Drummond e a rosa

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), mineiro de Itabira, é considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX e foi um dos principais artistas da segunda geração do Modernismo brasileiro. Assim, segue a libertação proposta por Mário e Oswald de Andrade, na qual institui o verso livre (métrica irregular) e o verso branco (sem rimas), ironia e linguagem coloquial. Uma biografia com uma linha do tempo de sua vida poder ser vista clicando no link.

Estátua de Drummond na Praia de Copacabana - "No mar estava escrita uma cidade". Fonte: Wikipedia
Estátua de Drummond na Praia de Copacabana – “No mar estava escrita uma cidade”. Fonte: Wikipedia

Entre 1930 e 1940, Drummond esteve em sua fase de maior reflexão existencial, isolamento e pessimismo. Dentre as obras mais famosas dessa época estão “Alguma poesia” (1930) e “Brejo das Almas” (1934). Também é chamada de fase “gauche”, devido ao famoso verso “Vai, Carlos! ser gauche na vida” do Poema de sete faces. “Gauche” é uma palavra francesa que significa “esquerdo”, tendo assim a ideia de ser estranho, deslocado, diferente. Depois, acaba percebendo que ser gauche é universal, pois é uma consequência de se estar em um mundo problemático.

Na década de 1940, simpatizou-se com a causa socialista. Em “Sentimento do mundo” (1940), em José (1942) e sobretudo em A rosa do povo (1945), Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um todo. Em 1945, a convite de Luís Carlos Prestes, Carlos Drummond de Andrade atuou como editor da Tribuna popular, jornal recém-fundado pelo Partido Comunista.

Após rompimento com o partido, seu ceticismo em relação à militância, muito documentada no diário mantido pelo escritor e em algumas entrevistas, coincidiria com o afastamento de sua poesia em relação aos temas sociais. Depois dessa fase, sua criação poética segue duas orientações: poesia reflexiva (temas como morte e passagem do tempo) e nominal (ressalta recursos fônicos e visuais do texto).

Em 1954, começou a colaborar como cronista no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no Jornal do Brasil. Também inicia com sua fase memoralista, na qual é publicada a obra “Boitempo”, inicialmente em três volumes: Boitempo I – (In) Memória (1968), Boitempo II – Menino antigo (1973) e Boitempo III – Esquecer para lembrar (1979). O título é um portmanteau (palavra resultante da fusão de outras duas, geralmente gerando um neologismo, ou seja, criando uma nova palavra) de boi e tempo, remetendo à infância rural do poeta.

Em 1984, Carlos Drummond de Andrade despediu-se dos jornais com a publicação da crônica “Ciao”. Sua grande produção nos jornais o tornou um “companheiro do café da manhã”, como Drummond se definia, e um dos mais populares escritores brasileiros.

A Rosa do Povo

Escrita entre 1943 e 1945, é a mais extensa obra do autor sendo composta por 55 poemas. Também é a de maior expressão do lirismo social e modernista, considerada como uma tradução de uma época sombria, da Segunda Guerra Mundial. Ela reflete um tempo, não só individual, mas coletivo no país e no mundo onde o autor capta o sentimento, as dores, e a agonia de seu tempo. No título, a rosa representa a poesia (expressão) das pessoas daquela época.

Os textos são constituídos de metáforas, com frequência também aparecem elipses (construção em que busca-se evitar o repetimento de palavras) e elementos surrealistas. O poeta utiliza tanto do “estilo sublime” (padrão elevado da língua culta) quanto do “estilo mesclado” (linguagem elevada e linguagem coloquial).

Veja esses versos do poema “Carrego comigo”:

“Carrego comigo
há dezenas de anos
há centenas de anos
o pequeno embrulho. (…)
Não ouso entreabri-lo.
Que coisa contém,
ou se algo contém,
nunca saberei.”

O embrulho pode ser visto como uma ideologia política. Em tese, uma ideologia funciona perfeitamente, e por isso a seguimos, apostando no bom funcionamento delas. No entanto, estaríamos mais seguros e aliviados se soubéssemos previamente a eficácia do método, como vemos no outro trecho “Se agora te abrisses/e te revelasses/mesmo em formas de erro,/ que alívio seria!”. Enfim, percebemos que lutamos por algo desconhecido, que nunca vimos em prática e que depositamos todas as nossas esperanças. O medo e a repressão nos impedem de abrir o embrulho, testar o método, mas a certeza de que daria certo nos faz andar sempre com ele, sem nunca desistir de carregar conosco nossas desconhecidas convicções.

No poema “O medo”, Drummond critica desde a base social e educacional até a condução política pela qual o Brasil estava caminhando:

“E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
Vadeamos.
Somos apenas uns homens
E a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.”

São apresentados aspectos capitalistas como o consumo e a indústria, assim como suas consequências, junto com as guerras (como a Segunda Guerra Mundial, que estava acontecendo), doenças e “fomes” – no plural porque pode indicar fome de comida, de liberdade, de dignidade, etc. O medo é utilizado como uma arma pelo sistema capitalista e pelos ditadores (o Brasil estava na Ditadura do Estado Novo) para o controle social.

Já no poema “Nosso tempo”, o jogo entre os termos “partido” e “partidos” logo nos primeiros versos dá o tom do resto do texto:

“Este é tempo de partido
tempo de homens partidos”

Com isso, Drummond apresenta a fragmentação e alienação do homem, assim como a pretensa obrigatoriedade do homem tomar partido (ter uma opinião) a respeito de tudo.

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