Efeitos psicológicos causados por alterações climáticas

Maria Auxiliadora Roggério

Elevação do nível do mar, inundações de áreas costeiras, derretimento de geleiras, desertificação de regiões férteis, intensificação dos períodos chuvosos ou de estiagem, tempestades devastadoras, desastres ambientais naturais. Esses são efeitos resultantes do aumento da temperatura do planeta na história recente da humanidade podem parecer fenômenos distantes a alguns, mas são cada vez mais presentes na vida de mais pessoas. Os efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas são mais fáceis de detectar quando observamos eventos climáticos extremos e quando analisados ao longo das décadas. Assim como a história do sapo que é cozido se a água aquece lentamente até ser tarde demais para fugir, a humanidade como um todo demora a perceber os efeitos – só olhando por um grande período de tempo para perceber mudanças no clima.

Gerado com IA da plataforma DALL·E 3 via Microsoft copilot
Gerado com IA da plataforma DALL·E 3 via Microsoft copilot

Atividades como agricultura, exploração florestal, mineração, construções civis, transportes, produção de energia, atividades industriais químicas e metalúrgicas, são causadoras de grande impacto ambiental, contribuindo com a poluição do ar, do solo e da água. Queimadas, desmatamentos, assoreamento de rios, foram os problemas ambientais mais relatados por 90% dos municípios brasileiros, de acordo com o IBGE (2008), trazendo consequências que ameaçam a sobrevivência da fauna e da flora e prejudicam a qualidade de vida das pessoas, quando não, a própria existência humana.

A leitura dos posts “Efeito estufa, aquecimento global e mudanças climáticas” e “Ondas de calor”, traz melhores explicações sobre mudanças e fenômenos climáticos.

Esse panorama denota a importância de políticas voltadas a esse contexto. No Brasil, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei nº 12.608 de 10/04/2012) dispõe as ações em: preventivas, mitigadoras, resposta e recuperação.

Com o objetivo de criar medidas de proteção dos ecossistemas brasileiros e conscientizar a população e líderes sobre a importância de ações que possam reduzir o impacto das transformações ambientais e seus efeitos nocivos, foi instituído o dia 16 de março como Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas, através da Lei nº 12.533, em 02/12/2011. Questões como desenvolvimento sustentável, recursos hídricos, produção de alimentos entre outras, vêm sendo discutidas e várias práticas, implementadas.

Paralelamente a essas perturbações nos ecossistemas, as mudanças climáticas geram distúrbios sociais (que incluem agitações, deslocamentos, pouca oferta de água e de alimentos) e provocam ou agravam efeitos psicológicos e emocionais nos indivíduos, em grupos e em comunidades, manifestando-se como estresse, ansiedade, depressão, trauma e ecoansiedade.

Ecoansiedade

Descrita pela American Psychological Association (APA, 2017) como medo crônico da catástrofe ambiental, não é uma doença mental, embora provoque sofrimento psíquico. Trata-se de um sentimento de angústia ligada à crise climática. Ao medo, junta-se a sensação de impotência, a frustração perante o despreparo em mitigar os danos na natureza, enquanto as ações de governantes em relação aos cuidados com o meio ambiente e a inércia e/ou a falta de consciência de demais setores da sociedade são insuficientes para reduzir os riscos que ameaçam o futuro do planeta.

Também referida como ansiedade climática ou ansiedade ecológica, ocorre mais frequentemente em jovens, quando se conscientizam dos problemas ambientais e, em alguma medida, preocupam-se com os impactos da degradação e com o futuro de si mesmo e das próximas gerações. Muitos, com receio do mundo que deixarão, estão optando por não terem filhos. Costuma acometer mais, quem mais se conscientiza da necessidade de proteção ao meio ambiente. Alguns sintomas são: nervosismo, estresse, distúrbios do sono, ansiedade e solastalgia. Em situações mais graves, pode ocorrer sensação de sufocamento ou depressão, com sentimento de culpa, pelo estado do planeta. A ecoansiedade não afeta apenas a quem vivencia eventos extremos. A exposição às informações veiculadas nas mídias pode ser desencadeadora de ansiedade ecológica.

Solastalgia é um termo utilizado para conceituar sentimentos que surgem pela degradação do meio ambiente e que provocam desconforto a ponto de atingir a saúde mental. Ser humano e ambiente afetam-se mutuamente. Parte da identidade individual constitui-se na interação com o meio ambiente; perder parte do ambiente em que se vive, pode significar perder parte de si mesmo. Assim, solastalgia surge quando a noção de nosso lugar no mundo é violada, trazendo sentimento de desamparo, pessimismo e medo de desaparecer.

O desequilíbrio ambiental traz ameaças que transcendem o impacto individual, com consequências físicas, materiais e na saúde mental. O sofrimento psicológico atinge as dimensões afetivas, cognitivas e comportamentais. As alterações no clima podem agravar situações de pessoas que vivem em contexto de vulnerabilidade e negligência, levando à ruptura de seus vínculos protetivos e violação de seus direitos. Ondas de calor e outros fenômenos, deslizamentos de terra, inundações, falta de energia, perda de bens e propriedades, além da perda de parentes e amigos envolvidos nas tragédias ambientais, são apenas algumas das situações geradoras de ansiedade, estresse e traumas psicológicos duradouros. O calor extremo pode levar a distúrbios do sono, ao comportamento agressivo e criminal e ao suicídio.

Cada indivíduo responde diferentemente às mesmas experiências. Passar por uma situação de grande estresse físico e/ou mental, na qual a segurança ou integridade física de si ou de pessoas próximas estejam ameaçadas, pode desencadear um transtorno transitório de reação aguda a estresse (RAE). Os sintomas podem variar desde um atordoamento inicial a agitação, hiperatividade e sinais de ansiedade (taquicardia, sudorese, rubor), com início praticamente imediato à exposição ao estímulo, podendo durar até 2/3 dias, quando há a resolução dos sintomas.

Um distúrbio de ansiedade que se manifesta em decorrência de experiências ou de situações traumáticas caracteriza o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Um conjunto de sinais e sintomas emocionais, físicos e psicológicos contribuem para o diagnóstico, dentre eles: – reexperiência traumática: as lembranças surgem como se o fato estivesse ocorrendo novamente; também podem ocorrer durante o sono, em forma de pesadelos; – esquiva e isolamento social: as recordações traumáticas associam-se às emoções negativas e dolorosas ligadas à situação original, levando a pessoa a fugir de situações que as provoquem; – hiperestimulação autonômica: taquicardia, sudorese, dores de cabeça, tonturas, dificuldades de concentração, distúrbios do sono, irritabilidade, hipervigilância; – depressão e ideação suicida. O início é tardio em resposta ao evento; pode surgir em algumas semanas ou meses. O tempo de recuperação é variável, mas, para um pequeno número de pessoas pode perdurar por anos e evoluir para uma alteração permanente de personalidade (como consequência da experiência de estresse catastrófico extremo ou sequela crônica e irreversível do TEPT).

Para alguém que tenha passado pela experiência traumática de perdas associadas à emergência climática, por exemplo, uma chuva moderada já pode servir como estímulo à revivescência dos sintomas, desencadeando respostas fisiológicas e/ou reações psicológicas intensas.

Além do apoio social prestado pelo poder público em situações de calamidades, como o pronto atendimento às necessidades médicas, de alojamentos, alimentação, limpeza e reconstrução das áreas atingidas, um trabalho psicológico com as vítimas, não somente nos primeiros dias pós-tragédias, mas, também, nas semanas e meses posteriores ao evento faz-se imprescindível.

A falta de apoio gera maior indignação por tragédias anunciadas e dificuldades na elaboração do luto pelas perdas. A vivência prolongada do luto coletivo pode levar ao adoecimento psíquico e afetar a perspectiva de futuro.

Se os sistemas de proteção à população são falhos, a vítima que não consegue apoio, não tem condições de ressignificar seu sofrimento e integrá-lo em seu próprio conceito de self. Retém as lembranças traumáticas e pode agir com raiva e apresentar outros comportamentos perturbadores.

A Psicologia pode contribuir nos campos teórico e prático com conhecimentos sobre os efeitos emocionais e psicológicos relacionados ao clima, colaborando para o bem-estar mental e estimulando a resiliência e comportamentos adaptativos. Além do atendimento imediato nas situações de emergência, visando ao alívio do sofrimento psíquico, atuar na criação de estratégias de enfrentamento das situações de desastres socioambientais, levando em conta serviços de saúde primária, intervenções sociais e o contexto territorial impactado com a tragédia; propiciar acolhimento sensível, considerando desigualdades sociais, econômicas e ambientais (quando certos grupos de pessoas ou comunidades – como negros, indígenas, pobres, periféricos, entre outros – são mais expostos aos riscos e aos desastres ambientais), a atuação da comunidade e ações conjuntas com as vítimas; no acompanhamento aos acontecimentos que se seguem aos desastres, pois as sequelas geradas por eventos extremos perduram além dos eventos que as causaram, resultando em trauma, ansiedade e depressão.

Para refletir

Quem tem por hábito acompanhar noticiários, em especial os telejornais, tem observado os prejuízos que a ação do clima promove em várias partes do planeta. Há algumas décadas, a previsão simples do tempo limitava-se a frases como “chuvas esparsas no decorrer do período” ou “pancadas isoladas”, por exemplo; com o avanço da tecnologia, uma melhor previsão dos eventos extremos pode ser feita e, com isso, a chance de alertar e prestar um serviço de melhor qualidade e eficiência à população em geral, contribuindo para que ao menos parte das pessoas possa se precaver dos efeitos de um vendaval, de uma inundação, por exemplo.

No Brasil, sobretudo nos telejornais locais, as variações do clima, mudanças na temperatura e suas consequências, permeiam, atualmente, quase todo o noticiário. Na estação mais seca, reportagens sobre queimadas, incêndios em descontrole destruindo florestas e áreas urbanas próximas; com a proximidade do (e no) verão, calor intenso e chuvas torrenciais (Quem nunca ouviu: “choveu em poucas horas mais do que era esperado para o mês inteiro” ou “a temperatura de ontem superou a de tal data, registrando novo recorde histórico”?).

Há alguns anos, quando uma chuva forte castigava algumas regiões urbanas, as reportagens denunciavam o descarte inconsciente de lixo doméstico que obstruía bueiros, mostravam sacos de lixo boiando nas ruas alagadas e, didaticamente, o apresentador do jornal enfatizava o descaso com o próximo e com a cidade (o que é fato). Mais recentemente, também em reportagens na tevê, flagrantes em obras da construção civil comprovavam o descarte da limpeza de caminhões de concreto e das próprias obras, no meio-fio, direto aos bueiros, provocando a “concretagem” das tubulações que deveriam apenas escoar as águas das chuvas.

Neste verão, com maior frequência que nos anteriores e em maior número de ruas e regiões afetadas, lixos ensacados ou não, galhos de árvores e partes de telhados arrancados com a força dos ventos e o volume das chuvas, enxurradas invadindo residências e comércios. Carregados pelas enxurradas, muitos veículos e pessoas. Vidas humanas.

“Evitem essas áreas, esperem um pouco mais, para as águas baixarem e poder se locomover com segurança”, dizem os apresentadores. Só não têm orientações simplistas nesses momentos para transmitir às pessoas que já estão nas áreas de risco, como habitantes de moradias vulneráveis e às pessoas em situação de rua, sempre à mercê de quaisquer intempéries. A esses, são destinadas as reportagens nos dias seguintes, com o desalento das pessoas que perderam tudo do pouco que tinham, que se expuseram nos alagamentos tentando salvar algum bem ou familiares e amigos. E as reportagens vão até aí: contabilizando prejuízos materiais e, vez ou outra, mostrando ações imediatas do poder público em alguma tragédia e/ou mobilização popular voluntária de apoio aos desabrigados.

Quando as políticas urbanas são insuficientes, inexistentes ou negligentes, é muito comum responsabilizar a força da natureza, pelas chuvas que causaram desabamentos e destruições, ou dizer que os desastres foram produzidos socialmente, pela ação do homem no meio ambiente e pelas desigualdades sociais que criaram grupos vulneráveis que se instalaram em áreas de risco, tornando-se suscetíveis a eles. Com formas distintas de se compreender o problema, não surge consenso sobre as causas, as intervenções não são alinhadas, e a solução nunca chega.

Um olhar mais acurado sobre a crise climática, seja na prevenção, mitigação ou recuperação de seus efeitos, não pode prescindir das análises sociais, pois a melhor tecnologia capaz de prever fenômenos meteorológicos deve caminhar ao lado de um trabalho que tenha por objetivo reduzir a vulnerabilidade dos grupos mais expostos, diminuindo as desigualdades sociais, a destruição ecológica e que possibilite melhor qualidade de vida a todos.

Fontes

  • AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION (APA) (2017) – Mental health and our changing climate: impacts, implications, and guidance, march 2017. pp 26 a 29, disponível em www.apa.org, acessado em 20 fev 2024.
  • IBGE (2008) – “Mais de 90% dos municípios brasileiros enfrentam problemas ambientais”, disponível em http://agenciadenoticias.ibge.gov.br 12 dez 2008, acessado em 20 fev 2024.

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