Na língua tupi, “pe” significa caminho e “abiru”, gramado amassado. Os indígenas sul americanos abriram vários caminhos ligando diversas regiões do litoral e interior do continente. O principal destes caminhos, denominado Caminho do Peabiru, constituía-se em uma via que ligava os Andes (região de Cusco, centro administrativo e cultural do Império Inca, mas com ramais que chegavam até o Oceano Pacífico) ao Oceano Atlântico (região do litoral de São Paulo e de Florianópolis). Estendendo-se por cerca de 3 mil quilômetros, atravessava os territórios dos atuais Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil.
De modo geral, os caminhos não eram de chão batido, e sim de indicações para facilitar o trânsito de modo a evitar transposição de rios em pontos complicados ou vales muito profundos. Em alguns trechos, tinham cerca de 1,40 metro de largura e rebaixamento médio em relação ao nível do solo de cerca de 40 centímetros, recoberto por uma gramínea denominada puxa-tripa plantadas pelos próprios índios guaranis para evitar que o mato cobrisse a trilha. Nos pontos mais difíceis, o caminho chegava a ser pavimentado com pedras. Em outros, era sinalizado com inscrições rupestres, mapas e símbolos astronômicos.
Os índios guaranis sacralizaram esse caminho, por ele acompanhar o caminho do deus Sol no céu: de leste para oeste. Assim, deveria levar à Terra Sem Mal (o paraíso). Chegaram a realizar trocas comerciais com os incas, comprovado pelo encontro de peças de metais feitas pelos incas na região de Florianópolis e de Cananeia. O conhecimento indígena foi fundamental para a ocupação europeia no Brasil.
Ramais
Em território brasileiro, um de seus traços ou ramais era a chamada Trilha dos Tupiniquins, também denominada como Caminho de Paranapiacaba ou Caminho de Piaçaguera. Iniciava-se na vila de São Vicente, atravessava uma área alagada (hoje Cubatão) e prosseguia pela serra do Mar acima até às nascentes do rio Tamanduateí (atual Mauá) e daí ao córrego Anhangabaú na aldeia do índio Tibiriçá em Piratininga. Depois seguia pelas atuais avenidas Consolação e Rebouças, cruzando o rio Pinheiros e seguindo traçado próximo ao da rodovia Raposo Tavares.
No século XVII, bandeirantes paulistas, como Antônio Raposo Tavares, trilharam essa via para atacar as missões jesuíticas, que também fizeram uso da trilha para atividades de evangelização e aldeamento de indígenas – conheciam-na como “caminho de São Tomé”.
Martim Afonso de Sousa, fundador da Vila de São Vicente, determinou que uma expedição partisse de Cananeia em 1531 com destino às minas do Potosí, na Bolívia, e aos tesouros dos incas, mas acabou chacinada pelos indígenas guaranis nas proximidades de Foz do Iguaçu.
Em 1524, o náufrago português Aleixo Garcia (que fez parte da expedição espanhola de Juan Díaz de Solís), comandou uma expedição integrada por algumas centenas de índios guaranis carijós, partindo da Ilha de Santa Catarina (“Meiembipe”), percorrendo essa via para saquear ouro, prata e estanho. Conseguiu atingir o Império Inca nove anos antes da invasão espanhola dos Andes, em 1533.
Em 1541, partindo da foz do rio Itapocu (litoral norte de Santa Catarina), o espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca também percorreu esse caminho, vindo a descobrir as Cataratas do Iguaçu. Cabeza de Vaca saíra da Espanha em 1527 para a América, desembarcando no ano seguinte em Tampa Bay, Flórida. Depois de tentativas infrutíferas de atingir o atual México para exploração de metais, acabou por voltar para a Europa em 1537. Após ter sido nomeado governador da província de Rio da Prata, Cabeza de Vaca voltou a América, em 1540, a fim de restabelecer o assentamento de Buenos Aires. Fez a descoberta das Cataratas do Iguaçu, mas falhou em sua missão em Buenos Aires, chegando a trabalhar como escravo em uma tribo indígena e curandeiro em outra. Foi mandado de volta à Europa em 1545, preso por má administração.
Atualmente
Muitas cidades foram fundadas nas cercanias da trilha e, assim como a agricultura, acabou destruindo boa parte dos caminhos originais. Em pontos isolados de mata e em algumas localidades, ainda restam reminiscências desse caminho. Um dos últimos vestígios de um ramal do Peabiru foi encontrado no início da década de 1970 pela equipe do professor Igor Chmyz, do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do Paraná. A equipe achou cerca de 30 km da trilha na área rural de Campina da Lagoa. Na cidade de Pitanga (PR), é possível visitar trechos e curiosas inscrições em pedras.
Veja mais nesse documentário do De Lá Pra Cá da TV Brasil – Caminho de Peabiru (27/11/2011):
Mais um documentário do tema, focado nos indígenas e apresenta uma comparação do “caminho de São Tomé” com o “caminho de Santiago de Compostela”:
Algumas sugestões de leitura:
- Cadernos da trilha (detalhes de cidades e rios do caminho)
- COLAVITE, Ana Paula & BARROS, Mirian Vizintim Fernandes. Geoprocessamento aplicado a estudos do Caminho de Peabiru. Revista da ANPEGE, v. 5, p. 86 – 105, 2009
- BORGES, André E. Caminhos da Cultura Indígena: o Peabiru e o Neoindianismo. Dissertação de Mestrado
- BOND, Rosana. História do Caminho de Peabiru. Rio de Janeiro: Ed. Aimberê, 2009.
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