Colaboração de Ricardo Vilela
As tempestades elétricas ocorrem em nuvens do tipo Cumulonimbus e estão associadas a precipitações intensas, ventanias e granizo. Podem provocar inundações em curtos espaços de tempo, deslizamentos de terra em encostas, riscos a segurança de voo, mortes e transtornos à população em geral.
Para haver eletrificação de nuvens, primeiramente é preciso existir hidrometeoros sólidos, ou seja, gelo. Graupel é o nome dado a precipitação de neve que cai na forma de pequenas esferoides de gelo. Já rime (ou riming) é a deposição de cristais de gelo em superfícies cuja temperatura seja próxima de 0ºC, ou seja, quando gotículas de água líquida (gotículas de nuvem ou nevoeiro) ou vapor d’água congelam ao atingir uma superfície sólida.
A eletrificação das tempestades ocorre com a separação física de partículas carregadas com cargas opostas dentro da nuvem, originadas pela interação de hidrometeoros dentro das nuvens. Esse mecanismo pode ser de origem convectiva ou precipitativa, mas que estão ocorrendo concomitantemente.
Em uma condição de bom tempo, existem íons positivos livres na atmosfera. Proposta independentemente por Grenet (1947) e Vonnegut (1953), o mecanismo convectivo sugere que esses íons positivos próximos da superfície são transportados para dentro da nuvem através das correntes ascendentes. Esses íons são capturados por hidrometeoros e, conforme penetram na nuvem, atraem íons negativos livres na atmosfera que formam uma camada de blindagem induzida pela corrente descendente da circulação convectiva. A corona ocorre quando a energia potencial em volta do condutor é alta o suficiente para formar uma região condutiva porém não alta o suficiente para criar um arco voltaico.
Proposta por Elster e Geitel (1888), a eletrificação por precipitação afirma que transferência de cargas entre os hidrometeoros, e consequentemente a separação de cargas na nuvem, ocorrem devido à diferença de velocidade de queda dos hidrometeoros que colidem entre si, transferindo massa e carga elétrica. Por exemplo, gotas de chuva, granizo e graupel em queda colidindo com gotículas de água e cristais de gelo em suspensão.
Essa hipótese pressupõe que os hidrometeoros estejam polarizados, ou seja, estando sob a influência de um campo elétrico, as moléculas de água se orientam de modo que na superfície de um hemisfério do hidrometeoro se posicionam os íons de determinada polaridade e no outro hemisfério a polaridade oposta. Essa orientação é guiada pela direção e sentido dos vetores do campo elétrico ambiente, classificando assim o processo como sendo indutivo (ou por rebatimento).
Caso o movimento dos íons associados ao campo elétrico seja menor que a velocidade dos hidrometeoros, pode ocorrer a captura seletiva de íons: são repelidos ao colidirem com íons de mesma carga e são capturados por íons com carga de sinal oposto, aumentando a carga interna do hidrometeoro na polaridade do íon capturado – Wilson (1929).
De modo semelhante, o mecanismo de rebatimento de partículas, sugerido por Elser e Geitel (1888), propõe que uma partícula precipitante polarizada (água líquida ou gelo) transfere cargas quando colide com outra partícula de nuvem também polarizada. A eficiência desse mecanismo depende das superfícies de contato terem polaridades opostas, assim como raio das partículas e tempo de contato. Nesse processo, portanto, gotas que possuem velocidade de queda maior contribuirão com cargas na parte inferior da nuvem.
Caso a partícula polarizada for quebrada, o resultado pode ser de fragmentos com acúmulos de carga positiva ou negativa. Esse é o processo de quebra da gota.
A polarização dos hidrometeoros também pode ocorrer de maneira não indutiva, ou seja, sem a necessidade da presença de um campo elétrico pré existente. Nesse caso, a polarização pode ocorrer devido ao gradiente de temperatura do hidrometeoro, no que se conhece por efeito termoelétrico. Os íons H+ dissociados das moléculas de água tem maior mobilidade e se difundem com mais facilidade em menores temperaturas. Assim, a acreção de um graupel com água super-resfriada, por exemplo, induziria cargas positivas na superfície. Isso ocorre porque a água na superfície está mais fria do que o interior do graupel, pois este recebeu calor latente do processo de congelamento da água super-resfriada. Se a temperatura no local da colisão for maior do que a temperatura de inversão de carga (em torno de -15°C), o graupel transfere uma carga negativa para o cristal de gelo. Caso contrário, transfere uma carga positiva.
O mecanismo graupel e gelo é considerado o mais efetivo na transferência de cargas em nuvens. Foi proposto por Takahashi (1978) a partir de simulações, que mostraram que a eletrificação intensa sobre o rime ocorre preferencialmente numa condição coexistência de cristais de gelo e gotículas super-resfriadas. Num ambiente onde só exista um ou outro a eletrificação do rime não é identificada. A magnitude e a polaridade das cargas nesse processo depende da temperatura e do conteúdo de água liquida (LWC).
As simulações mostram que, para temperaturas superiores a -10ºC, o rime se eletrifica positivamente, independente do LWC. Para temperaturas abaixo de -10ºC a eletrificação é negativa tanto em condições de LWC alto como baixo. Já para um LWC intermediário, o rime eletrifica negativamente.
Descarga elétrica atmosférica (vulgo raio)
A separação de cargas na nuvem pode gerar um campo elétrico suficientemente grande capaz de produzir descargas elétricas na atmosfera, que ocorrem quando há a quebra da rigidez dielétrica do ar. As regiões carregadas podem muitas vezes serem tratadas como dois planos paralelos com campo cujo valor seja menor da rigidez dielétrica do ar (0,8×106 V/m) antes do raio.
O início da descarga elétrica, no caso de um raio indo da nuvem para a terra, se move em passos discretos com aproximadamente 50 metros cada, conhecido como raio líder. O crescimento desse raio implica no aumento do canal gerado no seu percurso, que é um caminho ionizado com cargas depositadas ao longo do mesmo.
Quando o raio líder está próximo da terra, ocorre uma grande diferença de potencial entre o raio e a terra, formando-se um raio a partir da terra que intercepta o raio líder. Quando conectados, uma descarga de retorno segue pelo caminho ionizado para cima, com uma velocidade próxima a da luz. Essa descarga de retorno libera energia suficiente para ionização do ar, que ocasiona o brilho, e aquecimento do ar, que gera o trovão.
Ainda sobre a descarga líder, ela é bidirecional, ou seja, existe uma ramificação de menor comprimento orientada para cima.
Bibliografia
- Elster , J., and H., Geitel, 1888: About a method for determining the electric nature of atmospheric precipitation. Meteor. Z., 5, 95-100
- Grenet, G., 1947: Essai d’explication de la charge eletrique des nuages d’orages. Ann. Geophys. 3, 306-307. (For English translation, see Atmos. Res. 30, 176-179.
- Takahashi, T., 1978: Rimming electrification as a charging generation mechanism in thunderstorms, Journal of the Atmospheric Science, 35, 1536-1548.
- Vonnegut, B., 1953: Possible mechanism for the formation of thunderstorm electricity. Bull. Am. Meteorol. Soc. 34:378.
- Wilson, C.T.R., 1929: Some thundercloud problems. J. Franklin Inst., 208, 1-12.
- The science of weather: What’s the difference between ‘rime’, ‘glaze’ and ‘hoar frost’?
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