Cloud Wars: outra frente de rivalidades no Oriente Médio

Com ese título genial que começa a matéria de 28 de agosto de 2022 do The New York Times (Alissa J. Rubin). Pode-se dizer que essas rivalidades tomaram corpo após a seguinte declaração do general Gholam Reza Jalali, um alto funcionário do poderoso Corpo da Guarda Revolucionária do Irã, em um discurso de 2018: “Tanto Israel quanto um outro país estão trabalhando para que as nuvens iranianas não chovam”.

Desde que o mundo é mundo, grupos humanos lutam entre si por recursos naturais. A disputa por água deve se tornar cada vez mais frequente em um mundo de mudanças climáticas, cada vez mais populoso e desigual. Essa é uma das razões das disputas territoriais entre Índia e Paquistão, que já evoluiu para uma guerra fria envolvendo armamentos nucleares. A região disputada (Caxemira) é a fonte de vários rios e afluentes que abastacem os dois países.

Liberando nanomaterial experimental em uma demonstração de semeadura de nuvens nos Emirados. Foto: Bryan Denton
Liberando nanomaterial experimental em uma demonstração de semeadura de nuvens nos Emirados. Foto: Bryan Denton

Uma das técnicas para se obter água doce para uso humano em larga escala é através da semeadura de nuvens. Seu estudo começou em 1947, com cientistas da General Electric trabalhando sob um contrato militar para encontrar uma maneira de descongelar aviões em clima frio e criar neblina para obscurecer os movimentos das tropas. Algumas das técnicas foram usadas mais tarde no Vietnã para prolongar a estação das monções, em um esforço para tornar mais difícil para os norte-vietnamitas abastecerem suas tropas. Veja mais sobre como funciona a semeadura de nuvens no link.

Com relação à declaração do Irã, o “outro país” era os Emirados Árabes Unidos, que ficam do outro lado do Golfo Pérsico. Eles haviam iniciado um ambicioso programa de semeadura de nuvens para tentar forçar a precipitação. Não só o Irã, mas 12 dos 19 países da região apresentam uma média de menos de 250 milímetros de chuva por ano, além de um declínio de 20% nos últimos 30 anos. Seus governos estão desesperados por qualquer aumento de água doce, e a semeadura de nuvens é vista por muitos como uma maneira rápida para enfrentar o problema.

Marrocos e Etiópia têm programas de semeadura de nuvens, assim como o Irã. A Arábia Saudita acaba de iniciar um programa em larga escala, e meia dúzia de outros países do Oriente Médio e Norte da África estão considerando isso. A China tem o programa mais ambicioso do mundo, com o objetivo de estimular a chuva ou impedir o granizo em metade do país. Ele está tentando forçar as nuvens a chover sobre o rio Yangtze, que está secando em alguns pontos.

Já na década de 1990, a família governante dos Emirados Árabes Unidos reconheceu que manter um suprimento abundante de água seria tão importante quanto as enormes reservas de petróleo e gás do país para sustentar seu status de capital financeira e comercial do Golfo Pérsico. Embora houvesse água suficiente para sustentar a população do pequeno país em 1960, quando havia menos de 100 mil pessoas, em 2020 a população aumentou para quase 10 milhões. E a demanda por água também disparou. Atualmente, essa demanda está sendo atendida por usinas de dessalinização. No entanto, cada instalação custa US$ 1 bilhão ou mais para ser construída e requer grandes quantidades de energia para funcionar.

Após 20 anos de pesquisa e experimentação, o centro executa seu programa de semeadura de nuvens com protocolos quase militares. Nove pilotos ficam de prontidão, prontos para voar no céu assim que os meteorologistas, focados nas regiões montanhosas do país, detectarem uma formação meteorológica promissora – idealmente, os tipos de nuvens que podem atingir alturas de até 40 mil pés. “Estamos com disponibilidade 24 horas – moramos a 30 a 40 minutos do aeroporto – e desde a chegada aqui, levamos 25 minutos para voar”, disse o capitão Mark Newman, piloto sul-africano sênior de semeadura de nuvens. No caso de múltiplas nuvens potencialmente carregadas de chuva, o centro enviará mais de uma aeronave.

Uma equipe de terra do Centro Nacional de Meteorologia e Sismologia dos Emirados Árabes Unidos equipando uma aeronave com as chamas higroscópicas que liberam material de semeadura nas nuvens. Foto: Bryan Denton
Uma equipe de terra do Centro Nacional de Meteorologia e Sismologia dos Emirados Árabes Unidos equipando uma aeronave com as chamas higroscópicas que liberam material de semeadura nas nuvens. Foto: Bryan Denton

Em julho de 2021, autoridades do serviço de meteorologia dos Emirados Árabes Unidos divulgaram um vídeo mostrando uma chuva torrencial em Ras al Khaimah, a cerca de 115 km de Dubai. De acordo com eles, era um exemplo das chuvas artificiais geradas com ajuda de um grupo de drones, fruto do trabalho de um grupo de pesquisadores ingleses. O processo de chuva foi estimulado por quatro drones de quase 2 metros de envergadura cada um. Eles foram catapultados para o céu com carga suficiente para 40 minutos de voo. Durante o voo, os drones medem a temperatura, níveis de umidade e carga elétrica dentro das nuvens. Com esses dados, os cientistas no solo decidem qual delas precisa de um “empurrãozinho”. Veja mais na matéria do UOL – Com calor de 50°C, Dubai gasta US$ 1,5 milhão em drones que fazem chover.

Os Emirados Árabes usam duas substâncias semeadoras: o material tradicional feito de iodeto de prata e uma substância recém-patenteada desenvolvida na Universidade Khalifa, em Abu Dhabi. Os pesquisadores dizem que essa substância, desenvolvida usando nanotecnologia, está mais bem adaptada às condições quentes e secas da região. Os pilotos injetam esses materiais na base da nuvem, permitindo que ela seja elevada dezenas de milhares de pés por poderosas correntes ascendentes.

Em teoria, o material de semeadura, composto de moléculas higroscópicas (que atraem água), se liga às partículas de vapor de água que compõem uma nuvem. Essa partícula combinada é um pouco maior e, por sua vez, atrai mais partículas de vapor de água até formar gotículas, que eventualmente se tornam pesadas o suficiente para cair como chuva.

À medida que países ricos como os emirados injetam centenas de milhões de dólares no esforço, outras nações estão se juntando à corrida, tentando garantir que não percam seu quinhão de chuvas antes que outros esgotem os céus. Os métodos dos Emirados geraram pelo menos um aumento de 5% na chuva anualmente, apesar das dificuldades de coletar dados sobre a eficácia da semeadura de nuvens. Ainda existem sérias dúvidas se a técnica gera chuva suficiente para valer a pena o esforço e a despesa.

Chamas higroscópicas queimando durante uma demonstração na Montanha Hatta. Foto: Bryan Denton
Chamas higroscópicas queimando durante uma demonstração na Montanha Hatta. Foto: Bryan Denton

Embora a semeadura de nuvens exista há 75 anos, especialistas dizem que a ciência ainda não foi comprovada. Israel, pioneiro na semeadura de nuvens, interrompeu seu programa em 2021 após 50 anos porque parecia produzir, na melhor das hipóteses, apenas ganhos marginais em precipitação. Ele “não era economicamente eficiente”, disse Pinhas Alpert, professor emérito da Universidade de Tel Aviv que fez um dos estudos mais abrangentes do programa.

Um grande obstáculo para muitos cientistas atmosféricos é a dificuldade, talvez a impossibilidade, de documentar o aumento líquido das chuvas. “O problema é que, uma vez que você semeia, você não pode dizer se a nuvem teria chovido de qualquer maneira”, disse Alan Robock, cientista atmosférico da Universidade Rutgers e especialista em avaliar estratégias de engenharia climática.

Outro problema é que as altas nuvens cumulus mais comuns no verão nos emirados e áreas próximas podem ser tão turbulentas que é difícil determinar se a semeadura tem algum efeito, disse Roy Rasmussen, cientista sênior e especialista em física de nuvens da Universidade Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica em Boulder, Colorado. Além disso, nem todas as nuvens têm o potencial de produzir chuva, e mesmo uma nuvem aparentemente adequada para a semeadura pode não ter umidade suficiente.

Outro desafio em climas quentes é que as gotas de chuva podem evaporar antes de atingir o solo. Ou os ventos podem mudar, levando as nuvens para longe da área onde a semeadura foi feita, aumentando a possibilidade de consequências não intencionais. “Você pode modificar uma nuvem, mas não pode dizer o que fazer depois de modificá-la”, disse James Fleming, cientista atmosférico e historiador da ciência no Colby College, no Maine.

Uma nuvem pode levar muitas toneladas de água, que fazem muita diferença em regiões áridas. De modo geral, se uma nuvem que seguiria naturalmente para o Irã e choveria por lá tivesse sua precipitação adiantada para os Emirados, então essa água não estará mais à disposição do outro país. Analogamente, é como se desviassem uma porção considerável de um rio que abastece ambos os países, deixando somente um regato de água para o mais mais a jusante.

No entanto, existem algumas ressalvas sobre esse raciocínio. Por exemplo, o tempo de vida de uma nuvem, em particular o tipo de nuvens cumulus com maior probabilidade de produzir chuva, raramente é superior a algumas horas. Quando as nuvens duram mais tempo, elas devem ser empurradas pelo vento até atingir outro país. Particularmente no caso de nuvens saindo dos Emirados, elas deveriam atravessar o Golfo Pérsico, o que é um grande obstáculo devido ao regime regional de ventos. Devido ao aquecimento diurno, existe uma subsidência sobre a região de água que provoca ventos do mar em direção da terra, impedindo que as nuvens se desloquem para o Irã. Veja mais no artigo A climatological study of the sea and land breezes in the Arabian Gulf region.

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