Maria Auxiliadora Roggério
O período que vai da infância à idade adulta é variável em diferentes grupos e culturas. Na contemporaneidade, nas sociedades industrializadas, o intervalo entre a puberdade (maturidade biológica) e a maturidade social, compreende a faixa etária de 12 a 19 anos, aproximadamente, sendo a adolescência um processo no qual alterações de ordem biológicas, fisiológicas, psíquicas e sociais são fatores envolvidos no desenvolvimento humano e na busca pela maturidade. No Brasil, é considerado adolescente quem estiver na faixa dos 12 aos 18 anos, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Embora a faixa etária ainda seja considerada para definir esse período do ciclo vital, é preciso considerar que esse critério utilizado para categorizar a adolescência é insuficiente. As transformações dessa fase não atingem a todos da mesma maneira. Condições sociais, históricas, econômicas e culturais específicas promovem uma pluralidade de adolescências e acentuam diferenças entre uma adolescência protegida, que dispõe de um maior poder aquisitivo e incluída no consumo e outra adolescência desprotegida, com pouco acesso ao consumo de bens culturais e de lazer, por exemplo.
É um período de “ensaios/experimentações” da vida adulta, com o propósito de autonomia e maturidade psicológica. Para Winnicott (1975, p.198), a “imaturidade é uma parte preciosa da adolescência”, o que torna possível a vivência de muitas experiências que podem contribuir para o desenvolvimento da sociedade. “A sociedade precisa ser abalada pelas aspirações daqueles que não são responsáveis.” (WINNICOTT, 1975, p.198).
A adolescência é um momento de definição da identidade sexual e de desafios numa relação a dois. Os relacionamentos colaboram para a construção do eu e sua integração ao meio social.
A teoria do desenvolvimento psicossocial de Erik Erikson propõe que o desenvolvimento se dá em oito estágios ao longo da vida, da infância até a velhice. As pessoas passam por conflitos básicos, ou uma crise principal, com um conjunto de desafios específicos, os quais devem ser enfrentados em cada fase para, uma vez resolvidos, servirem de base para os estágios seguintes.
Durante a adolescência e a vida adulta, os principais desafios seriam desenvolver uma identidade, construir intimidade (estreitamento de relacionamentos emocionais), desenvolver um compromisso significativo com o futuro e a próxima geração e aceitar o passado como tendo sido digno/dotado de valor.
Contudo, as tarefas não são universais, embora as pessoas possam enfrentar desafios semelhantes em alguns momentos do ciclo vital, em cada localidade e em períodos históricos específicos, apesar de que algumas mudanças (nossos corpos, mentes, relacionamentos) são previsíveis.
Para Erikson, é muito comum que alguns adolescentes assumam valores e expectativas dos pais, em vez de decidirem por si mesmos. Outros seguem em conformidade com seu grupo, opondo-se aos pais e à sociedade. Alguns parecem sem rumo e não desenvolvem fortes compromissos. Para muitas pessoas, a busca da identidade ultrapassa o período da adolescência, ressurgindo em momentos cruciais da vida adulta.
Em algumas sociedades, a adolescência é vista apenas como um período de transição entre a infância e a vida adulta. Historicamente, com a melhoria da nutrição e a obrigatoriedade da escolarização, a maturidade biológica começou a ocorrer mais cedo e a independência social, mais tarde, aumentando a fase da adolescência.
Na vida adulta, dois aspectos básicos são ressaltados na teoria de Erikson: a produtividade e apoio às gerações futuras (geratividade) e a formação de relacionamentos profundos (intimidade). Mas eventos da vida ligados a relacionamentos de trabalho, familiares ou amorosos não ocorrem linearmente, de maneira previsível. Mudanças de emprego, de foco profissional, casamento, paternidade, divórcio etc., são eventos comuns da vida adulta que sempre levam a novos estágios da vida, assim como ocorrências fortuitas.
Por exemplo, a ideia de um momento certo para sair da casa dos pais, começar a trabalhar, casar e ter filhos. O relógio social varia entre culturas e, em algumas sociedades, as pessoas demoram mais tempo para assumirem estes compromissos. Além disso, como esperar que adolescentes com 15/16 anos, com tão pouca bagagem de vida, que chegaram até aqui superprotegidos pelos pais, com seus desejos prontamente atendidos possam, como num passe de mágica, tornarem-se responsáveis e decidirem uma profissão para o resto da vida, se desejam casar, ter filhos e família para sustentar?
Adultescência é um termo utilizado para nomear o período de desenvolvimento que caracteriza uma adolescência prolongada e a dificuldade de entrada na vida adulta. Isto é, pessoas cronologicamente adultas que não conseguem alcançar maturidade psicológica e realizar a passagem para a vida adulta, permanecendo econômica e afetivamente dependentes dos pais. É algo que se relaciona à educação e aos novos costumes sociais. Os jovens nessa condição não conseguem ou não querem assumir responsabilidades do mundo adulto.
Apresentam dificuldades relacionadas à conquista da autonomia e insegurança quanto ao seu potencial, demonstrando incapacidade em cuidar da própria vida, com implicações nas esferas profissionais e socioafetivas. Julgam não estar preparados para relacionamentos socioafetivos estáveis e duradouros ou para escolhas profissionais que lhes parecem definitivas, imutáveis, o que atrasa a inserção no mercado de trabalho e na consequente independência financeira.
As condições socioeconômicas não são a causa principal para permanecerem nas casas dos pais. Além de emocionalmente despreparados, a cultura do corpo jovem e saudável e a idealização da juventude como uma época feliz colaboram no prolongamento da adolescência, causando insegurança. Adultos inseguros influenciam-se por comportamentos dos jovens imaturos e reforçam a imaturidade dos jovens. Se, culturalmente, manter-se jovem eternamente é o ideal a ser perseguido, porque assumir-se adulto?
A passagem para a idade adulta traz muita angústia para o adultescente que se vê desafiado a escolher caminhos para seu futuro sem garantias de que suas decisões serão acertadas. Assim, não se compromete com nada, pois está sempre esperando por algo melhor, que está por vir. Com medo de arriscar-se frente ao novo e acabar frustrando-se, fica paralisado nessa etapa sem conseguir apropriar-se de seu passado para evoluir e crescer, o que também é muito angustiante.
Essa recusa em crescer e assumir responsabilidades poderia, em parte, estar relacionada à Síndrome de Peter Pan. Este é um termo cunhado em 1983 pelo psicólogo Dan Kiley após estudar um tipo de padrão comportamental. Refere-se a indivíduos que apresentam comportamentos inseguros e infantis, os quais interferem na construção de sua maturidade. São pessoas que preferem viver na dependência dos pais e não conseguem se desligar destes, por medo de julgamentos e rejeição da sociedade, o que leva ao insucesso em seus relacionamentos, sejam profissionais, familiares ou amorosos, pois não conseguem aprofundarem-se em outras relações.
As pessoas com essa síndrome costumam esconder o quanto são frágeis emocionalmente. São egoístas, inseguros, insatisfeitos, têm pouca autoestima. Sentem necessidade em chamar a atenção, como crianças. Não assumem responsabilidades, mas gostam de dar ordens e são exigentes. Têm sempre justificativas e críticas para tudo. São narcisistas, ansiosos, solitários, intolerantes e magoam-se facilmente.
Como não conseguem cuidar de si e responder por seus próprios atos, culpam sempre os outros e, agindo impulsivamente como crianças ou adolescentes, esperam pela ajuda paterna. Por falta de comprometimento com o trabalho, não adquirem estabilidade nos empregos, o que atrapalha o desempenho e gera frustração. Também não costumam demonstrar interesse com a proximidade nos relacionamentos, apesar de serem emocionalmente dependentes. Têm dificuldades em expressar sentimentos e em questões com a sexualidade.
Os comportamentos descritivos dessa síndrome (que não é reconhecida como uma doença psicológica; não consta no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-V) confundem-se com características de personalidades pessoais.
A vida adulta apresenta muitas incertezas e possibilidades que podem gerar medos, conflitos e levar a preferir manter-se no conforto da casa dos pais. Superar a insegurança e a imaturidade, encarando as responsabilidades da vida adulta, podem levar à autonomia e desenvolvimento pessoal.
Fontes
ERIKSON, E. H. (1971). Infância e sociedade. Rio de Janeiro:Zahar Editores
NASCIMENTO, V. R. A., FERRET, J. C. F. A Síndrome de Peter Pan na contemporaneidade. Uningá Review, [S.I.], v.24, n.3, 2015, pp 41-47. Disponível em: https://revista.uninga.br/uningareviews/article/view/1721. Acesso em 1 ago 2024.
WINNICOTT, D. W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro:Imago Editora Ltda.