Um dos aviões treinadores de maior sucesso no Brasil desde a década de 1950, o Paulistinha já ajudou a formar várias gerações de pilotos. Além disso, é um modelo de aeronave de projeto e construção nacionais. Sua simplicidade e eficiência no que se propõe, com baixos custos de produção, operação e manutenção, fizeram sucesso e mantém exemplares voando até hoje em diferentes países.
Originalmente, foi inspirado no avião “Taylor Cub” (antecessor do Piper J-3 Cub, avião muito popular nos EUA), produzido entre 1930 e 1936 pela empresa norte americana Taylorcraft Aviation. Seu primeiro exemplar foi produzido no Brasil pela Empresa Aeronáutica Ypiranga (EAY), fundada em São Paulo/SP em 1931.
A EAY resultou da união de três importantes personagens da história da aviação brasileira: Henrique Dumont Villares (engenheiro agrônomo sobrinho e afilhado de Alberto Santos Dumont), Fritz Roesler (piloto e engenheiro-mecânico alemão) e Orthon William Hoover. Os dois primeiros projetos da empresa foram os planadores de instrução EAY “Primário” (cópia modificada do planador alemão Zoegling) e o EAY “Secundário”.
No entanto, o grande sucesso da empresa foi a aeronave EAY-201 Ypiranga, cujo protótipo voou pela primeira vez em setembro de 1935. Projetado e construído em 1934, era um avião monomotor de asa alta, fuselagem de tubos de aço soldado, recoberto de tela, asas de madeira enteladas e trem de pouso fixo, biplace em tandem (os assentos dos pilotos estão posicionados um na frente do outro) com cabine fechada.
Em 1942, a EAY foi vendida para a Companhia Aeronáutica Paulista (CAP), fundada no mesmo ano no distrito de Utinga, em Santo André/SP. A iniciativa foi de Francisco Matarazzo Pignatari (1917-1977), apelidado de “Baby” Pignatari por ser neto do Conde Matarazzo. Com a experiência adquirida na Seção de Aviação da LNM (Laminação Nacional de Metais) e o suporte das demais empresas do Grupo Matarazzo, que forneciam tubos, chapas, peças metálicas usinadas e instrumentos de diversos tipos, a CAP iniciou suas atividades quase sem depender da importação de componentes (exceto motores) – o que era providencial, especialmente em tempos de guerra.
O exemplar do vídeo (matriculado como PP-RXI em 1948) atualmente está em exposição no Museu Eduardo Matarazzo em Bebedouro/SP. Como está sem o revestimento, é possível observar sua estrutura interna. Note as nervuras, que dão o formato aerodinâmico à asa, e as longarinas, que sustenta a asa da raiz até sua ponta. Os montantes (ou estais) auxiliam na fixação da asa à fuselagem.
Durante a década de 1940, o IPT seria responsável por projetar e construir cerca de 20 diferentes protótipos de planadores e aviões, alguns produzidos em série pela CAP (veja mais sobre a relação entre o IPT e a aviação no final do post). O primeiro deles foi o IPT-4, rebatizado como CAP-1 e recebeu a denominação comercial “Planalto”. A partir dele, surgiram outras versões, o CAP-2, o CAP-3 e o CAP-3A.
A CAP aperfeiçoou o EAY-201 Ypiranga e o renomeou CAP-4 Paulistinha em 1942. No auge da produção, em fins de 1943, era fabricado um Paulistinha por dia. Entre 1943 a 1948 foram produzidas 777 unidades do Paulistinha. Foram exportadas aproximadamente 20 unidades para países como Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Portugal, Itália e Estados Unidos.
O CAP-4 é um avião de dois lugares, asa alta, com trem de pouso fixo e bequilha traseira convencional. Possui estrutura de madeira de tubos de aço cromo-molibdênio, externamente coberto com tela, asas com estrutura de madeira, externamente coberta com chapas de madeira contraplacada e tela pintada, hélices de madeira fabricadas pelo IPT e motor norte-americano Franklin, de 65 cavalos. Apenas 20 exemplares foram construídos da primeira versão do CAP-4, dando lugar a outras três versões: CAP-4A, CAP-4B, CAP-4C.
Apoiada pelos Diários Associados (de Assis Chateaubriand), a Campanha Nacional de Aviação conseguiu recursos para comprar os aviões CAP-4 e doá-los aos aeroclubes. Outros voaram na Marinha, anteriormente à criação da FAB (Força Aérea Brasileira).
A produção do CAP-4 foi encerrada em 1948 e retomada, sob novas bases, em 1955, quando a Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva adquiriu os direitos para sua fabricação. O projeto sofreu algumas modificações e a aeronave foi rebatizada de “Paulistinha 56” (ou também P-56). Foi relançado em 1956 e cerca de 260 exemplares foram fabricados.
A Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva, fundada em 1954 por José Carlos de Barros Neiva. A licença para construção do “Paulistinha” foi concedida com a condição de que 6% sobre o valor da venda de cada avião fosse destinado a um fundo criado para custear bolsas de estudos aos alunos do Instituto Tecnológico Aeronáutico (ITA).
Dentre as modificações realizadas, o tanque e a seletora de combustível foram reposicionados, recebendo uma proteção para evitar o fechamento acidental, foram alteradas as portas da cabine, as janelas, o capô do motor e os instrumentos, além de então utilizar um propulsor mais potente, um Lycoming de 100 hp. No total, foram fabricadas 260 unidades do P-56, sendo 250 adquiridas pelo Ministério da Aeronáutica, que os repassava a diversos aeroclubes brasileiros.
Ainda em 1956, a Neiva se associou à oficina de manutenção de Willibald Weber, que funcionava na cidade paulista de Botucatu. Também desenvolveram outras aeronaves, como o Regente, o Campeiro (voltada para missões de observação militar) e o Universal, rebatizado T-25 posteriormente (avião de treinamento avançado, com capacidade de carregar armamentos). Em 1980, a Embraer adquiriu o controle do capital da Neiva, transformando-se em uma unidade da Embraer em 2006.
Ficha técnica
CAP-4 Paulistinha
Fabricante: Companhia Aeronáutica Paulista
Comprimento: 6,65 m
Envergadura: 10,10 m
Altura: 1,95 m
Velocidade de cruzeiro: 140 km/h
Velocidade máxima: 155 km/h
Teto máximo: 4000 m
Peso vazio: 320 kg
Autonomia: 4h / 500 km/h
P-56 Paulistinha
Fabricante: Indústria Aeronáutica Neiva
Comprimento: 6,76 m
Envergadura: 10,76 m
Altura: 2,08 m
Velocidade de cruzeiro: 80 mph
Velocidade máxima: 93 mph
Distância de decolagem: 285 m
Distância de pouso: 250 m
Autonomia: 4h30min
Capacidade dos dois tanques: 92 litros
IPT
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo foi fundado em 1899 como Gabinete de Resistência dos Materiais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e atua de forma multidisciplinar nos mais diversos segmentos, inclusive na aviação. A continuidade de pesquisas nessa área, na década 1930, foi o ponto de partida para a criação da Seção de Aeronáutica, que deixou o IPT em 1958 e passou a ser subordinada à Diretoria de Aeroportos, da Secretaria de Viação do Estado.
Entre as realizações do instituto estão o ensaio e classificação de madeiras para a construção de aviões; projeto e construção de protótipos de 17 planadores e aviões; projetos de aeroportos; cálculo e fabricação de centenas de hélices que supriram boa parte das necessidades do país durante a Segunda Guerra Mundial e o suporte técnico dado para a fundação e desenvolvimento da Companhia Aeronáutica Paulista.
Na foto acima, estão duas aeronaves projetadas pelo IPT. O IPT-0 “Bichinho II” (PT-KYL), é um avião homologado para acrobacia aérea projetado em 1938 e construído em Rio Claro/SP. O IPT-16 “Surubim” é um avião experimental destinado a ensaios de voo, cujo primeiro voo aconteceu em 1959. Ambos estão expostos no Museu Aeroespacial (Rio de Janeiro).
Curiosidades
Depois de uma enchente do Rio Tietê que interditou por meses o Aeroporto do Campo de Marte, o interventor estadual à época, Armando de Salles Oliveira, se apressou a construção do Aeroporto de Congonhas. Renato Arens, filho do fundador do bairro de Indianópolis (Moema) e um dos primeiros pilotos da Vasp, juntamente com seu instrutor, o comandante Renato Pacheco Jordão, foram os primeiros a pousar no campo de aviação experimental de terra do “Campo da Autoestradas”. A pista também seria usada para pouso e decolagem de monomotores CAP-4 Paulistinha. Em 1936, ainda não possuía infraestrutura básica (hangares, acomodações, pistas pavimentadas e outras necessidades para a aviação regular) para tráfego aéreo e apenas era usado como campo de pouso. Dois anos depois, já estava operando com voos de passageiros e de cargas, além de aviões militares, de treino e de turismo.
Em conjunto com a implantação do Aeroporto, estava o empreendimento de novo conceito urbanístico, idealizado através da autoestrada de rodagem entre São Paulo a Santo Amaro, sendo a primeira estrada de concreto denominada depois de Autoestrada Washington Luís e se tornando mais tarde a Avenida Washington Luis, partindo da região do Ibirapuera, na Vila Mariana, para Santo Amaro passando pelo bairro de Indianópolis, chegando ao bairro de Interlagos, onde foi implantado o Autódromo de São Paulo. Ambos, aeroporto e autódromo, foram empreendimentos projetados e executados pela empresa Autoestradas S/A. Veja mais sobre o Aeroporto de Congonhas clicando no link.
Fontes
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