Cheia recorde do rio Negro em 2021

O nível do Rio Negro alcançou 30 metros em 5 de junho de 2021, registrando a maior cheia desde o início dos registros em 1902. Os impactos na população permaneceram por meses, afetando dezenas de milhares de pessoas não só em Manaus, como também em outras cidades do Amazonas. O regime de precipitação e o fluxo de umidade na bacia amazônica sofrem influência de fenômenos climáticos, podendo favorecer o aumento do nível dos rios. Devido ao forte aquecimento do Oceano Atlântico e ao resfriamento do Pacífico, com intensificação da célula de Walker devido ao fenômeno La Niña, no mesmo período, a convecção e precipitação se intensificaram na Amazônia, principalmente nas regiões central e norte da bacia.

Cheia do Rio Negro em 2021. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real
Cheia do Rio Negro em 2021. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

Introdução

A Amazônia brasileira é composta por dois espaços territoriais distintos: áreas de terra firme e várzea. Nas áreas de várzea, planícies baixas e inundáveis, que ocorre de forma mais intensa o fenômeno da enchente e vazante dos rios. O rio Negro nasce na Colômbia, sendo o maior afluente da margem esquerda do rio Amazonas. Em Manaus, o rio Negro encontra o rio Solimões, que nasce no alto da parte ocidental da cordilheira dos Andes Peruanos, recebe água de mais de mil afluentes e deságua no Oceano Atlântico.

Todo ano, com o degelo nos Andes e a estação das chuvas na região Amazônica, o nível do rio Negro sobe alguns metros. O nível máximo é alcançado entre os meses de junho e julho, sendo que abaixa até meados de novembro, quando novamente inicia o ciclo da cheia. Dessa forma, coincide com o “verão amazônico”, um período mais seco e temperaturas um pouco mais elevadas.

Impactos

Mesmo depois da estabilização do nível do rio, são necessárias semanas para retrair o suficiente e deixar de trazer os impactos. A inundação por um longo tempo promove prejuízos às populações rurais e urbanas, principalmente nas áreas de saúde, educação, saneamento básico, trabalho e renda e habitação (Ribeiro e Carneiro, 2016).

Em todo o Amazonas, dos 62 municípios do estado, 58 foram afetados segundo o Serviço Geológico do Brasil, alguns estando inundados desde abril ou março (G1 AM, 2021a), e 48 entraram em situação de emergência (G1 AM, 2021b). Na capital, mais de 24 mil famílias foram prejudicadas pela inundação que veio atingindo pelo menos 15 bairros desde o mês de abril, de acordo com a Defesa Civil. Em diversos pontos, a circulação de pessoas ocorre somente por meio de passarelas ou canoas (G1 AM, 2021b).

Nas comunidades rurais, produtores contabilizam perdas de safras inteiras por conta da inundação das produções, incluindo culturas agrícolas de subsistência. Comerciantes relatam aluguéis atrasados e mercadorias estragam em contato com a água, além da complicação em escoar o restante de produtos que não foi afetado. O município de Anamã recebeu uma balsa hospital para atender a população depois que a subida do rio Solimões alagou o hospital e os atendimentos foram suspensos (G1 AM, 2021b).

Parte das populações rurais tendem a migrar para a cidade ou áreas de terra firme quando o rio invade suas residências. Mas muitos preferem permanecer em suas casas, tendo que construir pontes suspensas dentro de casa. Nas áreas urbanas, o crescimento desordenado atua de forma negativa durante esse momento de fragilidade social. Muitas residências já não alagam devido a adaptações no levantamento do piso das casas pelos moradores, mas que podem não funcionar bem durante enchentes muito grandes.

As famílias que não têm como se manter nos domicílios por conta do risco e das condições de moradia são assistidas por meio das secretarias de assistência social e Defesa Civil. Os abrigos oferecidos pelo poder público geralmente são escolas, que têm suas atividades curriculares paralisadas neste período (Ribeiro e Carneiro, 2016).

Durante enchentes, existe o constante acúmulo de lixo (das casas ou alagando o próprio lixão), gerando presença de água contaminada, animais peçonhentos e o aparecimento de doenças. Agentes de saúde fazem visitas periodicamente para verificar se existe aumento no número de doenças, também distribuindo hipoclorito de sódio para limpeza com alto poder germicida (Ribeiro e Carneiro, 2016). A distribuição de água potável também fica prejudicada.

Histórico de nível

Na fluviometria, o nível d’água pode ser definido como sendo a posição da lâmina d’água (geralmente em metros) referida ao fundo do rio ou a um ponto de referência de nível fixo (cota da linha d’água). Uma inundação (fluvial, marítima ou artificial) é o transbordamento de água num determinado território, enquanto que enchente (ou cheia) é o transbordamento natural do nível de água de rios e canais devido a chuvas muito intensas.

A Rede Hidrometeorológica Nacional (RHN) é coordenada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e conta com a parceria de outras instituições, como o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e o CPRM (Serviço Geológico do Brasil). Suas estações medem o volume de chuvas, a evaporação da água, o nível e a vazão dos rios, conforme os equipamentos disponíveis.

A estação fluviométrica registrada com o código 14990000 na RHN fica junto ao Porto Público de Manaus, no Rio Negro, sendo operada pelo CPRM. O nível do rio é registrado a cada 15 minutos, mas sua série histórica de valores diários corresponde aos valores obtidos às 7 horas da manhã (UTC-3). Suas réguas limnimétricas apresentam uma série que começa em 31/08/1902 e a telemétrica, em 31/05/2001. De acordo com o CPRM, é considerado em patamar normal quando o nível do rio está abaixo dos 27 metros.

Figura 1 – Valores de precipitação e do nível do rio Negro obtidos na estação 14990000 entre 09/12/2019 e 08/06/2021 (SNIRH, 2021).
Figura 1 – Valores de precipitação e do nível do rio Negro obtidos na estação 14990000 entre 09/12/2019 e 08/06/2021 (SNIRH, 2021).

O rio Negro em Manaus apresenta um hidrograma estável, em que em 75% dos anos da série histórica a cota máxima ocorre no mês de junho e em 19% no mês julho (CPRM, 2021). A figura 2 apresenta os cotagramas atual (até junho/2021), máximas ou mínimas diárias, medianas e ano de ocorrência de máxima ou mínima da estação. As curvas envoltórias representadas pela faixa azul caracterizam os dados entre 15 e 85% de permanência para os dados diários de cotas. Ou seja, se as cotas atuais estiverem fora desta faixa é um momento de atenção, pois podem indicar um processo acentuado de cheia ou de vazante.

Figura 2 – Cotagrama do Rio Negro em Manaus (CPRM, 2021).
Figura 2 – Cotagrama do Rio Negro em Manaus (CPRM, 2021).

Na figura 1, é possível observar o ciclo anual de nível do rio Negro e seu aumento de novembro de 2020 até sua cheia recorde em junho de 2021. Seguidos eventos de precipitação intensa em Manaus também contribuíram para o aumento no nível. Na figura 2, pode-se notar que o comportamento do nível em 2021 segue fora da curva envoltória superior e bem acima do ciclo climatológico, definido através das medianas, sendo próximo ao do ano de 2012, máximo até então.

Tem-se observado nos últimos 30 anos a tendência de aumento de cheias que resultaram em outras duas maiores cheias: 2009 (29,77 metros) e 2012 (29,97 metros). Somada às cheias de 2013 (29,50 metros), 2014 (29,33 metros), 2015 (29,66 metros) e 2017 (29,00 metros) a região passou por seis cheias extremas durante os últimos dez anos. No período antes da década de 1970, somente nos anos de 1953, 1922 e 1909 foram registradas cheias severas – ultrapassando o nível crítico de 29 metros (Barichivich, 2018). Desde os anos 1990, existe uma intensificação do ciclo hidrológico, concentrada fortemente na estação chuvosa e conduzindo a diferenças progressivamente maiores nos fluxos máximos e mínimos da Amazônia (Barichivich, 2018).

Atualização: no Github (viniroger/RioNegro), estão disponíveis valores de cota entre 2000 e 2021 (cotas_RioNegro.csv), obtidas no site do Porto de Manaus. Também estão as imagens das cotas para todos os anos em função do tempo (cotas_todas.png) e também dos anos com as maiores cotas com uma média para todo o período (cotas_m.png), assim como o código utilizado para gerar as imagens (plot_ts.py).

Em Manacapuru, na Região Metropolitana de Manaus, a cheia também foi considerada histórica. O rio Solimões atingiu a marca de 20,80 metros em 05/06/2021, superando o recorde de 2015 em 2 centímetros (G1 AM, 2021b).

Meteorologia

O regime anual de vazão dos rios da região é bem definido e representa a variabilidade do regime pluviométrico das cabeceiras. Devido a sua enorme extensão, a bacia hidrográfica integra fenômenos hidrometeorológicos que se refletem nas variações de níveis d’água (Fisch et al. 1998). Os principais fenômenos que influenciam na precipitação da área (Vale et al., 2011) são explicados a seguir.

O forte aquecimento superficial sazonal durante o verão do hemisfério sul e outono causa convecção profunda e define o período chuvoso da Amazônia. No entanto, as instabilidades atmosféricas geradas por sistemas meteorológicos de escala sinótica podem intensificar ainda mais a convecção. Alguns desses sistemas estão relacionados principalmente ao ciclo sazonal da circulação atmosférica, como a Alta da Bolívia (anticiclone que ocorre na alta troposfera no verão austral, promovendo chuvas intensas em sua área de abrangência) e a Zona de Convergência Intertropical (sua migração para o sul induz precipitação generalizada principalmente na Amazônia centro-oriental no final do verão e início do outono).

Frentes frias originadas fora da região tropical também podem afetar a convecção na Amazônia. Eventos sinóticos como fortes sistemas frontais localizados no centro e sudeste do Brasil e na Zona de Convergência do Atlântico Sul podem interagir com a convecção tropical, potencializando e organizando a convecção profunda sobre toda a Amazônia. O mesmo pode ocorrer com linhas de instabilidade desencadeadas por brisas marítimas ao longo da costa oriental movem-se para a Amazônia central.

Os oceanos Pacífico e Atlântico também desempenham um papel importante na variabilidade climática interanual amazônica. Uvo e Graham (1998), com a aplicação de correlações canônicas aos dados de TSM e precipitação na América do Sul, concluíram que a combinação do Pacífico Tropical e Atlântico explica 53% da variação da precipitação interanual na Amazônia. Dentre os fenômenos que atuam nesse sentido estão anomalias na temperatura da superfície do mar (TSM) no Atlântico tropical e o modo climático de grande escala do Pacífico tropical, o chamado El Niño/Oscilação Sul (ENOS).

A TSM no Atlântico tropical às vezes apresenta um modo dominante de larga escala, em particular durante o outono austral, com um padrão de dipolo norte/sul quente (ou frio). Um dipolo quente/frio significa anomalias positivas/negativas no Atlântico tropical Norte e negativas/positivas no Atlântico tropical Sul. Como consequência, estabelece-se um gradiente térmico meridional, que em conjunto com os ventos alísios e a pressão em superfície, direciona a intensidade e o posicionamento da faixa de nebulosidade e precipitação associada à ZCIT. Para o padrão de dipolo quente/frio, a ZCIT tende a se posicionar predominantemente ao norte/sul de sua posição climatológica (Souza e Nobre, 1998).

Eventos extremos estão relacionados principalmente a eventos de El Niño/La Niña, tendo como consequências chuvas mais fracas/fortes, diminuição/aumento nas descargas e níveis dos rios, respectivamente (Marengo, 1992). Os efeitos atingem não só a bacia amazônica diretamente como também a região andina de Peru e Colômbia, onde estão as nascentes de vários rios, influenciando na precipitação de chuva e de neve.

As interações oceano-atmosfera associadas em grande escala no Pacífico tropical causam mudanças na célula de Walker (circulação atmosférica em grande escala na direção zonal com ramificação ascendente sobre o Pacífico ocidental e ramificação descendente sobre o Pacífico oriental) e na célula Hadley (circulação atmosférica em grande escala na direção meridional com ramo ascendente sobre os trópicos e ramo descendente sobre os subtrópicos).

Durante o La Niña, ocorre o resfriamento das águas do Pacífico Equatorial leste e intensificação dos ventos alísios de leste para oeste. O enfraquecimento do ramo descendente da célula de Walker (com tendência de aumento do movimento ascendente) sobre o norte-nordeste da América do Sul, desencadeia aumento dos índices pluviométricos na região (Marengo, 1992). O aumento das inundações está relacionado ao fortalecimento da circulação de Walker, resultante do forte aquecimento do Atlântico tropical e do resfriamento do Pacífico tropical. O aquecimento do Atlântico devido à combinação de fatores antropogênicos e naturais tem contribuído para aumentar a mudança na circulação atmosférica (Barichivich, 2018).

Outra importante anomalia de TSM que ocorre no Pacífico é a chamada Oscilação Decadal do Pacífico (ODP), que apresenta um padrão de variabilidade interdecadal e desencadeia padrões anômalos de TSM, nível do oceano e intensidade do vento. A fase quente/fria da ODP desencadeia intensificação/enfraquecimento no sistema de baixa pressão das Aleutas, águas mais frias/quentes do que o normal no Pacífico Norte Central e Oeste e águas mais quentes/frias ao longo da costa oeste da América do Norte e nas regiões central e leste do Pacífico Tropical (Limberger e Silva, 2016). Durante a fase negativa (fria) da ODP, há maior ocorrência de episódios de La Niña, que tendem a ser mais intensos, e menor frequência de El Niños, os quais tendem a ser curtos e rápidos (Andreoli e Kayano, 2005). Assim, a fase negativa da ODP é favorável para chuvas na região amazônica.

A própria pluma de água doce do Rio Amazonas intensifica o ciclo hidrológico na região, num processo de retroalimentação. Como existe uma quantidade mais espessa de água doce sendo despejada no oceano, a barreira entre a água doce e salgada (localizada mais abaixo) fica maior e diminui a mistura com a água fria, o que aumenta a temperatura superficial do mar e facilita o trânsito dessas águas para o leste (Gouveia et al., 2019).

A fumaça originada na queima de florestas da Amazônia pode intensificar o derretimento dos glaciares na América do Sul (Magalhães et al., 2019), impactando o volume de água dos rios abastecidos por esses sistema – como o rio Solimões. A fumaça das queimadas, particularmente partículas de carbono preto, é transportada pelo vento e depositada nas geleiras das montanhas. Com isso, a superfície da neve/gelo tem sua capacidade de refletir a radiação solar reduzida, absorvendo mais energia do sol e intensificando o derretimento. O derretimento contínuo dos campos de gelo em regiões tropicais, como nos Andes, é consistente com as previsões do modelo para uma amplificação vertical da temperatura (uma das mudanças climáticas geradas pelo aquecimento global) e tem implicações no nível dos rios (Thompson et al., 2011).

Devido à crescente concentração de dióxido de carbono na atmosfera no decorrer das décadas, o aumento do efeito estufa vem contribuindo para a mudança na circulação de água nos oceanos, alterando o balanço de energia e de umidade na atmosfera. O oceano Índico influencia esse processo devido ao deslocamento do cinturão de ventos do Hemisfério Sul em direção à Antártica. Tal movimentação permite que a corrente marítima das Agulhas importe enormes volumes de água quente do Índico ao redor da África do Sul para o Atlântico, contribuindo para o seu aquecimento e resultando em mais nuvens de chuva em cima da Amazônia (Zahn et al., 2010).

Causas e consequências

As condições atmosféricas desde novembro de 2020 a junho de 2021 favoreceram a produção de chuva intensa sobre grande parte da região Amazônica (INPE/CPTEC, 2021a). Os principais eventos responsáveis pelas chuvas foram a configuração de um evento de La Niña, desde a segunda metade de 2020 (NCEP/NOAA, 2021), ODP na fase fria desde o final de 2019 (NCDC/NOAA, 2021) e águas anomalamente quentes do oceano Atlântico Sul desde dezembro de 2020, embora sem apresentar o padrão dipolo com o Atlântico Norte (INPE/CPTEC, 2021b).

Com isso, observou-se precipitação acima da normalidade entre novembro/2020 e maio/2021 em Roraima e oeste do Amazonas, principalmente na fronteira com a Colômbia – nascente do rio Negro (INPE/CPTEC, 2021a). Cenário semelhante foi observado durante as cheias de 2009 da bacia amazônica, que vinha de um evento de La Niña (Vale et al., 2011). Nesse evento, o gradiente de TSM se estabeleceu entre o norte e sul do Atlântico Tropical entre janeiro e maio de 2009, mantendo a ZCIT por mais tempo no sul – em comparação com sua posição média.

O excesso de chuvas na região Norte causa impactos nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Isso porque ocorre o transporte de vapor d’água através dos jatos de baixos níveis. Parte da água vem do oceano, transportada para o continente pelos ventos alísios, e outra parte vem da floresta, através da evapotranspiração. Com mais chuvas no Norte, o transporte de umidade deve ser reduzido para outras regiões. Além disso, durante o La Niña, um sistema de alta pressão mais forte permanece sobre as regiões Centro-Oeste e Sudeste, o que dificulta a formação de nuvens e bloqueia o já reduzido transporte de umidade.

Com o objetivo de comparar o fluxo de umidade da região amazônica (N) e do Sul/Sudeste (S), foram calculados os fluxos climatológicos (1979-2019) e ocorridos (2020-2021) nos trimestres Dezembro-Janeiro Fevereiro (DJF, figura 3) e Março-Abril-Maio (MAM, figura 4). Foi usado o conjunto de dados de reanálise do ERA-Interim (ECMWF). Os valores (em kg-1.m-1.s-1) representam a quantidade de umidade que entra/sai em azul/vermelho por cada borda de cada quadrilátero.

Figura 3 – Fluxos de umidade climatológicos (esquerda) e do trimestre DJF 2020-2021 (verão).
Figura 3 – Fluxos de umidade climatológicos (esquerda) e do trimestre DJF 2020-2021 (verão).
Figura 4 – Fluxos de umidade climatológicos (esquerda) e do trimestre MAM 2021 (outono).
Figura 4 – Fluxos de umidade climatológicos (esquerda) e do trimestre MAM 2021 (outono).

O quadrilátero N apresenta entrada de umidade pelos setores norte e leste em todos os casos. Ao somar as entradas e saídas e calcular o saldo para a climatologia e para o observado de 2020-2021 do período DJF, existe um saldo positivo de 13,3 na climatologia e de 18,9 no período recente. Ou seja, houve uma maior entrada (47,3 contra 44,5) e menor saída (28,4 contra 31,2) de umidade ao comparar com o esperado climatologicamente. Destaca-se que a saída do fluxo de umidade na direção sul (em direção à região Sul e Sudeste) foi consideravelmente reduzida. Para o período MAM, a interpretação continua a mesma, mudando apenas os valores.

No quadrilátero S, a primeira diferença é que em DJF apresenta entrada de fluxo por norte e oeste e em MAM, por norte e leste (climatologia) e somente norte em 2021. Em DJF, existe um saldo positivo de 4,3 na climatologia e de 5,4 no período recente. Nesse caso, também houve maior entrada (11,1 contra 10,6) e menor saída (5,7 contra 6,3) de umidade ao comparar com o esperado climatologicamente. Já em MAM, o saldo positivo foi menor em no período recente do que na climatologia (0,1 contra 2,3). Houve menor entrada (4,2 contra 8,0) além de menor saída (4,1 contra 5,7) de umidade ao comparar com o esperado climatologicamente. Destaca-se que a entrada do fluxo de umidade na direção norte (vindo da Amazônia) foi consideravelmente reduzida nos dois períodos.

Analisando o quadrilátero N, existe um aumento do fluxo de leste para oeste, associada a uma maior advecção de umidade no Atlântico tropical, mais aquecido do que o valor climatológico (INPE/CPTEC, 2021a). Esse padrão é observado com o avanço do desmatamento: redução do fluxo para o sul e aumento de leste para oeste (Lemes, 2020). Ainda sobre essa região, ao entrar mais umidade e sair menos, boa parte deve se transformar em anomalia positiva de precipitação, seguindo menos umidade na direção sul. Quanto ao quadrilátero S, nota-se que a entrada de umidade foi bem menor no outono do que o esperado na climatologia. Isso ajuda a explicar a anomalia negativa de precipitação nessa mesma área observada para os meses MAM (INPE/CPTEC, 2021a).

Conclusões

As principais causas da cheia recorde do rio Negro em 2021 são: La Niña desde a segunda metade de 2020, ODP na fase fria desde o final de 2019 e águas anomalamente quentes (+1,5°C) no Atlântico Sul tropical desde dezembro de 2020. Verificou-se uma intensificação no fluxo de leste para oeste, associado a uma maior advecção de umidade no Atlântico tropical, e uma redução no fluxo de umidade saindo da Amazônia e entrando no Sul/Sudeste do Brasil, causada pelo bloqueio atmosférico nessa região e subsidência compensatória da maior atividade convectiva no norte

Agradecimentos

O autor principal agradece aos co-autores Gilberto Fisch e ao doutorando Murilo da Costa Ruv Lemes, pelos mapas de fluxo de umidade. Também agradece ao professor da disciplina de Meteorologia Tropical José Antonio Marengo Orsini pelas aulas.

Referências

Andreoli, R.V. e Kayano, M.T. (2005) Enso-Related Rainfall Anomalies in South America and Associated Circulation Features During Warm and Cold Pacific Decadal Oscillation Regimes, International Journal of Climatology. Internacional Journal Climatology, 25: 2017–2030.

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Observações

Esse trabalho foi apresentado no XX EPGMET, o Encontro dos Alunos de Pós-Graduação em Meteorologia de 2021, com o título “Causas da cheia recorde do rio Negro em 2021 e possível associação com fluxo de umidade para o sul/sudeste do Brasil”. O vídeo com a apresentação dos slides está incorporado a seguir:

Quando forem publicados os anais do evento, o link será disponibilizado aqui.

Outro trabalho apresentado nesse mesmo evento foi “Análise sinótica, trajetória e intensidade de três ondas de frio associadas a ocorrência de neve e geadas no brasil durante o inverno de 2021”, sendo que o vídeo com a apresentação de slides pode ser visto no link. Os posts Análise de previsão: eventos de neve e de geada e Reanálise: eventos de neve e de geada discutem mais sobre uma dessas ondas de frio.

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