condicionamento de ar
- ruído e vibração: são introduzidos diferentes padrões de ruídos e vibrações de variadas frequências e intensidades
- temperatura: controle via condicionamento de ar
- iluminação: alterações na intensidade e cores para verificar a influência nas atividades dos passageiros e na percepção das demais variáveis ambientais
- atividades dos passageiros (ergonomia): verificar influência nas atividades realizadas pelos passageiros com relação à distância entre as poltronas, uso de equipamentos de entretenimento, etc
Os estudos de percepção podem acontecer através de ensaios integrados ou dedicados (uma variável de cada vez, mantendo-se as outras constantes). Os voluntários participam dos ensaios como passageiros, sendo monitorados e analisados através de questionários respondidos por eles mesmos e eventualmente equipamentos para monitorar o corpo.
Em 2012, foram realizados uma série de ensaios (um em cada dia, com intervalo de alguns dias entre um e outro) simulando uma viagem de 2 a 5 horas. Participei do ensaio que gerava diferentes tipos de ruído (com intensidades e frequências variadas) e os voluntários respondiam questionários sobre sua percepção em cada tipo.
O ruído proveniente da turbina é mais difícil de ser mitigado e é de responsabilidade do fabricante do equipamento, mas existem fontes importantes de ruído, como os sistemas ambientais, que têm sido objeto de maior atenção.
No ano de 2016, em parceria com a Boeing, foi realizada outra série de ensaios, dessa vez com “voos” mais longos, com 6 horas de duração. O projeto Modelo de índice de conforto de passageiros tem como objetivo investigar a influência de diversos parâmetros ambientais sobre o conforte de passageiros em cabines de aeronave (como o nível de ruídos e a temperatura do ar-condicionado).
No ensaio que participei, a pressão do ar foi ajustada no equivalente a uma altitude de 5 mil pés (1500 metros) – veja mais sobre aviões e pressão do ar clicando no link -, umidade relativa de 10% e sensação térmica de 27ºC – inicialmente, estava bem mais frio – e ruídos da ordem de 80 dB (decibéis). Em outros ensaios, foram utilizados valores diferentes. Questionários sobre sensibilidade a ruídos e sobre enjoos de movimento deviam ser respondidos logo na sala de ambientação. A todo questionário respondido, media-se saturação de oxigênio e batimento cardíaco.
Dentre um dos principais desafios para aumentar o conforto dos passageiros durante o voo, principalmente em viagens longas, é conseguir aumentar a pressão atmosférica a bordo dos aviões. A pressão interna durante a maior parte do voo corresponde a uma altitude de 2.500 metros. Isso faz com que o ar fique mais rarefeito e aumente a sensação de cansaço no corpo. Os aviões mais modernos da Boeing já conseguiram aumentar essa pressão para uma altitude correspondente a 1.800 metros, graças ao uso de materiais compostos na fabricação dos aviões, que suportam melhor a diferença entre as pressões interna e externa dos aviões.
Outro desafio diz respeito à umidade do ar durante o voo. Existe um conforto maior com valores médios de umidade, mas todos os aviões devem trabalhar com baixa umidade (em torno de 15%). Para valores maiores, o vapor d’água do ar se condensaria próximo à parede metálica da cabine da aeronave, que fica em contato com o ar frio externo, e ficaria aprisionado no material isolante do avião, aumentando seu peso em até 500 quilos, no caso de aviões de grande porte.
Com relação à ergonomia, alguns dos trabalhos derivados desse projeto e outros ensaios estão disponíveis nesses links:
- Entre a vivência do conforto e do desconforto em cabines de aeronaves: uma abordagem baseada na atividade, Flavia Renata Dantas Alves Silva Ciaccia
- Conforto, desconforto e usabilidade no design de interiores de aeronaves: a análise ergonômica da atividade como ferramenta de projeto, Felipe Mujica
Os interessados em participar dos ensaios, que acontecem conforme os projetos de pesquisa forem realizados, podem se cadastrar no banco de voluntários pelo site do projeto (atualização: sem site e sem inscrições por enquanto). Os participantes devem ser maiores de 18 anos e já terem viajado ao menos uma vez de avião, sendo que cada voluntário selecionado participará de apenas 1 ensaio por projeto. De modo geral busca-se um passageiro comum, sem necessariamente possuir conhecimentos técnicos da área. A seleção dos candidatos aprovados para os testes é feita pelos pesquisadores do projeto, de modo a montar um conjunto de passageiros de diferentes idades, sexos e outros parâmetros.
Fontes
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