Como uma torre de celular pode interferir no funcionamento de um aeroporto?

Na virada de agosto para setembro de 2024, voos foram atrasados e até mesmo cancelados no Aeroporto Internacional de SP após problema com sinal do sistema de GPS. No dia 03/09, a gerência da Anatel São Paulo liberou nota afirmando que os fiscais encontraram a fonte de interferência: uma torre de celular. Mas como isso pode ter acontecido?

Torre de celular (não é a que causou o problema). Foto: Dominic Alves
Torre de celular (não é a que causou o problema). Foto: Dominic Alves

Uma torre de celular pode gerar interferência no sinal do sistema de navegação (GPS) do aeroporto devido a várias possíveis causas relacionadas a emissões de radiofrequência que afetam as frequências usadas pelos sistemas de navegação. Dentre elas, estão:

  • Emissões Espúrias – As torres de celular transmitem sinais de radiofrequência para comunicação móvel. Se o equipamento da torre estiver mal calibrado ou defeituoso, pode gerar emissões espúrias (sinais indesejados fora da faixa de operação designada) que invadem as frequências utilizadas pelos sistemas de GPS, que operam em bandas de frequência específicas (1.575,42 MHz para GPS L1 e 1.227,6 MHz para GPS L2). Essas emissões espúrias podem interferir diretamente nos sinais de GPS.
  • Intermodulação – Este fenômeno ocorre quando sinais de diferentes frequências se combinam para criar novos sinais em frequências diferentes, que podem coincidir com as frequências dos sistemas de navegação. A intermodulação pode ocorrer devido a não linearidades nos amplificadores de rádio das torres de celular, gerando frequências adicionais que podem interferir no GPS.
  • Emissão Harmônica – As harmônicas são múltiplos inteiros da frequência fundamental de operação de um transmissor. Se uma torre de celular gera harmônicas significativas, essas podem sobrepor-se às frequências de GPS e outros sistemas de navegação do aeroporto, causando interferências.
  • Sobrecarga de Receptor – Se a torre de celular estiver transmitindo com potência muito alta ou muito próxima dos receptores de GPS, o sinal forte da torre pode saturar os receptores do GPS. Isso não é uma interferência na mesma frequência, mas uma “sobrecarga” que impede o receptor de funcionar corretamente.
  • Problemas de Blanking e Dessensibilização – A presença de um sinal forte de uma torre celular próxima pode causar dessensibilização dos receptores de GPS, um fenômeno onde o receptor perde sensibilidade para sinais legítimos devido à proximidade de uma forte fonte de RF. Isso pode ocorrer mesmo sem uma coincidência direta de frequências, especialmente se a torre estiver fisicamente próxima e a potência de sinal for suficientemente alta.
  • Problemas de Isolamento de Antena – Em alguns casos, o isolamento inadequado das antenas da torre celular pode permitir que sinais de celular entrem diretamente nos sistemas de navegação do aeroporto, especialmente se as antenas de GPS estiverem mal posicionadas ou mal projetadas para rejeitar essas interferências.

Para mitigar tais problemas, é essencial que as torres de celular sejam instaladas e mantidas conforme os padrões de regulação de espectro, com verificações rigorosas para evitar emissões espúrias, harmônicas, ou qualquer interferência fora da faixa. A compatibilidade eletromagnética (EMC) entre diferentes sistemas de rádio é crucial, especialmente em ambientes críticos como aeroportos.

Analisador de espectro

Para detectar os sinais interferentes, os fiscais da Anatel utilizaram um analisador de espectro. Esse equipamento é essencialmente um “scanner” de frequências que permite visualizar o espectro eletromagnético ao redor e identificar qualquer sinal anômalo que possa estar causando interferências. Ele tem a capacidade de visualizar em tempo real a distribuição de sinais em diferentes frequências, além de identificar características como potência, largura de banda e a presença de emissões espúrias. A utilização de um analisador de espectro basicamente envolve as etapas de configuração, varredura, análise e localização da fonte.

Analisador de espectro (não é especificamente o que foi utilizado na operação). Foto: Sterling Mann
Analisador de espectro (não é especificamente o que foi utilizado na operação). Foto: Sterling Mann

1. Configuração do Analisador de Espectro

  • Frequência de Varredura: O analisador é configurado para varrer uma faixa de frequências que pode estar sofrendo interferência. Por exemplo, para interferência em sistemas de navegação por GPS, a faixa de interesse pode ser ao redor de 1.575,42 MHz (L1) ou 1.227,6 MHz (L2).
  • Resolução de Largura de Banda (RBW): Define a precisão da medida da frequência e ajuda a distinguir entre sinais próximos.
  • Span (Amplitude de Varredura): Define a faixa de frequências que será analisada de uma vez.
  • Tempo de Varredura: Determina a rapidez com que o analisador varre a faixa de frequências; tempos de varredura mais longos permitem uma detecção mais precisa.

2. Varredura e Identificação de Sinais

  • Varredura do Espectro: O analisador realiza uma varredura nas frequências configuradas e exibe um gráfico mostrando a potência dos sinais em cada frequência.
  • Identificação de Picos: Sinais interferentes geralmente aparecem como picos no espectro. Esses picos podem ser comparados com frequências conhecidas dos sistemas de navegação para verificar se estão interferindo.

3. Análise dos Sinais Interferentes

  • Medida da Potência: Medir a potência do sinal interferente ajuda a determinar a intensidade da interferência.
  • Identificação de Emissões Espúrias e Harmônicas: Sinais indesejados como espúrios e harmônicos aparecem fora da frequência esperada da fonte de transmissão e são identificados por sua localização e potência relativa.
  • Verificação de Máscaras de Emissão: Comparar o espectro medido com as máscaras de emissão regulamentares pode ajudar a identificar se um sinal está fora das especificações e potencialmente interferente.

4. Localização da Fonte de Interferência

  • Uso de Antenas Direcionais: Para localizar a origem da interferência, antenas direcionais podem ser usadas junto com o analisador de espectro para apontar a direção de onde o sinal está vindo.
  • Movimentação no Terreno: Movendo-se em diferentes locais com o analisador de espectro, é possível triangular a posição da fonte interferente.

Os sinais capturados podem ser comparados com os padrões de frequência das torres de celular, estações de rádio e outros transmissores para identificar qual equipamento está causando a interferência. Uma vez identificado o equipamento ou fonte interferente, ações como ajuste de potência, reparo de equipamentos defeituosos, ou reposicionamento de antenas podem ser tomadas para eliminar a interferência.

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