Por Paulo Roberto Roggério
A expressão é antiga, e ganhou significativo destaque nos meios de comunicação, recentemente, para noticiar as atividades da Polícia Federal na repressão a atos ilícitos diversos, denominados genericamente como lavagem de dinheiro. Nem todos esses ilícitos são, propriamente, crimes de lavagem de dinheiro, mas os atos ilícitos não constituem o objeto deste artigo, que se destina a comentar a origem desta expressão.
O problema não é novo, e se espraia por todo o mundo. Nos Estados Unidos da América, onde situamos a origem do termo, a lavagem de dinheiro é chamada de money laudering. Na Espanha e países de língua espanhola, o termo é blanqueo de dinero. Em francês, temos blanchiment.
A tradução mais criativa parece estar na Itália: riciclaggio di denaro, assim como os demais termos associados são mais impressivos no idioma italiano: riciclaggio di denaro significa a pulitura do denaro sporco, literalmente dinheiro sujo.
Lavar dinheiro, ou reciclar o dinheiro, compreende as atividades com as quais alguém pretende dar a aparência de lícito àquilo (dinheiro) que tem uma procedência ilícita. Em outras palavras: tentar emprestar legitimidade ao que tem origem ilegítima.
Neste significado, encontramos a impropriedade de generalizar a expressão lavagem de dinheiro a atos ilícitos diversos. A maioria dos atos ilícitos descritos pela imprensa compreende a origem do dinheiro sujo em si: dinheiro provindo da corrupção, de propinas e subornos, produto de crimes diversos, constituindo recursos que são literalmente escondidos em contas bancárias em outros países.
Quando o dono do dinheiro sujo, assim entendido todo aquele que não tenha origem legalmente definida e, por extensão, moralmente aceitável, pretende dar-lhe uma aparência legal, aí ocorre a lavagem do dinheiro, propriamente dita.
Isto ocorre, normalmente, mas não exclusivamente, quando o possuidor do dinheiro sujo precisa empregá-lo em uma atividade lícita, por exemplo, se deseja comprar um imóvel em seu próprio nome. Neste caso, ele precisa dar a aparência de legal ao dinheiro com o qual pagará a sua compra, mesmo que, em essência, a origem dos recursos continue moralmente reprovável.
Devemos considerar que, na lavagem de dinheiro, o dinheiro, em si, já existe. O que lhe falta é a roupagem de licitude. Por isso, seu dono, que já cometeu ilícito anteriormente, ao adquirir o dinheiro sujo, cometerá outro, ao forjar ou simular uma atividade lícita para registrar seu dinheiro. Esta explicação se popularizou ao definir a atividade simulada como a lavagem do dinheiro que, por não ter origem lícita, era sujo.
Possível afirmar, com estes comentários, que o ato de trazer dinheiro de volta é que pode ser chamado de lavagem de dinheiro, mas não o de enviar dinheiro para fora do país, que tipifica crime com outro nome.
Quando alguém procede à lavagem do dinheiro, ou trazendo de volta dinheiro sujo que estava no exterior, ou dinheiro sujo que estava escondido aqui mesmo no Brasil, este alguém está acrescentando mais um crime a uma lista dos ilícitos que necessariamente praticou antes:
- Ao receber o dinheiro ilícito: o crime pode ser de corrupção passiva, peculato, suborno, roubo, furto, propina e qualquer espécie penal, ou qualquer outro, como “bater carteira” com os recursos e meios disponíveis atualmente.
- Como a origem do dinheiro é ilícita, não se pode esperar que o seu dono tenha pago os impostos que seriam devidos (imposto sobre serviços, imposto de renda etc …). Desta forma, cometeu ilícitos tributários.
- Se o dinheiro foi enviado ao exterior, há o crime de evasão de divisas.
- Ilícitos administrativos diversos ao longo do tempo: falta da declaração de imposto de renda, ausência de declaração de operações cambiais etc …
Se os atos ilícitos são descritos no Código Penal, a locução lavagem de dinheiro vem de uma prática adotada nos Estados Unidos, nos primórdios do Século XX.
A máfia (expressão genérica para designar organizações criminosas de qualquer natureza), nos Estados Unidos, necessitava declarar uma parte de sua renda ilícita, para que parecesse lícita. Com isso, poderia justificar a propriedade de imóveis e automóveis, por exemplo.
A solução encontrada pelos mafiosos foi a de instalar uma rede de lavanderias, as quais, ao que se tem notícia, jamais lavaram uma única peça de roupa. Mas declaravam receita, e sobre ela pagavam impostos.
É que não havia, à época, mecanismos para conferir a quantidade de peças supostamente lavadas, com o consumo de água de cada lavanderia. Seria mais um crime quase perfeito, não fosse ……..
Das redes de lavanderia dos Estados Unidos, há um século, é que veio o termo lavagem de dinheiro, usado no mundo inteiro para designar uma etapa final de ilícitos penais e tributários praticados em série. A expressão é válida, pelo menos por enquanto.
Deveras: as expressões: ladrão de galinhas e batedor de carteiras, hoje nem citadas em livros são, mas retratavam os perigosos “meliantes” de outrora. A expressão lavagem de dinheiro também vem destes tempos passados. “Ladrão de galinhas”, “batedor de carteiras” e “lavagem de dinheiro” são expressões que podem evocar dois sentimentos ambíguos: aos estudiosos e interessados, a sensação quase bucólica do tempo em que o grande risco era o de perder algumas galinhas ou a carteira. E a lavagem de dinheiro se fazia numa lavandeira stricto sensu.
O outro sentimento, bem diverso do primeiro, é de que a evocação destas figuras antológicas do passado, no sentido em que este termo deve ser entendido, parece bastante infantil e inocente.
“Ladrão de galinhas”, “batedor de carteiras”, “filipetas”, “conto do bilhete premiado” e tantos outros “golpes”, não fora as exceções de praxe, parecem ser destinados aos livros de história. Assim também para a “lavagem de dinheiro”.
Os crimes patrimoniais, infelizmente, avançaram muito na técnica e na prática, na ousadia e na certeza de impunidade que parece ser uma característica dos meliantes de um presente cada vez mais triste. Se os “meliantes” avançaram a passos largos, ao menos os italianos deram um passo, tímido, é verdade, para dar novo nome à lavagem de dinheiro: reciclagem de dinheiro.
Se não podemos dizer que a expressão é politicamente correta, não deixa de ser criativa. Enquanto isso, os sofisticados batedores de carteira de hoje não seguram uma sonora gargalhada se alguém lhes chama pela qualificação, ou apenas insinua sua verdadeira profissão: – “Batedor de carteiras, eu?! Ora, bolas, ainda não viram nada”!