Antissociais ocultos

Maria Auxiliadora Roggério

Você conhece alguém assim?

É uma pessoa considerada tímida, introvertida. Está sempre com fones de ouvido ou mexendo no celular, mesmo sem prestar atenção, apenas para evitar que lhe dirijam a palavra.

Prefere atividades individuais e gosta de momentos de solidão nos quais a criatividade pode surgir. Interage bem com a família, com um pequeno grupo de amigos, com um ou outro colega de estudo ou do trabalho. Relaciona-se bem com um parceiro que lhe permita usufruir da liberdade da solidão a qual possibilita o surgimento de novas ideias.

Detesta lugares muito cheios. Em lojas, incomoda-se quando os atendentes se aproximam (embora eu não conheça quem não se incomode com o assédio dos vendedores).

Prefere subir escadas a ter que entrar num elevador e sentir-se obrigado a interagir com outros passageiros, mesmo que para um simples cumprimento.

Uma festa é um verdadeiro martírio. Prefere ser o primeiro ou o último a chegar, assim evita cumprimentar a todos os presentes. Procura isolar-se.

Compromissos com conhecidos promovem um grande alívio, quando são cancelados.

É, por isso, chamado de antissocial. Só que não é bem assim, porque um indivíduo antissocial prejudica a sociedade.

No exemplo acima, embora o indivíduo possa interagir com os demais, pois dispõe de habilidades sociais para tanto, escolhe deliberadamente afastar-se das pessoas e, consequentemente, da própria sociedade. É um estilo de vida. Ou seja, pode interagir, mas não quer. Não tem interesse na integração social e prefere não se comprometer com os demais. Apesar de compartilhar com a sociedade determinados valores e regras e seguir certos modelos, a tendência é de inconformismo e de busca por alguma mudança.

A esse conjunto de atitudes e comportamentos em que uma pessoa escolhe consciente e voluntariamente afastar-se dos outros, que não se integra na sociedade ou não aceita certas normas e convenções sociais, o termo apropriado é “Associal”.

Em se tratando de integração à sociedade, alguns fatores como: abandono por parte dos pais, ausência de relacionamento com a família na infância, falta de convivência com outras crianças e ambiente social violento, podem predispor a um tipo de comportamento associal.

Fonte: Introvertidamente
Fonte: Introvertidamente

Por outro lado, há indivíduos que apresentam tendência antissocial ou são portadores do Transtorno de Personalidade Antissocial (psicopatia ou sociopatia).

A tendência antissocial não é um diagnóstico, mas uma etapa normal do desenvolvimento emocional, que tem sua origem no início da vida, a partir da relação mãe-bebê e pode ser observada em quaisquer idades, desde bebês a adultos.

Está ligada à deprivação, ou seja, esta tendência sinaliza que o bebê teve a oportunidade de experimentar um ambiente positivo, suficientemente bom, de ser amado no período em que dependia totalmente da mãe, mas que esse ambiente foi perdido, num período posterior.

Inconscientemente, o bebê, a criança ou o adolescente que sofreu essa perda tenta comunicar essa falta por meio de atos antissociais (fazer xixi na cama, agredir, pequenos roubos…). A criança chora, esperneia, faz birra e dizemos que “ela está querendo chamar a atenção”. É precisamente disso que se trata: esse ato antissocial é um pedido de ajuda, para livrá-la da angústia insuportável que a falha ambiental está causando. Desse modo, o ato antissocial é um sinal de esperança de reencontro daquilo que está sentindo como perdido e deve ser compreendido e tolerado pelos pais, pois aponta para o restabelecimento de algo bom.

Transtorno de Personalidade Antissocial

Para ser diagnosticado com este transtorno, é preciso saber se padrões de comportamentos disruptivos já se apresentavam na infância e na adolescência, antes dos quinze anos de idade.

Ao contrário do indivíduo Associal, o Antissocial não prefere ficar sozinho; vai para a sociedade desrespeitando e violando os direitos dos demais. O desrespeito ao outro e ao patrimônio (como vandalismo) através de agressividade, falsidade ou manipulação são indicativos importantes para o diagnóstico. Outros sinais:

  • irritabilidade, brigas e agressões;
  • maus tratos a animais;
  • matar aula, sair de casa sem comunicar aos pais ou responsáveis;
  • dificuldade em ajustar-se às normas sociais, não conseguir apresentar um padrão de comportamento condizente com o determinado pela sociedade;
  • não sentir culpa ou remorso por suas transgressões;
  • agir por impulso, o que pode levar a comportamentos criminosos;
  • fracasso em fazer planos futuros;
  • indiferença a dor e ao sentimento do outro, podendo, por vezes responsabilizar o outro por sua atitude agressiva ou desonesta;
  • irresponsabilidade: não paga suas contas nem se preocupa com as dívidas;
  • é um mentiroso contumaz;
  • coloca-se em risco e aos outros, demonstrando total descaso pela segurança de si e do próximo (como beber e dirigir, não se preocupar com doenças contagiosas e em evitar sua transmissão, etc.);

Os antissociais ocultos

Há numa sociedade um número variável de indivíduos considerados sadios, maduros, capazes de contribuir com o todo. Há também indivíduos em desenvolvimento pessoal que ainda estão amadurecendo um sentido social à sua existência.

Por outro lado, há uma parcela da população que desenvolve uma tendência antissocial como manifestação da falta de sentido social; e outros tantos que são pró-sociedade, porém contra indivíduos. Estes reagem à insegurança interna por meio da identificação com a autoridade. É uma forma inautêntica, imatura e doentia de ser e podem ser chamados de “antissociais ocultos”.

Assim como os antissociais manifestos, os antissociais ocultos não são pessoas “inteiras”, pois buscam a solução para a cisão de suas personalidades, para seus conflitos internos, no mundo externo.

O antissocial oculto quando em posição de destaque exerce um tipo de liderança socialmente imatura. Quando em situação de liderança, acerca-se dos antissociais manifestos os quais, sentindo-se mais poderosos, passam a tratá-lo com adoração, como a um mestre a quem devem submissão.

Referências

  • Winnicott, Donald W., 1896-1971. – A família e o desenvolvimento individual / D. W. Winnicott; tradução Marcelo Brandão Cipolla. – 3ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2005.
  • __________. A tendência antissocial (1956) in: Privação e delinquência / D. W. Winnicott; tradução Álvaro Cabral; revisão da tradução: Monica Stahel – 4ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2005.

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