Para quem acha que os matemáticos são aqueles caras de óculos com a calça lá em cima e só prestam para dividir a conta do jantar entre amigos, é porque não conheceu Willian Raphael Silva. Além de ter múltiplos talentos, ele edita livros de matemática, sabe fazer mágicas, é muito criativo, gênio, filantropo, … digo, comecei a confundir com outro cara multi tarefas 😛
Formado em Matemática pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP (IME), mantém o site Humor com Ciência, que tem como o objetivo principal divulgar a ciência de maneira descontraída e divertida, além de tratar de assuntos sobre cultura pop e arte. Lá é possível curtir as tirinhas, que tem tudo a ver com o nome do blog.
– Como que começou esse seu caso com a música e os desenhos?
A minha família tem um quê de música já. A minha mãe e os meus tios tocavam em igreja, e eu desde pequenininho ouvia a família tocando música. Inclusive, na época da 5ª série, eu troquei meu Master System por um violino, e fui aprender violino na igreja. Fiquei um bom tempo lá (um ano mais ou menos). Estudei por um livro de teoria musical chamado Bonna (na verdade, mais para leitura de partitura).
Depois acabei saindo da igreja mas ainda não larguei da música, só do violino, que é mais difícil de tocar. Aí o meu pai me comprou um cavaquinho, minha mãe não gostou muito: “você sai da igreja pra virar pagodeiro??” rsrs Mas eu nem comecei tocando cavaquinho, comecei com pandeiro. Na 6ª, 7ª série eu tocava mais o pandeiro. Depois, um amigo da escola começou a tocar cavaquinho e me passou uns acordes. Comprei várias revistas de cifra e fiquei treinando lá em casa. Deu até dó dos meus irmãos porque eu ficava o dia inteiro lá “dig dig din dig din” até sair alguma coisa.
Eu toco, lá na Moderna [trabalho], tem um pessoal que toca também. Acabei me juntando e faço parte de uma banda chamada “Os Fabiolosos” (porque as pessoas que formaram o grup se chamam Fábio) como free lancer. Além de treinar com eles, eu saí do “Mundo do Samba” (onde eu tocava) e depois fui tocar rock com o pessoal da Moderna. Acabei comprando guitarra, eu já tocava violão na faculdade, no Parque Cientec também [antigo trabalho]… as pessoas acham que bem parecido tocar guitarra e violão mas não é muito não. O violão é mais acorde cheio, a guitarra tem uns riffs, umas coisas mais características que só dá pra fazer na guitarra.
Com relação aos desenhos, eu nunca desenhei bem quando mais novo, mas os adultos falavam que eu desenhava bem. E eu acho que o fato deles me enganarem me ajudou rsrs e o meu irmão desenhava bem próximo de mim, só que o pessoal não elogiava o dele. A minha tia desenhava bem pra caramba, eu tinha dois tios que desenhavam bem, e eles me incentivaram. Tinha uma amiga da minha mãe que me comprou um estojinho da Faber Castell; eu fiquei maluco, e começava a desenhar e não parava mais. Eu era o tatuador da cadeia: desenhava em qualquer lugar, pra todo mundo e sempre parar. Acho que o treino me ajudou pra caramba no nível que eu tenho hoje.
– O que te motivou a fazer tirinhas?
Desde pequeno, quando meu pai comprava jornal, a única coisa que eu queria fazer era ir na parte das cruzadinhas e das tirinhas. E não era só eu, era todo mundo da casa que queria ver. Turma da Mônica, Calvin… Com o tempo, percebi que eu não gostava do modelo educacional da escola e queria algo diferente. Como trabalhei no Cientec, em escola pública, em linha editorial, e é sempre o mesmo modelo.
Existem escolas com diferentes modelos de ensino, como a Escola da Ponte (Portugal), que não separa as crianças por série: tá tudo junto, faz um projeto gigantesco, todo mundo se ajuda… em São Paulo também tem umas escolas que trabalham de maneira parecida. Tem uma em Heliópolis que derrubaram os muros para a comunidade fazer parte da escola, ela tem que saber que esse espaço também é dela. Os alunos pegam um tema (revolução Francesa, por exemplo) e trabalham nele até o final do ano. Dentro disso, vão ver os costumes, a matemática da época, a economia… tudo isso tá interligado e cada professor de cada área vai avaliando o aluno através desse processo.
Então eu pensei: é possível passar o conhecimento de uma forma diferente da que está no livro, nesse caso usando a arte como recurso principal (música e tirinhas). E por que não passar a informação que eu tenho na forma de tirinha? É você tentar resumir ao máximo um conceito complexo de um livro didático em três, quatro quadrinhos. É aquele quê de descontrair. O livro didático é muito frio, não tem humor (nem bom nem mal). O site “Humor com Ciência” não é só bom humor, é humor. Às vezes coloco uma coisa lá com raiva, reclamando de alguma coisa ou faço uma tirinha com bom humor. E também ajuda a guardar alguma coisa na cabeça.
– Sobre o novo logo do Comissário Nerd, como foi o processo criativo, que programas vocês usou para fazê-lo?
Primeiro, fiquei olhando bastante o site (Monolito Nimbus) e pensei “tem que fazer alguma coisa na mesma linha de raciocínio”. O monolito (do filme “2001: uma odisseia no espaço“), que é bem expressivo no filme, mas também é o computar HAL9000, a inteligência artificial. Eu não vou fazer o monolito de novo, então vou pegar esse outro elemento. O Kubirck o deixou bem sombrio, então o fundo do logo foi bem escuro também. Também coloquei o chapeuzinho da comissária, que já tinha no logo anterior [uma arte com uma comissária vestindo um uniforme da Pan Am de óculos de aro grosso e fazendo a saudação de “vida longa e próspera” do sr. Spok, de Jornada nas Estrelas] e assim não vou perder muito essa identidade.
Quanto à parte do texto “Comissário Nerd”, eu pensei “será que vai fazer a ligação? Vou colocar um aviãozinho separando as palavras”. E também usei o estilo “flat design”, que tá sendo muito utilizado por aí, inclusive eu usei no meu site [Humor com Ciência] – se você reparar, é tudo bem chapadão, você não tem degradê. Até o próprio bugio do logotipo tá diferente do das tirinhas. A sombra é bem marcada, dividida no meio, não tem curvinhas. Até a fonte eu escolhi porque combina mais com o flat design.
E os programas… eu uso um aplicativo no meu tablet que é o Pro Create, que é onde eu faço as minhas tirinhas – rascunho e arte final. Só a letra que eu faço em outro programa (Paint, Word… mas o que eu costumo usar é o Flash, mas pode usar o Photoshop online). Esse, em específico, eu fiz o rascunho no Pro Create, depois passei pro Flash e fiz tudo por lá. Se você for reparar no logo, o HAL é um círculo perfeito; a letra eu vou colocar lá também, então falei “ah, faço tudo por lá”. A única coisa que foi um pouco mais difícil pra fazer foi o chapeuzinho – algumas curvinhas eu tive que fazer na mão mesmo.
– Por quê decidiu fazer Matemática?
Não foi uma decisão fácil. Eu tava no cursinho… quando terminei o ensino médio, eu nem pensei em fazer faculdade, eu já queria trabalhar e pronto, acabou. Mas aí o meu pai falou “faz um cursinho, aí você faz faculdade e vai ser alguém na vida”. Só que pra fazer o cursinho é caro, então eu comecei trabalhando Directv. Passava de porta em porta “ow dona de casa, deixa eu te vender um Directv”. E depois eu trabalhei em uma gráfica. Aí juntei o dinheiro desses dois e paguei o cursinho. Meu pai também ajudou pra pagar.
Fiz seis meses de cursinho, e eu tava em dúvida entre três cursos que eu queria fazer: letras, matemática e música (ou educação artística, alguma coisa que envolvesse desenho). Falei “vou fazer arte, que é o que eu mais gosto”. Só que no cursinho eles mostram o tipo de prova do que você vai fazer, e quando fui ver a prova de música, eu falei “nossa mano, eu não vou passar nunca!” Eu nem pensava em mercado de trabalho, eu só queria fazer porque eu gostava. Quando preenchi a ficha da Fuvest, a primeira opção foi Matemática e a segunda foi Letras. Eu gosto pra caramba de letras: poesia, literatura…
Vai parecer um pouco de misticismo, mas acho que quem manja um pouco da área de exatas tem um certo diferencial na hora de partir para uma outra coisa. Não sei se é o fato do método, ou de ser organizado, ou de falar assim “ó, por esse caminho não deu certo, então vamos tentar o outro”… mas acho que isso me ajuda a resolver vários problemas da minha vida.
– Sobre o site Humor com Ciência, como foi o começo e quais são os projetos que está desenvolvendo?
No começo [janeiro de 2010], eu queria criar um blog para divulgar as minhas tirinhas, uma forma diferente de estudar as coisas, de uma forma mais irreverente. Eu tinha algumas ideias de tirinhas, eu fazia na sulfite, scaneava, passava pro programa Flash, transformava em vetor para depois exportar pro blog. Hoje eu já tenho um tablet, consigo fazer o desenho lá [em meio digital] e exportar com uma qualidade muito boa.
Então eu fui aprendendo da extensão das imagens, qualidade, que se for vetor é bom pra vender pra editora (descobri isso na prática também). Para mim, desenhar bem é você fazer o desenho rápido com a mesma qualidade que você fazia anteriormente.
Dos projetos que estou desenvolvendo, alguns deles já estão no site. Por exemplo, resoluções de exercícios do ENEM. Tá bem no começo ainda, já gravei algumas coisas, o Jefferson [amigo e colega de trabalho na Moderna] tá participando, pra fazer a parte de Física. As universidades estão cada vez mais adotando o ENEM, um monte de jovens está estudando pro ENEM porque depende disso para entrar em uma universidade. O negócio é fazer com um modelo de resolução que chame a atenção do público, já que é uma coisa que ninguém gosta de ver, é uma coisa chata, só que eles precisam.
Esse modelo [de resolução de questões do ENEM] é gravar com alguém comentando do lado o exercício, que não seja da área. Isso ajuda para assimilar o conhecimento. Tem um estudo que mostra um vídeo que as pessoas gostam mais e outro que gostam menos [é o mesmo trabalho feito nos dois vídeos, mas mostrado de maneiras diferentes]. O vídeo que gostam mais, depois de aplicada a prova, as pessoas não conseguem colocar todo o conteúdo que aprenderam no vídeo, e no vídeo que elas gostam menos são usados erros que as pessoas costumam cometer e trazem uma pessoa pra fazer o comentário em cima daquela resolução. Por exemplo: você faz um vídeo de Física e você chama alguém que não entende tanto de Física. Na sua resolução, a pessoa vai ficar com dúvida, e essa pessoa vai ser o ouvinte, que vai fazer pergunta pra você.
Tem também três modelos de podcast no site: o talk show, o podcast mesmo (mais curto) e o “mais café” (podcast do Nelson). Além disso, tem os audiodramas, que são as tirinhas que eu faço na versão áudio. Tem ainda um novo modelo de podcast que tá vindo aí, o “botecast”, que é uma conversa de bar: são dois amigos em um bar, comendo e tomando umas (eu tomo Yakult né rsrs), comendo petisco e trocando ideia sobre assuntos do dia a dia. Podem vir perguntas de leitores, que o garçom que vai trazer, “o mocinho da mesa tal que perguntou”. Daí se a gente gostou da pergunta a gente fala “ah, paga uma cerveja pro cara ali”. E se alguém falar alguma merda, “pera aí que eu vou no banheiro” e dá descarga. E pra finalizar o podcast eu falo “dá pra fechar a conta aqui?”
Uma coisa que percebi é que sou muito preocupado com o conteúdo e com a estética. Eu tento deixar o negócio da forma que eu gostaria de ouvir, só que se você começar a ver algumas coisas novas que tem no youtube, tem gente que começa a gravar o vídeo e não edita nada. Deixa como estava lá. E o cara tem 100 mil views. Pode ser um modelo que surgiu agora. Comprei um microfone de lapela por conta disso [melhorar a qualidade do áudio gravado]. Os vídeos que gravei em João Pessoa percebi na pele, é muito vento (o vento nasce lá e faz a curva no Acre rsrs).
O livro que eu to fazendo lida com dez áreas do conhecimento – eu separei em dez, pode ser mais, pode ser menos; fiz assim porque coloquei no blog assim e preferi manter a coerência. O formato do livro é próximo do quadrado (eu, Willian, quando mexo nos livros, eu gosto desse formato). Peguei todas as tirinhas que eu tenho, e mais algumas novas, que eu to fazendo só pro livro. A ideia foi fazer algo além do impresso. Quando a pessoa comprar o liro, ela vai ter algo a mais, que é a transmídia: ele tem o impresso, mas posso pegar o celular e apontar para o QR code e ir para um vídeo no youtube ou ir para um podcast no meu site ou ir para um link externo com texto complementar. Além disso, a pessoa vai usar o marcador para interagir com o livro, tem uma parte de colorir… porque eu gosto de pintar, eu acho bem desestresante. Então vou colocar alguns personagens meus para as pessoas pintarem. Os ícones e as cores estarão no site também, no mesmo padrão: por exemplo, azul claro para Matemática. O projeto gráfico do site e do livro estão interligados.
E não vai ter nenhuma propaganda. Se você abre o UOL, é um milhão de pop ups na tua cara! Eu odeio isso, cara. É muito chato. O Catraca, você vai sair do site e vem a pop up “ow, você já vai sair?” Não me diz o que eu tenho que fazer. E no meu site eu tentei ser o mais limpo o possível: só se preocupar com o conteúdo. E a parte de design casar com o conteúdo, nada de disputar com o conteúdo. Você abre e tem um ícone que faz referência ao conteúdo, uma capa que faz referência ao conteúdo, a cor também. Então nada de propaganda, pra não deixar com a cara de macacão de piloto de fórmula 1 e para transformar a experiência do leitor com o site em uma coisa agradável. Porque eu vejo por mim: eu não gosto, eu acho que as pessoas também não vão gostar. E como eu já to na filosofia de divulgar e compartilhar conhecimento de forma livre e gratuita, mais um motivo pra não ter propaganda no site.
O Willian também propôs para o RH do atual trabalho dele um projeto de compartilhamento de conhecimento (“tudo na faixa”). A proposta é de que as pessoas pudessem dar uma hora de aula sobre o que elas sabem para qualquer outra pessoa que quisesse participar. Seu objetivo inicial era compartilhar Matemática Financeira com os funcionários da manutenção e agora segue com alguns alunos sobre percepção musical.
Visite o site Humor com Ciência para curtir o humor inteligente e ainda aprender ciências de um modo divertido.
Obs: Para uma melhor harmonia no site, também foi alterada a fonte do logo principal de Nimbus Roman N° 9 L Bold Italic (serifada) para a Bangers (sem serifa), fonte livre do Google. As serifas são os pequenos traços e prolongamentos que ocorrem no fim das hastes das letras. Tradicionalmente, os textos serifados são utilizados em blocos longos, enquanto textos sem-serifa (ou sans-serif, em francês) são mais adequados em textos mais curtos, como títulos. A descrição do site também foi alterada: de “Ciências, Aviação, Informática e curiosidades” e “porque a vida não é um assunto só” para “o conhecimento está em toda parte”.
Valeu, garoto! \//_
Não tem por onde 😛
Ah, ontem ouvi esse podcast, lembrei de você http://www.scicast.com.br/54-ibere-thenorio-do-manual-do-mundo/
O Iberê é muito bom! 🙂