Mudanças climáticas: efeitos naturais e antrópicos

O clima da Terra é influenciado por diversos fatores, tanto naturais quanto antrópicos, que podem alterar o balanço de energia entre a radiação solar que chega ao planeta e a radiação terrestre que é emitida para o espaço. Esses fatores são chamados de forçantes climáticas, pois provocam mudanças na temperatura média global e nos padrões de circulação atmosférica e oceânica. Neste texto, vamos abordar três tipos de forçantes climáticas: os ciclos de Milankovitch, o ciclo de atividade solar e o aumento dos gases de efeito estufa.

Os ciclos de Milankovitch são variações periódicas na órbita, na inclinação e na precessão da Terra, que afetam a distribuição e a intensidade da radiação solar que atinge o planeta ao longo do ano e das estações. Esses ciclos têm períodos de dezenas a centenas de milhares de anos e estão relacionados com as glaciações e interglaciações que ocorreram ao longo da história geológica da Terra. Por exemplo, quando a órbita da Terra é mais elíptica, a diferença entre o periélio (ponto mais próximo do Sol) e o afélio (ponto mais distante do Sol) é maior, o que implica em maiores contrastes sazonais de temperatura. Quando a inclinação do eixo de rotação da Terra é maior, os pólos recebem mais radiação solar no verão e menos no inverno, o que também favorece a formação e o derretimento de gelo. Quando a precessão do eixo de rotação da Terra muda, o periélio e o afélio ocorrem em diferentes épocas do ano, o que altera a duração e a intensidade das estações. Os ciclos de Milankovitch são considerados uma forçante climática externa, pois dependem da interação gravitacional da Terra com outros corpos celestes, como o Sol, a Lua e os planetas. ¹

Gráficos das variações de precessão (A), inclinação (B) e excentricidade (C) na órbita terrestre, respectivamente, com imagens ilustrativas dos fenômenos. Nos gráficos, estão indicados os períodos (tempo para concluir um ciclo completo) médios de cada evento: 23 mil/100 mil anos (A), 41 mil anos (B) e 413 mil/100 mil anos (C). Fonte: Susinno
Gráficos das variações de precessão (A), inclinação (B) e excentricidade (C) na órbita terrestre, respectivamente, com imagens ilustrativas dos fenômenos. Nos gráficos, estão indicados os períodos (tempo para concluir um ciclo completo) médios de cada evento: 23 mil/100 mil anos (A), 41 mil anos (B) e 413 mil/100 mil anos (C). Fonte: Susinno

O ciclo de atividade solar é uma variação periódica na quantidade e na distribuição de manchas solares, que são regiões mais escuras e frias na superfície do Sol, associadas a campos magnéticos intensos. As manchas solares seguem um padrão de 11 anos, em que o número máximo e mínimo de manchas varia de um ciclo para outro. As manchas solares estão relacionadas com outros fenômenos solares, como as erupções solares e as ejeções de massa coronal, que liberam partículas carregadas e radiação eletromagnética para o espaço. Esses fenômenos podem afetar o clima da Terra de várias formas, como alterando o fluxo de raios cósmicos, que são partículas de alta energia que vêm de fora do sistema solar e que podem influenciar a formação de nuvens. Também podem modificar a ionosfera, que é a camada superior da atmosfera, interferindo na formação de auroras e nas comunicações por rádio, além de induzir correntes elétricas na superfície e no interior da Terra, que podem afetar redes de energia e sistemas de navegação. O ciclo de atividade solar é considerado uma forçante climática interna, pois depende da dinâmica interna do Sol, que é influenciada pelo seu campo magnético e pela sua rotação diferencial. ²

Gráfico das mudanças de temperatura e energia solar recebidas. Fonte: NASA-JPL/Caltech
Mudanças globais de temperatura da superfície (linha vermelha) e energia do Sol recebida pela Terra (linha amarela) em watts (unidades de energia) por metro quadrado desde 1880. As linhas mais claras/finas mostram os níveis anuais, enquanto as linhas mais pesadas/grossas mostram as tendências médias de 11 anos. As médias de onze anos são usadas para reduzir o ruído natural ano a ano nos dados, tornando as tendências subjacentes mais óbvias. Fonte: NASA

O aumento dos gases de efeito estufa é uma consequência das atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento, a agropecuária e a produção industrial, que liberam gases como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O) e os compostos halogenados (CFCs, HFCs, etc.) para a atmosfera. Esses gases têm a propriedade de absorver e reemitir a radiação infravermelha, que é a radiação terrestre que é emitida pela superfície e pela atmosfera em resposta à radiação solar. Dessa forma, os gases de efeito estufa aumentam o efeito estufa natural, que é o processo pelo qual a atmosfera retém parte da radiação terrestre e mantém a temperatura média da Terra em torno de 15°C, permitindo a existência de vida. O aumento dos gases de efeito estufa é considerado uma forçante climática antrópica, pois depende das ações humanas, que alteram a composição química da atmosfera e modificam o balanço de energia do sistema climático. ³

A comparação entre esses três tipos de forçantes climáticas é complexa, pois envolve diferentes escalas de tempo, de espaço e de magnitude. Além disso, há incertezas e retroalimentações que dificultam a quantificação e a atribuição dos efeitos de cada forçante sobre o clima. Uma forma de comparar as forçantes climáticas é usar o conceito de forçante radiativa, que é a mudança no balanço de energia da Terra causada por uma forçante, medida em watts por metro quadrado (W/m2). Quanto maior a forçante radiativa, maior é a tendência de aquecimento ou resfriamento do planeta. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), os valores médios globais de forçante radiativa para os ciclos de Milankovitch, o ciclo de atividade solar e o aumento dos gases de efeito estufa são, respectivamente, de cerca de 0,1 W/m2, 0,05 W/m2 e 2,3 W/m2. ⁴ Esses valores indicam que o aumento dos gases de efeito estufa é a forçante climática mais relevante para explicar as mudanças climáticas observadas nas últimas décadas, superando em muito as variações naturais causadas pelos ciclos de Milankovitch e pelo ciclo de atividade solar. Note que, além da intensidade da forçante, o tempo que demora para uma variação na órbita, na inclinação e na precessão da Terra está na escala de dezenas de milhares de anos, enquanto que a elevação de temperatura está em uma escala de décadas.

Histórico de mudanças climáticas na Terra

O planeta como um todo já passou por condições climáticas bem distintas ao longo de suas centenas de milhões de anos de existência. Os ciclos de Milankovitch estão relacionados com as glaciações e interglaciações que ocorreram ao longo da história geológica da Terra. As glaciações são períodos de resfriamento global, em que densas camadas de gelo recobrem grandes porções de terras emersas e congelam os oceanos em determinadas regiões. As glaciações são alternadas por períodos interglaciais, em que as temperaturas são mais elevadas e o gelo se retrai.

As glaciações podem ser causadas por vários fatores, além dos ciclos de Milankovitch, como a composição da atmosfera, as correntes oceânicas, a posição e a configuração dos continentes, a atividade vulcânica, o efeito estufa, o albedo, as nuvens, a vegetação, entre outros. Além disso, há retroalimentações positivas e negativas que podem amplificar ou atenuar os efeitos dos ciclos. Por exemplo, quando o gelo avança, o albedo da Terra aumenta, refletindo mais radiação solar e acentuando o resfriamento. Quando o gelo recua, o albedo da Terra diminui, absorvendo mais radiação solar e acentuando o aquecimento. Esses processos podem gerar ciclos de glaciação e deglaciação que não dependem apenas das variações orbitais.

Um outro exemplo envolve a teoria da Terra Bola de Neve. Uma das evidências que apoiam essa hipótese é a presença de depósitos glaciais em latitudes tropicais, que sugerem que o planeta esteve coberto por gelo durante o período Criogeniano, entre 790 e 635 milhões de anos atrás. Uma das explicações possíveis para esse fenômeno é que houve uma redução drástica das emissões de gases de efeito estufa de origem vulcânica, que diminuiu o efeito estufa natural e provocou um resfriamento global. Com o avanço das geleiras, o albedo da Terra aumentou, refletindo mais radiação solar e acentuando o resfriamento. Esse processo retroalimentou-se até que o planeta ficou completamente congelado, entrando em um estado de equilíbrio de baixa temperatura. A saída desse estado teria ocorrido pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, provenientes da atividade vulcânica, que teria gerado um efeito estufa intenso e derretido o gelo. Esse cenário extremo teria sido um fator importante para a evolução da vida na Terra, pois teria provocado extinções em massa e favorecido o surgimento de novas formas de vida. ⁵

A probabilidade de a Terra virar uma bola de neve novamente é muito baixa, devido ao aumento da radiação solar causado pela evolução estelar do Sol, que eleva a temperatura média global. Além disso, há outros fatores que podem impedir ou atenuar um resfriamento global extremo, como a presença de gases de efeito estufa na atmosfera, que geram um efeito estufa natural, e a atividade vulcânica, que pode liberar calor e partículas para o espaço. Portanto, a Terra não viraria uma bola de neve apenas pela ausência do aumento do efeito estufa, pois há outros mecanismos que regulam o clima do planeta e que podem evitar ou reverter um cenário de glaciação global.

Referências

¹: Berger, A. (1978). Long-term variations of daily insolation and Quaternary climatic changes. Journal of the Atmospheric Sciences, 35(12), 2362-2367.

²: Lean, J. (2010). Cycles and trends in solar irradiance and climate. Wiley Interdisciplinary Reviews: Climate Change, 1(1), 111-122.

³: IPCC (2014). Climate Change 2014: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Geneva, Switzerland: IPCC.

⁴: IPCC (2013). Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA: Cambridge University Press.

⁵: Hoffman, P. F., & Schrag, D. P. (2002). The snowball Earth hypothesis: testing the limits of global change. Terra Nova, 14(3), 129-155.

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