Onda de calor

Segundo o Inmet, o Brasil vivencia a oitava onda de calor em 2023. Há locais em que os termômetros podem marcar até 13 ºC a mais do que esperado para esta época do ano, com sensação térmica ultrapassando os 50 ºC em algumas cidades. Mas o que caracteriza esse fenômeno e quais são suas causas? Seria esse um novo normal em tempos de mudanças climáticas?

Mapa de temperatura máxima prevista pelo modelo COSMO para 14/11/2023. Fonte: Inmet
Mapa de temperatura máxima prevista pelo modelo COSMO para 14/11/2023. Fonte: Inmet

As primeiras ondas foram entre janeiro e março, com temperaturas em torno de 40,7 °C. Em agosto, foram emitidos alertas de “Grande Perigo” e “Perigo” para o Centro-Oeste e o Nordeste do país, entre os dias 22 e 28. Em setembro, uma onda de calor intensa começou no dia 18 no Centro-Oeste e se deslocou o Nordeste no dia 24, que gerou temperaturas acima de 40 °C nas regiões. Em outubro, duas ondas de calor assolaram os brasileiros, com temperatura máxima de 44,3 °C em Cuiabá (MT). Em novembro, o Inmet emitiu alertas de onda de calor de níveis vermelho e laranja para a região central do país (15 estados e o DF) para duração entre os dias 8 e 17.

De acordo com glossário do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), uma onda de calor é definida como um período de tempo desconfortável e excessivamente quente, que pode durar vários dias ou várias semanas. No Brasil, não há critérios técnicos universais estabelecidos que definam especificamente o que constitui uma onda de calor. No entanto, o Inmet e outros órgãos meteorológicos podem emitir alertas de calor intenso com base em condições específicas. O Inmet usa as seguintes cores:

  • Alerta amarelo – previsão de ‘perigo potencial’ (temperaturas máximas 5ºC acima da média de dois a três dias consecutivos);
  • Alerta laranja – previsão de ‘perigo’ (temperaturas máximas 5ºC acima da média de três a cinco dias consecutivos);
  • Alerta vermelho – previsão de ‘grande perigo’ (temperaturas máximas 5ºC acima da média acima de cinco dias consecutivos).

O alerta vermelho classifica um fenômeno meteorológico de “intensidade excepcional, com grande probabilidade de ocorrência de grandes danos e acidentes” à integridade física da população. Como recomendação, o Inmet solicita que a população evite os horários de sol extremo (das 11h às 15h), utilize protetor solar e que as pessoas se mantenham hidratadas e procurem auxílio médico caso em caso de mal-estar.

Avisos meteorológicos no site do Inmet para o dia 15/11/2023
Avisos meteorológicos no site do Inmet para o dia 15/11/2023

A estação meteorológica do IAG/USP (localizada no Parque Cientec), registrou a maior temperatura de sua série histórica, iniciada em 1933: 38,3°C em 13/11/2023. Estações do CGE em outros bairros de São Paulo/SP registraram temperaturas ainda maiores. A Vila Mariana, por exemplo, bateu em 39,47°C na tarde desse mesmo dia.

O que está acontecendo?

Se o sol brilha muito em uma região, ele aquece o ar. Quando o ar esquenta, ele tende a se expandir e ficar mais leve. O ar quente, mais leve, sobe. Isso cria um tipo de “vácuo” na superfície, porque o ar está subindo. Para ocupar o lugar do ar que subiu, o ar mais frio e pesado ao redor desce para preencher esse espaço. Essa descida de ar é o que chamamos de alta pressão atmosférica.

A atmosfera ao nosso redor tem “pedaços” com pressão diferente. Esses pedaços podem ser de alta ou baixa pressão. Quando falamos de uma região de alta pressão atmosférica, é como se houvesse um “monte” de ar mais pesado em uma área específica.

A presença de uma área de alta pressão muitas vezes traz estabilidade atmosférica. Isso significa que o ar quente fica “preso” perto da superfície, sem subir facilmente. As áreas de alta pressão geralmente estão associadas a céu claro e ventos calmos. Sem nuvens para bloquear a luz solar e sem ventos para trazer ar mais fresco, o calor continua a se acumular na superfície. Além disso, esse cenário impede o avanço de frentes frias sobre essas regiões, o que traria vento frio e úmido.

Portanto, a combinação de uma área de alta pressão, que traz estabilidade atmosférica e impede a rápida dispersão do calor, junto com condições de céu limpo e ventos fracos, pode criar as condições ideais para o desenvolvimento de uma onda de calor. Esses eventos podem variar em intensidade e duração (dias ou até semanas), mas a presença de uma alta pressão é um dos fatores-chave que contribuem para o calor extremo e baixa umidade.

A extensão e a duração da zona de alta pressão retroalimentam o calor e a permanência do ar seco. A energia do sol é consumida em duas coisas: aumentar temperatura e evaporar água do solo. Com um solo pouco úmido, porque ainda não estamos na estação chuvosa, a maior parte vai para a temperatura. A primavera é uma estação de transição, antes da chegada do verão, mais chuvoso. Sem chuva, também não há o alívio momentâneo das temperaturas.

Mudanças climáticas

O El Niño, fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento das águas do Pacífico equatorial, também afeta a circulação de massas de ar, intensificando a permanência de ar quente e seco em parte do país. Repete-se em intervalos irregulares, que costumam variar entre dois e setes anos, e gera extremos meteorológicos como calor/frio e chuva/seca em diferentes regiões do planeta.

Por outro lado, segundo especialistas, a frequência de eventos extremos aponta o rastro de mudanças climáticas na intensidade de chuvas e do calor. Para grandes cidades como São Paulo, fatores locais como materiais que absorvem o calor em ruas, edifícios e equipamentos públicos criam as ilhas de calor no microclima local.

O papel do El Niño é justamente reforçar o bloqueio atmosférico com a mudança de correntes de ar, a partir do aquecimento das águas que também altera a circulação na atmosfera, que mantêm frentes frias estacionadas na região Sul. Isso ajuda a explicar a grande quantidade de chuva na região, que tem enfrentado desastres ao longo do ano.

Os indícios de efeitos das mudanças climáticas já estão comprovados. Desde 1950 vivemos um ciclo de aquecimento potencializado pelas emissões de gases de efeito estufa. Esse cálculo é feito por meio dos estudos de atribuição. Isso porque se formos medir só a temperatura, não conseguimos observar os efeitos do aquecimento. Mudando os modelos que simulam a atmosfera, é possível tirar, por exemplo, o gás carbônico da atmosfera, ou tirar as cidades do mundo. Nesse sentido, os estudos já mostram que teríamos uma época ‘mais fria’ na média.

Assim, um planeta mais aquecido tende a ver efeitos mais acentuados de fenômenos atmosféricos, como o El Niño, ou mesmo o La Niña, que é marcado pela situação contrária. É como uma onda que vai para cima e para baixo. As mudanças climáticas aumentam os extremos dessa onda.

O número de dias com “anomalias de ondas de calor” também sofreu um salto dramático. No período de referência (1961-1990), o número de dias com ondas de calor não passava de sete ao ano. “Para o período de 1991 a 2000, subiu para 20 dias; entre 2001 e 2010 atingiu 40 dias; e de 2011 a 2020, o número de dias com ondas de calor chegou a 52”, revela pesquisa do INPE. Ou seja: em três décadas, houve um salto de sete vezes na quantidade de dias no ano em que os brasileiros vivem sob uma temperatura bem alta. Vale destacar que a análise do Inpe vai até o 2020 — e, com isso, ainda não leva em conta os fenômenos de calor de 2023.

Impactos

Em probabilidade, o tempo de recorrência ou período de retorno é o período de tempo médio (medido em anos) em que um determinado evento deve ser igualado ou superado pelo menos uma vez. Ele é importante para dimensionar obras públicas considerando eventos extremos de chuva, temperatura, etc.

Analisando o clima de uma região, se um evento for muito raro (que aconteça a cada 100 anos em média, por exemplo), seria muito caro (ou por vezes impraticável) dimensionar uma obra esperando acontecer esse evento. No entanto, se o clima muda, um novo cálculo do período de retorno pode revelar que o evento até então raro pode se tornar mais comum. E aquela obra, que foi dimensionada esperando um certo comportamento da atmosfera, agora vai enfrentar um novo cenário – geralmente pior no sentido se manter íntegra e de fornecer adequadamente seus serviços.

O aumento da temperatura, evidenciado pelo recorde de 37,4°C em São Paulo, provoca não apenas desconforto, mas também impactos na economia, incluindo custos adicionais com energia, redução da eficiência agrícola e impactos na aviação. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) registrou, às 14h17 desta de 13/11/2023, uma demanda instantânea recorde de 100.955 megawatts, sendo a primeira vez na história que ultrapassou os 100 mil megawatts. A média diária de 89.020 megawatts também atingiu o valor mais alto, superando os 86.577 megawatts registrados em setembro. A situação levou o ONS a revisar para cima as projeções de crescimento do consumo de energia e ajustar as estimativas de chuvas nas usinas hidrelétricas, com preocupações sobre o nível dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste, o principal para armazenamento das hidrelétricas, que se espera atingir 66,3% no final de novembro.

Fontes

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