A paixão do cineasta Hayao Miyazaki pela aviação e pela natureza permeia profundamente sua vida e obra. Desde sua infância, Miyazaki foi fascinado pela beleza e pela liberdade dos céus, influenciado pela atmosfera pós-guerra e pelos avanços tecnológicos na aviação. Conheça um pouco mais das animações do estúdio que ajudou a fundar e com grande influência da aviação e dos céus: Nausicaä do Vale do Vento, Castelo no céu e Vidas ao Vento.
O Studio Ghibli é uma renomada empresa de animação japonesa, fundada em 1985 por Hayao Miyazaki, Isao Takahata, e Toshio Suzuki. Inclusive, seu nome vem do termo árabe líbio “ghiblī”, que se refere a um vento quente do deserto e também é um apelido para a aeronave italiana Caproni Ca.309. Reconhecido mundialmente por suas produções cinematográficas únicas e cativantes, o estúdio é aclamado por suas histórias emocionantes, personagens complexos e animação artesanalmente detalhada. Ao longo das décadas, o Studio Ghibli conquistou uma base de fãs fervorosos e recebeu inúmeros prêmios e elogios da crítica, estabelecendo-se como uma das mais influentes e respeitadas casas de animação do mundo.
Hayao Miyazaki, cofundador do Studio Ghibli, é um dos mais proeminentes diretores e animadores da história da animação. Nascido em 1941, Miyazaki é conhecido por sua imaginação extraordinária, visão artística distinta e habilidade única em contar histórias que transcende gêneros e idades. Seus filmes, como “A Viagem de Chihiro”, “Meu Amigo Totoro” e “O Castelo no Céu”, são reverenciados por sua narrativa envolvente, profundidade emocional e atenção aos detalhes. Miyazaki é um mestre em criar mundos fantásticos que cativam tanto crianças quanto adultos, deixando um legado duradouro na indústria cinematográfica e inspirando gerações de cineastas e espectadores ao redor do mundo.
A fascinação de Miyazaki pela aviação remonta à infância, seu pai era dono de uma oficina de montagem de aeronaves durante a Segunda Guerra Mundial e ele viu a tecnologia aeronáutica desempenhar um papel significativo no conflito. Além disso, Miyazaki cresceu em uma época em que a aviação estava passando por avanços significativos e aeronaves como os caças Mitsubishi Zero eram ícones de poder e inovação tecnológica no Japão. Essas experiências moldaram sua visão do mundo e influenciaram muitos de seus filmes, nos quais a aviação e a natureza frequentemente se entrelaçam, em um profundo respeito pela arte de voar, encontrando liberdade, beleza e aventura nos céus, elementos que ele incorpora em suas obras de forma poética e inspiradora.
Nausicaä do Vale do Vento
Miyazaki foi diretor e roteirista do primeiro filme do estúdio, “Kaze no Tani no Naushika” (Nausicaä do Vale do Vento), lançado em 1984. Nele, Nausicaä é uma princesa corajosa e compassiva que vive em um mundo pós-apocalíptico onde a civilização humana está em declínio e a natureza é dominada por florestas tóxicas e criaturas gigantes.
O vale do Vento é um oásis de relativa calma e beleza em meio a esse cenário hostil, e é lá que Nausicaä desenvolve sua conexão especial com a natureza e suas habilidades como pacificadora e defensora da vida. O vale tem esse nome devido aos ventos constantes que sopram do mar através da região e que desempenham um papel significativo no ecossistema do vale. Os ventos ajudam a dissipar os gases tóxicos das florestas circundantes, tornando o vale um refúgio seguro em um mundo dominado pela desolação e pela destruição. É dito no filme também que as toxinas ficam abaixo das nuvens, permitindo-se ficar sem máscaras ao voar acima delas.
Enredo (com spoilers)
Mil anos se passaram desde os Sete Dias de Fogo, uma guerra apocalíptica que destruiu a civilização e causou um ecocídio, resultando na vasta Floresta Tóxica, um ambiente envenenado infestado por insetos mutantes gigantes. Nausicaä, a princesa de dezesseis anos do Vale do Vento, explora a floresta e se comunica com suas criaturas, incluindo os gigantescos Ohm blindados. Ela busca compreender a floresta e encontrar uma maneira para que humanos e a natureza possam coexistir. Quando uma aeronave de carga do reino de Tolmekia cai no vale, trazendo consigo um embrião de um Gigante Guerreiro, Nausicaä tenta salvá-la sem sucesso. A única sobrevivente, a Princesa Lastelle de Pejite, pede para Nausicaä destruir o embrião antes de falecer. Entretanto, tropas de Tolmekia invadem o Vale, matam o pai de Nausicaä e capturam o embrião. Determinada a impedir a destruição da Floresta Tóxica, Nausicaä enfrenta os soldados de Tolmekia, enquanto o mestre de espadas do vale, Lorde Yupa, descobre um jardim secreto de plantas da floresta cuidado por Nausicaä, revelando que a floresta pode ser regenerada em solo e água limpos.
Kushana parte para a capital de Tolmekia com Nausicaä e cinco reféns do Vale, mas um interceptor de Pejite derruba os dirigíveis de Tolmekia. Nausicaä, Kushana e os reféns fazem um pouso forçado na floresta, perturbando vários Ohm, que Nausicaä acalma. Ela sai para resgatar o piloto de Pejite, Asbel, irmão gêmeo da Princesa Lastelle, e ambos caem em uma área não tóxica abaixo da Floresta Tóxica. Nausicaä percebe que as plantas da floresta purificam o solo poluído, produzindo água e solo limpos subterraneamente. Após voltarem a Pejite e encontrarem a cidade devastada, Nausicaä é capturada por sobreviventes que planejam usar insetos para destruir o Vale. Ela escapa com a ajuda de Asbel e outros, retornando ao Vale, onde enfrenta uma invasão Tolmekiana. Com a intervenção de Lord Yupa, a batalha é evitada e Nausicaä consegue salvar os sobreviventes. Mais tarde, Nausicaä se sacrifica para proteger o Vale, ganhando a confiança dos Ohm e cumprindo a profecia do salvador. Os Ohm e os Tolmekianos partem, enquanto os Pejites permanecem no Vale para ajudar na reconstrução, simbolizando uma nova esperança enquanto uma árvore não tóxica brota nas profundezas da Floresta Tóxica.
O Castelo no Céu
A segunda animação do Studio Ghibli foi lançada em 1986, também dirigida e roteirizada por Hayao Miyazaki: “Tenkū no Shiro Rapyuta” (ou “Laputa: Castle in the Sky”). A história se desenrola em um mundo de fantasia, onde civilizações antigas coexistiram com tecnologia avançada e misteriosas ruínas flutuantes, conhecidas como Laputa. Inclusive, o conceito de Laputa foi inspirado no livro “As Viagens de Gulliver”, escrito pelo autor irlandês Jonathan Swift no século XVIII. No livro, Laputa (também traduzido como Lapúcia) é uma ilha flutuante governada por acadêmicos e cientistas que estão tão absortos em seus estudos que são incapazes de se conectar com os assuntos do mundo abaixo deles. Em algumas edições, aparece uma ilustração que tem muita semelhança com a ilha flutuante do filme.
Nota-se também que certos aspectos meteorológicos são bem ilustrados na animação. Em um ponto da história, o protagonista chega a elogiar a beleza das nuvens. Em outro, quando o avião dos piratas sobrevoa uma nuvem, forma-se como se fosse um arco-íris ao redor da sombra da aeronave projetada na nuvem. Esse fenômeno é conhecido como “glória”, e ocorre devido à dispersão da luz nas gotículas de água e cristais de gelo que compõem a nuvem.
Em outro momento, quando os protagonistas estão a entrar em uma tempestade, os piratas comentam que “o mercúrio está baixando muito”. Isso porque o barômetro de mercúrio, um dos instrumentos que medem a pressão atmosférica, está registrando valores cada vez menores devido à proximidade da tempestade. Quanto menor a pressão do ar, mais fácilmente o ar sobre com umidade e forma nuvens de chuva. A verdade é que a ilha estava protegida pela tempestade. Ao ultrapassá-la, a visão é muito parecida com a de se sobrevoar um olho de furacão.
No cerne de “O Castelo no Céu” está uma mensagem atemporal sobre a importância da amizade, da coragem e do respeito pela natureza e pela história. A história captura a imaginação do público de todas as idades, transportando-os para um mundo de maravilha e aventura enquanto ecoa temas universais de esperança e redenção. Muito provavelmente essa história de piratas voando entre as nuvens, com dois jovens como protagonistas, serviu de inspiração para o livro Os Caçadores de Nuvens – veja mais no post clicando no link.
Enredo (com spoilers)
Um dirigível é atacado por piratas aéreos enquanto transporta Sheeta, que possui um colar de cristal especial. Ela cai do dirigível, mas o colar a salva, e ela é resgatada por Pazu, um mecânico órfão. Pazu mostra a Sheeta uma foto de Laputa, um castelo mítico em uma ilha voadora. Eles são perseguidos por Dola, Muska e soldados. Sheeta revela a Pazu que possui um nome ligado a Laputa e que é a herdeira do trono. Muska liberta Pazu em troca de Sheeta guiá-lo até Laputa. Pazu é capturado por Dola, que planeja resgatar Sheeta. Sheeta ativa a magia do cristal e um robô protege-a, destruindo a fortaleza. Pazu e Dola resgatam Sheeta, mas o cristal é deixado para trás.
Sheeta e Pazu convencem Dola a levá-los até Laputa em troca de se juntarem temporariamente à sua tripulação. Durante a viagem, são atacados por Goliath, mas conseguem aterrissar com segurança na ilha flutuante. Lá, descobrem que a cidade está abandonada, exceto por algumas criaturas e um robô pacífico. No entanto, são capturados pelo exército, liderado por Muska, que pretende usar o poder de Laputa para destruir a humanidade. Muska revela que ele também é descendente da linhagem real de Laputa. Sheeta, horrorizada, decide intervir, e com a ajuda de Pazu, desencadeia uma antiga frase destrutiva que faz Laputa começar a desmoronar. Enquanto Muska cai para a morte, Sheeta, Pazu e os piratas de Dola escapam com segurança, enquanto Laputa é consumida pelas profundezas do oceano, encerrando a ameaça de Muska e preservando a paz na Terra.
Vidas ao Vento
Outra animação dirigida por Hayao Miyazaki, lançada em 2013 é “Vidas ao Vento” (ou “Kaze Tachinu”, no original japonês). O filme narra a história de Jiro Horikoshi, um talentoso engenheiro aeronáutico japonês, cuja vida é profundamente influenciada pelas turbulências da história do século XX, particularmente durante os anos que antecedem e durante a Segunda Guerra Mundial.
“Vidas ao Vento” é uma reflexão poética sobre os conflitos entre os ideais pessoais e os deveres nacionais, entre a busca pelo progresso e as tragédias da guerra. Miyazaki tece uma narrativa rica em detalhes históricos e emocionais, enquanto retrata a beleza e a complexidade da vida humana em meio a circunstâncias desafiadoras. Ao final, o filme celebra a resiliência do espírito humano e a capacidade de encontrar beleza e esperança mesmo nos momentos mais sombrios da história.
Enredo (com spoilers)
Em 1916, o jovem Jiro Horikoshi aspira se tornar um piloto, mas sua miopia o impede. Após um sonho com seu ídolo, o designer italiano de aeronaves Giovanni Battista Caproni, Jiro decide se dedicar à construção de aviões. Sete anos depois, durante a viagem de trem para estudar engenharia aeronáutica na Universidade Imperial de Tóquio, ele encontra Nahoko Satomi, uma jovem cuja família ele ajuda após o terremoto de Kantō. Jiro se forma em 1925 e é contratado pela fabricante de aviões Mitsubishi, onde trabalha no projeto de um avião de combate para o exército imperial. Após uma série de desafios e decepções, incluindo o fracasso de seu projeto em 1932, Jiro encontra Nahoko novamente e recebe um aviso sobre os perigos do nacionalismo alemão.
Mais tarde, Jiro pede a benção do pai de Nahoko para se casar com ela, e os dois ficam noivos. No entanto, Nahoko está com tuberculose e deseja esperar até se recuperar para se casar. Seu chefe, Castorp, ajuda no romance antes de fugir da tentativa de prisão pela polícia secreta japonesa. Procurado por conexão com Castorp, Jiro se esconde na casa de seu supervisor enquanto trabalha em um novo projeto de aeronave de combate para a Marinha Imperial. Após uma hemorragia pulmonar, Nahoko se recupera em um sanatório nas montanhas, mas não suporta ficar longe de Jiro e retorna para se casar com ele. A irmã de Jiro, Kayo, uma médica, o alerta de que seu casamento com Nahoko terminará tragicamente, pois a tuberculose é incurável. Embora a saúde de Nahoko piore, ela e Jiro aproveitam o tempo juntos. Jiro parte para o voo de teste de sua nova aeronave protótipo, o Mitsubishi A5M. Sabendo que vai morrer em breve, Nahoko retorna ao sanatório, deixando cartas de despedida para Jiro, sua família e amigos. No local do teste, Jiro é distraído pelo sucesso por uma rajada de vento, sugerindo a passagem de Nahoko. Em 1945, após o Japão perder a Segunda Guerra Mundial, Jiro sonha novamente com Caproni, lamentando que sua aeronave tenha sido usada para a guerra. Caproni o conforta, dizendo que o sonho de Jiro de construir belas aeronaves foi realizado. Nahoko aparece, encorajando seu marido a viver sua vida ao máximo. Jiro e Caproni caminham juntos para o seu reino compartilhado de sonhos.
Fontes
- Wikipedia – Studio Ghibli, Kaze no Tani no Naushika, Tenkū no Shiro Rapyuta e Kaze Tachinu (aqui são listadas todas as aeronaves que foram representadas no filme)
- EntrePlanos – Hayao Miyazaki: A Importância do Vazio e Leve-me Para Uma Ilha No Céu