Maria Auxiliadora Roggério
Geração Sanduíche é um termo criado pela socióloga Dorothy A. Miller (1981)¹ para descrever pessoas adultas, na faixa da meia idade entre 45-65 anos que se encontram em situação estressante por viverem divididas entre os cuidados e responsabilidades com a criação de seus filhos e netos, e com seus pais que passaram a apresentar alguma dependência e necessitar de apoio, além das dificuldades cotidianas para tentar atender às suas próprias demandas. São famílias estendidas, de quatro gerações nas quais existe a situação de dependência parcial entre seus membros e a troca de recursos e serviços.
Cada pessoa convive com outras da mesma idade/geração e de gerações distintas, com as quais partilha seus conhecimentos e experiências. Fatores históricos, políticos, sociais, culturais, econômicos, por exemplo, vão nos construindo e definindo a forma de interação com o mundo. Para compreender melhor a nós mesmos e aos outros e as mudanças na sociedade, convencionou-se classificar grupos de pessoas por períodos geracionais.
As gerações são denominadas para entender valores e visões de mundo, assim como experiências, maneiras de se portar e se relacionar, formas de comunicação, necessidades e preferências de cada grupo. Padrões identificados em cada período vão caracterizando cada geração, embora nem todas as pessoas correspondam fielmente às características de sua geração, sendo comum identificação com geração anterior ou posterior.
Além disso, com o avanço tecnológico que permite população mais longeva, aliado ao fato de que muitas pessoas optam por gerarem descendentes tardiamente, ou têm filhos precocemente, pode-se observar várias gerações convivendo simultaneamente, o que aumenta a probabilidade de mais adultos na condição de cuidadores, tanto de seus filhos e/ou netos quanto de seus pais/avôs e parentes idosos dependentes. A geração Alfa que iniciou em torno de 2010, relacionando-se com as gerações Z, Y (Millennials), X, Baby boomers e a geração Silenciosa (ou Tradicional, de pessoas nascidas entre 1925 a 1945), quando não, também, com pessoas da chamada geração Grandiosa, antecessora da geração Silenciosa.
Segundo dados da ONU, até o final deste século, “o mundo terá mais de 21 milhões de pessoas com 100 anos ou mais, e o Brasil ampliará sua população de centenários em mais de 110 vezes, para mais de 1.5 milhão.” (fonte: matéria do Centro de Inovação SESI). Os idosos no Brasil representam 15,1% da população do país – mais de 31 milhões de pessoas (IBGE), com estimativa de 30% até o ano de 2050.
Na outra ponta, em relatório recente da OCDE (Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) a porcentagem de jovens de 18 a 24 anos que não trabalham nem estudam – os jovens “nem nem” – no Brasil, corresponde a 35,9%, levando nosso país a ocupar o 2º lugar na lista de países analisados, sendo superado apenas pela África do Sul, com 46,1%. Os que só trabalham são 30,3%; os que só estudam, 22%; e os que estudam e trabalham, 11,8%. (fonte: matéria do g1).
O Ministério do Trabalho aponta que mais de 7 milhões de jovens brasileiros não estudam nem trabalham, sendo que as mulheres representam 60%. Das 9,5 milhões de pessoas sem ocupação no Brasil, 55% (5,2 milhões de desempregados) têm entre 14 e 24 anos.
A faixa etária com maior potencial para exercer atividades produtivas, ou seja, a população potencialmente ativa, situa-se entre 15 e 64 anos. As pessoas menores de 14 anos e as maiores de 65 anos caracterizam a população economicamente dependente.
Esse contingente, seja de menores de 14 anos que recebem cuidados, por exemplo, dos pais, como dos mais velhos com algum grau de dependência que necessitam de algum tipo de apoio e recebem, por exemplo, dos filhos, evidencia transformações na estrutura etária da sociedade e na estrutura das famílias, levando a novos modelos de relações intergeracionais e familiares.
Desse modo, as pessoas que cuidam de filhos menores e/ou netos e das pessoas idosas do núcleo familiar, têm que conciliar os papéis de pai/mãe, filho/a, avôs/netos. Não é raro observar cuidadores que também são responsáveis por filhos maiores de dezoito anos que corresidem e não têm renda própria. Isso influencia no tempo e na mobilidade, restringindo o exercício de outros papéis, como atuar no mercado de trabalho. Essas pessoas sobrecarregadas, que dispensam cuidados multigeracionais além de tentar suprir suas próprias demandas, sentem-se “imprensadas, comprimidas”, impactadas em seu bem-estar psicológico, nos recursos financeiros, na qualidade de seus relacionamentos, na saúde como um todo.
A faixa dos 40 anos é a mais propensa a viver esse fenômeno “geração sanduíche”. No atual cenário de pais vivendo mais e pessoas esperando mais tempo para terem filhos ou vivendo paternidade precoce, esses adultos são levados a cuidar de mais gerações ao mesmo tempo, acumulando funções que impactam na saúde mental e nos relacionamentos cotidianos.
No Brasil, a realidade é um pouco mais complexa do que em boa parte do mundo, pois a maioria das pessoas “imprensadas”, também é de adultos que ajudam a criar os netos e/ou bisnetos, e têm avós sob seus cuidados; em geral, mulheres que, além disso, ainda respondem pelo sustento da família. Essas cuidadoras passam por dificuldades financeiras e emocionais, que elevam o risco de estresse e depressão, impactando na qualidade de vida.
É fato também, que essa convivência multigeracional pode aproximar a família e promover uma espécie de “rede de apoio” na qual as funções de cuidado são divididas entre seus membros conforme a disponibilidade/conveniência de cada um; como as avós cuidando das crianças enquanto as mães saem para o trabalho remunerado em busca de subsistência. Bem como, nem todos os adultos imprensados entre gerações estariam estressados ou deprimidos, mas que experimentam mais efeitos positivos do que negativos e podem colher benefícios desse modelo de relacionamento familiar intergeracional, como, por exemplo, trocas de conhecimento e experiências particulares de cada geração, e ajuda financeira proveniente de aposentadoria dos idosos para complementar as despesas da casa.
Cuidar, proteger e ajudar faz parte das relações familiares e envolve todos os seus membros ao longo do ciclo vital. Vários fatores interagem e respondem pela qualidade desse cuidado, como a idade e o gênero, tanto das pessoas que cuidam como das que recebem o cuidado, além de crenças, costumes, valores, educação, situação econômica e problemas de relacionamento familiar.
Historicamente, existe a expectativa social de que o papel e as tarefas de cuidar sejam atribuídas à mulher, como atividades consideradas naturalmente femininas. (É o que a socióloga e gerontóloga Elaine Brody² referiu como “mulheres do meio”, para designar mulheres que se desdobram entre cuidados com filhos e pais idosos.). A mulher que representa esse fenômeno denominado “geração sanduíche” acumula os papéis de mãe, filha, avó, esposa, cuidadora, provedora, profissional em algum trabalho remunerado…
Embora homens também exerçam o papel de cuidadores, em geral, são poucos. Na maioria das vezes, as múltiplas demandas de pessoas dependentes recaem sobre um único familiar, o qual tem que se dividir entre outras responsabilidades, provocando ônus financeiro, físico, social e psicológico, denotando a insuficiência de suporte familiar de que necessitam. Os mais pobres, não conseguem suporte financeiro adequado para cuidar de familiares dependentes e os mais ricos terceirizam, isto é, podem pagar por cuidados como babá para os menores, cuidadores profissionais para os mais velhos, etc.
O cuidador informal familiar presta cuidados multigeracionais aos mais velhos da família, como pais/sogros/avós e aos filhos menores de idade; também cuidam de filhos adultos e de netos que moram em outro domicílio; podem receber alguma ajuda financeira de outros familiares e apoio de membros de outras gerações; a probabilidade maior é de o cuidador ser cônjuge ou filho/a; é mais comum: ser mulher, ser o filho mais próximo física ou geograficamente; quanto maior a proximidade afetiva, maior a chance de se tornar o cuidador; quando os pais são muito idosos, cuidador também é idoso.
Com o crescente processo de envelhecimento populacional de um lado e uma juventude extensiva (jovens que demoram mais tempo para entrar na vida adulta, permanecendo dependentes e sem condições de arcarem com sustento próprio) de outro, novo padrão de fecundidade (especialmente em situação de fecundidade precoce, na qual suporte aos netos se torna presente) e novos arranjos familiares, a geração “imprensada” pode surgir em torno dos 30 anos e ultrapassar os 50 anos.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua do IBGE (PNAD Contínua) em 2019, 54.1 milhões de brasileiros com 14 anos ou mais cuidavam de outros moradores da sua casa ou de outros parentes.
A reestruturação relacional traz consequências ao funcionamento familiar e ao bem-estar individual dos jovens, dos idosos e dos cuidadores. Cuidador vivendo seu próprio processo de envelhecimento; a inversão de papéis como pai de seus pais, filho de seus filhos; adaptação à emancipação de filhos; impactos financeiros por aumento de gastos, redução de poder aquisitivo com a chegada da aposentadoria e impactos psicológicos como culpa e frustração por sensação de não conseguir dar conta de tudo e perceber que seus projetos de vida deverão ser alterados, sem perspectivas futuras, o que pode levar ao estresse, a crises de ansiedade e depressão.
Em um mesmo eixo de tempo, muitos vivem com filhos e netos, com pais e avós. Viveremos, também, com nossos filhos já idosos, o que implica em lidar com novos desafios e encontrar alternativas que promovam uma nova percepção sobre o envelhecimento e possibilitem maior solidariedade intergeracional.
¹Dorothy A. Miller, MSSW – A geração “sanduíche”: filhos adultos do envelhecimento. Social Work, vol.26, Ed.5, set de 1981, pp. 419-423. (https://doi.org/10.1093/sw/26.5.419).
²Elaine M. Brody, “Women in the Middle” and Family Help to Older People, The Gerontologist, V. 21, Issue 5, october 1981, pages 471-480. (https://doi.org/10.1093/geront/21.5.471).