Alguns objetos voadores não identificados foram observados sobrevoando a América do Norte em fevereiro de 2023, levantando uma série de questões sobre sua natureza e propósitos. Existem muitas especulações, e considerando um ambiente de espionagem, muitas delas podem nunca ser completamente confirmadas ou refutadas. No entanto, algumas discussões podem trazer luz sobre o tema.
Em 1944, os japoneses já lançavam balões de hidrogênio com explosivos em direção aos Estados Unidos – veja mais no post Balão bomba e correntes de jato. Eles flutuavam seguindo correntes de ar em alta velocidade na alta troposfera, conhecidas como correntes de jato (jet streams). Na mesma década, o governo dos EUA desenvolveram o projeto ultra secreto Mogul, no qual utilizavam balões a 15 quilômetros de altitude com microfones para detectar eventuais explosões nucleares. Um desses balões caiu em Roswell, em julho de 1947, na região conhecida como área 51.
Em agosto de 1998, os canadenses tentaram abater um balão de pesquisas com problemas. Seus caças CF-18 Hornet dispararam mais de mil tiros e não conseguiram acertar o alvo. O balão, criado para pesquisar a quantidade de ozônio no Canadá, tinha o tamanho de um prédio de 25 andares. O fato do objeto estar parado e os caças voando muito rápido tornou difícil atirar. Os Hornet canadenses estavam com mísseis, mas optaram por usar o canhão, pois havia o temor de destruir os equipamentos de pesquisa a bordo e invalidar a cara pesquisa já concluída.
Breve histórico
Em 4 de fevereiro de 2023, os Estados Unidos derrubaram um balão de origem chinesa na costa da Carolina do Sul, que já havia sido avistado dia 2 sobrevoando o estado de Montana e desde então vinha sendo seguido. Em 10 de fevereiro, os EUA derrubaram um objeto não identificado voando a 40 mil pés sobre o Alasca, novamente usando um avião caça F-22 com um míssil AIM-9X. No dia seguinte, os Estados Unidos e o Canadá abateram outro objeto voando sobre Yukon (norte do Canadá). No dia seguinte, os estadunidenses abateram outro objeto no lago Huron (nordeste dos EUA). Existem relatos também de sobrevoos de balões em Guam, Havaí, Texas, Flórida, Costa Rica (02/02) e Colômbia (04/02) – estas últimas ocorrências relacionadas ao mesmo balão assumidamente chinês para testes de voo. A China também já relatou que balões dos Estados Unidos entraram em seu espaço aéreo “mais de 10 vezes” desde janeiro de 2022 e até a Rússia anda fazendo uso de balões contra a Ucrânia.
Obs.: o espaço aéreo soberano de uma nação é só mais ou menos delimitado pelo Direito Internacional, com menor precisão do que a extensão em terra e mar de um país. A convenção é de que ainda é território de um país até a altitude de veículos comerciais e militares, o que é mais ou menos 45 mil pés (13,5 km de altura). O balão chinês estaria a mais ou menos 60 mil pés, ou 18 quilômetros de altura, então talvez ele nem se enquadre como um invasor.
Na época, as autoridades de segurança nacional permaneceram tensas. O espaço aéreo foi brevemente fechado sobre Montana e logo depois reaberto na noite de sábado, depois que uma anomalia no radar levou um jato a investigar a situação antes de tudo ser liberado. Posteriormente, a Casa Branca disse não haver indicação de que os últimos três objetos voadores misteriosos não identificados abatidos por caças norte-americanos estejam ligados ao programa de balões espiões da China. Inclusive, um grupo de pessoas do estado de Illinois que solta balões ocasionalmente por hobby, alegou que um de seus artefatos “desapareceu em ação” sobre o Alasca em 11 de fevereiro. Isso significaria que os militares dos EUA gastaram um míssil que custou US$ 439 mil para derrubar um inócuo balão de hobby no valor de cerca de US$ 12.
O primeiro objeto acabou ficando mais famoso, identificado como sendo um balão de origem chinesa. O chefe do NORAD (Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte), general Glen VanHerck, descreveu o balão como tendo 200 pés (61 metros) de altura, com uma carga útil de vigilância do tamanho de um jato regional de passageiros que provavelmente pesava mais de alguns milhares de quilos – veja mais na transcrição do pronunciamento. Os civis que observaram o balão do solo o descreveram como uma esfera branca gigante flutuando a cerca de 18.300 metros acima do centro dos Estados Unidos, uma altitude aproximadamente o dobro da do tráfego aéreo civil. Autoridades dos EUA disseram que estavam rastreando a alta altitude há algum tempo e que ela flutuou sobre os Estados Unidos por pelo menos sete dias.
O Ministério das Relações Exteriores da China disse que o balão foi usado principalmente para fins meteorológicos e tinha capacidade limitada de direcionamento. Ele disse que foi afetado pelo clima e inesperadamente derivou para o espaço aéreo dos EUA. No entanto, os EUA acreditam que seja um balão espião. Uma equipe do FBI está trabalhando para entender mais sobre o equipamento recuperado do balão abatido no mar – incluindo que tipo de dados ele poderia coletar e se poderia transmiti-los em tempo real.
Balão meteorológico
A Kaymont, uma empresa americana que fabrica e distribui balões meteorológicos globalmente, disse que o tamanho, a carga útil e o tempo de voo excedem as capacidades dos balões meteorológicos típicos feitos de látex, e que provavelmente seria feito de filme plástico. Jesse Geffen, gerente de contas da Kaymont, disse à Reuters:
“Um balão típico de previsão do tempo terá uma carga de radiossonda leve com cerca de 200 gramas de peso. O balão no lançamento terá cerca de 1,4 metros e estourará com cerca de 6 metros de diâmetro, e o tempo de voo será entre 90 e 120 minutos (…) As cargas fotográficas (fotografia e videografia de alta altitude) podem ser transportadas por balões maiores, mas não teriam nem um terço do tamanho do balão que sobrevoou o país”.
Balões de alta altitude são usados para uma vasta gama de propósitos autorizados nos setores público e privado, como monitoramento do clima, captura de imagens nítidas do cosmos, realização de experimentos científicos e teste de novas tecnologias de radar.
Na China, a fabricação de balões meteorológicos é dominada por uma subsidiária da gigante química estatal ChemChina, Zhuzhou R&D Institute for Rubber & Plastics (Zhuzhou Rubber), que produz 75% dos balões de alta altitude usados pela Administração Meteorológica da China, órgão regulador do país das empresas estatais disse em um comunicado no ano passado. Um funcionário que atendeu o telefone na sede da Zhuzhou Rubber disse que o balão dos EUA não tinha nada a ver com a empresa e se recusou a aceitar mais perguntas.
Empresas menores incluem a Guangzhou Double-One Weather Equipment Company, cujo presidente da empresa, Lin Xiuping, disse à Reuters que sua empresa e a Zhuzhou Rubber eram capazes de fabricar balões que podiam voar na altura em que o balão chinês estava voando sobre os Estados Unidos. Ela disse, no entanto, que Guangzhou Double-One não era o fabricante desse balão.
A Aerostar é uma empreiteira aeroespacial e de defesa que fornece balões estratosféricos para empresas como a NASA, feitos de filme de polietileno, que podem voar por mais de 200 dias e carregar centenas de quilos. Ela também já tinha um acordo com o Google para usar esses balões para fornecer internet para áreas rurais. Outras empresas que desenvolvem sistemas de balões estratosféricos incluem a empresa de turismo espacial americana World View e a empresa francesa CNIM Air Space.
A China não parece ter uma empresa privada equivalente, mas o Instituto de Pesquisa de Informação Aeroespacial (AIR) oficial da Academia Chinesa de Ciências e o Instituto de Optoeletrônica conduziram pesquisas significativas sobre balões estratosféricos e publicaram relatos de lançamentos. Em 2017, por exemplo, o Instituto de Optoeletrônica anunciou que voou com sucesso um balão de “super pressão” desenvolvido na Mongólia Interior, descrevendo-o como tendo um volume de 7.000 metros cúbicos e capaz de carregar 150 quilos. Em setembro de 2022, a AIR da China anunciou o teste bem-sucedido de um balão que pode atingir alturas de 30 km e transportar até 1,2 toneladas como parte de um projeto de desenvolvimento de tecnologias de espaço próximo.
Mesosfera
A mesosfera vem ganhando cada vez mais importância militarmente e comercialmente. Ela fica entre 19 e 96 quilômetros acima da superfície da Terra em uma camada rarefeita da atmosfera conhecida como “espaço próximo”. Situado acima das trajetórias de voo da maioria dos jatos comerciais e militares e abaixo dos satélites, o espaço próximo é uma área intermediária para a passagem de voos espaciais – mas também é um domínio onde armas hipersônicas transitam e mísseis balísticos se cruzam. “Entender as condições atmosféricas lá em cima é fundamental para programar o software de orientação” para mísseis balísticos e hipersônicos, segundo o analista baseado no Havaí Carl Schuster, ex-diretor de operações do Centro de Inteligência Conjunta do Comando do Pacífico dos EUA.
A pesquisa chinesa sobre os balões de alta altitude remonta ao final dos anos 1970. O líder chinês, Xi Jinping, estimulou a Força Aérea do PLA a “acelerar a integração aérea e espacial e aprimorar suas capacidades ofensivas e defensivas” já em 2014. Pesquisas no CNKI, o maior banco de dados acadêmico online da China, mostram que pesquisadores chineses, militares e civis, publicaram mais de 1.000 artigos e relatórios sobre “espaço próximo”.
Em um segmento de vídeo de 2021 executado pela agência de notícias estatal Xinhua, Cheng Wanmin, especialista da Universidade Nacional de Tecnologia de Defesa, explica como os veículos mais leves que o ar no espaço próximo podem vigiar e tirar fotos e vídeos de resolução mais alta a um custo muito menor em comparação com os satélites. No vídeo, destacou o progresso dos EUA, Rússia e Israel no desenvolvimento desses veículos, acrescentando que a China também fez seus próprios “avanços”. Um exemplo dos avanços que a China fez neste domínio é o voo relatado de um dirigível não tripulado de 100 metros de comprimento conhecido como “Cloud Chaser”.
Oficiais de inteligência dos EUA acreditam que o balão chinês identificado sobre os EUA nos últimos dias faz parte de um extenso programa de vigilância militar chinês envolvendo uma frota de balões que realizou pelo menos duas dúzias de missões em pelo menos cinco continentes nos últimos anos. O general Glen VanHerck, comandante do NORAD, reconheceu que o país têm uma “lacuna de consciência de domínio” que permitiu que três outros balões de espionagem chineses suspeitos transitassem pelos EUA continentais sem serem detectados durante o governo anterior. Ele diz que essa lacuna já foi corrigida, o que pode ajudar a explicar o repentino aparecimento de avistações.
Atualização: uma imagem em alta resolução tirada por um piloto do avião-espião U-2 foi divulgada em 22/02 pelo Pentágono. A imagem sugere que o balão seria na verdade uma espécie de “dirigível”, já que é possível notar quatro conjuntos muito similares a hélices próximos aos painéis. A capacidade de ser guiado enfraqueceria a afirmação do governo chinês de que o balão havia desviado de seu curso por conta de ventos inesperados. Um balão separado, mas muito semelhante, que passou por partes do Japão em 2020 tinha hélices muito visíveis em posições semelhantes, como pode ser visto no vídeo do link. (fonte: The War Zone)
Fontes
- Aeromagazine – Mesmo após 1.000 tiros caças do Canadá não destruíram balão
- UOL – China diz que balões dos EUA entraram em seu espaço aéreo 10 vezes desde 2022
- The Guardian – Object downed by US missile may have been amateur hobbyists’ $12 balloon
- Reuters – Explainer: What we know and don’t know about the Chinese balloon
- CNN Brasil – O que sabemos sobre os objetos não identificados sobrevoando a América do Norte, Balões são fundamentais para China dominar campo de batalha na mesosfera e Não, alienígenas não estão aqui! Entenda para que servem os balões de alta altitude
- Alaska Beacon – After China balloon scare, Air Force shoots down object flying above Alaska’s North Slope
- Time – All the Places Suspected Chinese Spy Balloons May Have Been Spotted
- Tecmundo – Balão da China abatido nos EUA: espionagem ou ciência?
- Breitbard – General says NORAD missed previous chinese spy balloon incursions during the Trump administration