Maria Auxiliadora Roggério
Certamente você já leu ou ouviu em noticiários que a violência no Brasil alcançou recordes e, embora não estejamos em guerra com nenhum outro país, os números de homicídios superam, em muito, os resultados de conflitos bélicos, também noticiados.
Vivemos assustados, em permanente estado de vigília, inseguros, sem saber aonde isso vai parar, quem será a próxima vítima. Com medo, muitos pensam em deixar o Brasil – ou efetivamente o fazem – para viver em outro país onde possam ter tranquilidade para o básico como o direito de ir e vir, criar seus filhos com liberdade, poder usar seu celular na rua, etc.
Os dados mostram uma realidade alarmante para o nosso país, porém não podemos generalizar e falar de uma violência brasileira.
Violência é uma palavra, um termo usado para designar uma ação ou atos intencionais com uso de força ou coação, crueldade com nossos semelhantes, transgressão às leis. Não podemos “coisificar” a violência como uma entidade, um ser, com forma e conteúdo singularizados. Violência designa uma ação e não uma nação.
Recentemente (e exaustivamente reportado na mídia nacional e internacional) a notícia de um candidato à eleição presidencial ter sido esfaqueado em plena campanha, em meio à população e seguranças, chocou a todos. O agressor, prontamente contido, foi para a delegacia. O agredido, prontamente socorrido, para o hospital.
Perguntado sobre o por quê da violência, ou seja, do ato cruel, o agressor disse sentir-se ameaçado pelo conteúdo das promessas de campanha do referido candidato e temia por sua integridade física, quando, então, Deus o teria orientado a praticar tal ato hediondo.
A polícia trabalhou com a hipótese de que a tentativa de homicídio pudesse ter sido “encomendada” por “candidatos rivais”(as aspas aqui, são para chamar a atenção de que a violência é corriqueira, presente em nosso cotidiano, no qual indivíduos ou grupos de indivíduos passam a decidir o que é certo ou errado, justo ou injusto, sem levar em conta princípios éticos válidos a todos). Aparentemente descartada essa hipótese, agora serão investigadas causas psíquicas.
Ao que parece, o cidadão agressor seguiu suas próprias regras. Ao imaginar-se vítima em potencial de uma situação que se desenhava violenta, truculenta e inevitável na qual privado de sua liberdade pereceria, resolveu sair de sua posição de vítima de um temível e odioso agressor para ocupar a posição desse que, supostamente, o atacaria.
Voltando aos números recordes da violência no Brasil, O Globo (fonte: oglobo.globo.com) informou em junho de 2018 que, segundo o Atlas da Violência 2018 produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com dados de 2016, o Brasil teve uma taxa de homicídio 30 vezes maior do que a Europa (62.517 assassinatos)…mais de meio milhão de pessoas foram assassinadas no país na última década…um total de 153 mortes por dia.
Em 2017 (fonte: elpais.com) foram registrados 63.880 homicídios; sete por hora (!!), 8,4% acima do ano anterior. 175 pessoas assassinadas por dia.
Maioria: negros, pobres, mulheres…Não candidatos.
Ao observarmos esses dados, perde-se a noção do que é perigo real ou perigo potencial e o mundo parece dividido entre fortes e fracos sem levar em conta a individualidade de cada cidadão. A simples expectativa de perigo já leva as possíveis vítimas a aceitar a ideia de exterminar seus possíveis agressores. Diante da vulnerabilidade, melhor atacar primeiro. Assim, agressores cada vez mais violentos surpreendendo suas vítimas, cada vez mais indefesas, para não serem surpreendidos. Vítimas e algozes com medo se confundem, pois o inimigo parece estar em toda parte. Desse modo, a violência parece um monstro horrível que não pode ser enfrentado e que, alimentado pelo nosso medo, só faz crescer.
Como num círculo vicioso: o medo alimenta a violência que aumenta o medo.
Quais os motivos dessas mortes? Quantas ocorreram por motivos banais? Quantas pelo simples pensamento de “era ele ou eu”? Quantos estavam verdadeiramente diante de um perigo real, de legítima defesa? Quantas mortes apenas para mostrar um pretenso poder sobre o outro?
Como então saltar desse círculo?
Mais respeito, empatia, compaixão, consideração pelo outro. Menos desigualdade social.
E o que mais?