Ortorexia Nervosa

Por Maria Auxiliadora Roggério

O comportamento alimentar é um fenômeno complexo, motivado conscientemente por várias áreas do organismo como o hipotálamo (centro da saciedade), estruturas límbicas e corticais, responsáveis por gerar e controlar as sensações básicas de fome, sede e saciedade. Todos precisamos de alimentos para as necessidades de energia, crescimento e restauração dos tecidos. O cérebro decide quando devemos comer/beber ou parar de comer/beber, por meio de sinais enviados do estômago, boca, garganta e do sangue. No entanto, a interação de fatores biopsicossociais, culturais e familiares pode ser responsável por perturbações no comportamento alimentar gerando Transtornos de Alimentação.

A Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa são transtornos severos do comportamento alimentar que têm em comum preocupação extrema com o peso e o tamanho do corpo, expressa na busca em perder peso (indevida, desnecessária) e pavor em engordar e tornar-se obeso. Uma percepção distorcida do peso e da forma corporal leva indivíduos com Anorexia a reduzir cada vez mais a ingestão alimentar e indivíduos com Bulimia à episódios de compulsões alimentares seguidas de comportamentos inadequados (como uso de laxantes, diuréticos, jejuns, vômito autoinduzido, exercícios físicos excessivos) com o objetivo de evitar ganho de peso.

Pessoas com transtornos de alimentação costumam restringir o que comem estabelecendo a si mesmas várias regras, extremamente exigentes em relação a horários para fazer as refeições, quantidades (geralmente observadas em poucas e determinadas calorias/dia) e, principalmente, o que devem comer e o que devem evitar, o que resulta em uma alimentação inflexível e inadequada.

Essa tendência a fazer dietas restritivas precisa ser desencorajada e seus efeitos prejudiciais, enfatizados, ainda que as pessoas desejem e valorizem essa prática, ignorando seus efeitos nocivos.

Um controle alimentar rígido pode passar uma sensação de autocontrole enquanto outros aspectos de sua vida podem permanecer longe de seu alcance. É preciso investigar como surgiu a visão do indivíduo em relação à forma corporal, ao peso e ao comer, para ajudá-lo a entender como se desenvolveu e evoluiu esse problema alimentar. Práticas alimentares extremas também podem levar a comportamentos ortoréxicos.

A Ortorexia Nervosa é um distúrbio alimentar descrito inicialmente por Steve Bratman, em 1997. Embora a palavra ortorexia signifique “apetite correto”, a Ortorexia Nervosa relaciona-se a uma obsessão patológica por uma alimentação saudável, restrita a alimentos considerados puros, naturais, livres de agrotóxicos ou substâncias artificiais. Apesar de não ser ainda classificada como um transtorno alimentar pela Organização Mundial da Saúde, pois não dispõe de critérios diagnósticos estabelecidos, essa denominação é utilizada para descrever o comportamento obsessivo patológico caracterizado por fixação por saúde alimentar, qualidade dos alimentos e pureza da dieta, com o objetivo de obtenção de um corpo saudável e boa qualidade de vida.

As características e sintomas desse quadro são discutidos levando-se em conta o que é alimentação saudável (adequação nutricional necessária às demandas do organismo) e atitude alimentar (crenças e cognições sobre a alimentação e carga afetiva em relação aos alimentos).

As pessoas meticulosas, extremamente organizadas, com necessidade de controle e de seguir regras rígidas, com baixa autoestima, carentes de proteção e/ou que aderem a dietas da moda ou alternativas, parecem ser as mais vulneráveis a desenvolver comportamento ortoréxico.

Os indivíduos ortoréxicos são pessoas muito exigentes, rigorosas consigo mesmas e com os outros; preocupam-se com os materiais e as técnicas utilizadas na preparação dos alimentos, além de demorarem muito tempo na escolha e na confecção das refeições, o que pode gerar sentimentos de satisfação com o resultado ou de culpa por não ter atingido o objetivo. As preocupações obsessivas quanto à escolha e ao preparo dos alimentos são ligadas à rituais de repetição que levam a uma dieta restritiva. Esses rituais são observados, como exemplo, desde a compra dos alimentos, com leituras minuciosas dos rótulos e consequente dispensa desse produto ao seu consumo. Apesar de passarem muito tempo pensando e planejando o que comerão, percebem essa preocupação como normal e apropriada.

Com esse tipo de pensamento, evitam frequentar restaurantes, festas e eventos nos quais não têm condições de verificar se os alimentos e bebidas oferecidos se encaixam em “seu padrão” de comida saudável. Desse modo, afastam-se de relacionamentos, isolando-se social e afetivamente, o que causa sofrimento psíquico.

Outras características e sintomas da Ortorexia Nervosa são:

  • exclusão de grupos de nutrientes da dieta, como carboidratos, gorduras;
  • exclusão de glúten, lactose, sal e açúcar, mesmo sem indicação médica;
  • restrições alimentares que aumentam com o tempo;
  • recusa em consumir alimentos com corantes, conservantes, geneticamente modificados;
  • busca somente por alimentos orgânicos, naturais, sem aditivos e minimamente processados;
  • obsessão pela compra e preparo do alimento;
  • recusa em alimentar-se fora de sua dieta;
  • muita fome durante o dia;
  • gastos excessivos para a manutenção de seu padrão alimentar;
  • elaboração da dieta por conta própria, por não acreditar nos profissionais de saúde, quanto à diagnósticos apresentados.

Possíveis complicações associadas a essas práticas:

  • perda de peso excessiva;
  • alterações na pressão arterial;
  • desnutrição;
  • anemia;
  • queda de cabelo, unhas fracas;
  • disfunções intestinais;
  • hipo/hipervitaminose;
  • osteoporose;
  • problemas na tireóide;
  • alterações hormonais;
  • infertilidade;
  • problemas cardiovasculares;
  • enfraquecimento do sistema imunológico;
  • alterações psicológicas tais como ansiedade, angústia, depressão, transtornos obsessivos, compulsivos, alterações de humor;
  • sentimento de derrota ao consumir algum alimento considerado pouco saudável.

Traços de personalidade como perfeccionismo, rigidez, necessidade de controle da vida transferido para o ato de comer são mecanismos obsessivo-compulsivos presentes em pacientes ortoréxicos. O comportamento obsessivo-compulsivo é comum tanto na Ortorexia quanto na Anorexia e na Bulimia. Anoréxicos apresentam obsessão em relação ao teor de gordura e as calorias dos alimentos; bulímicos são obsessivos pelo medo de engordar; ortoréxicos têm obsessão pelo natural, saudável e pela sensação de pureza.

Enquanto na Anorexia e na Bulimia a preocupação é com o peso e a estética corporal, na Ortorexia a preocupação é com um corpo saudável.

Parece paradoxal que a busca por um comportamento alimentar saudável, que visa a prevenção de doenças, promoção de saúde e boa qualidade de vida, possa levar a um estilo de vida deletério, no qual a atitude alimentar obsessivamente saudável é justamente a causa da insalubridade. Talvez o tratamento para esse distúrbio, além de contar com as diretrizes utilizadas para os demais transtornos de alimentação com equipes multiprofissionais, deva considerar análise sobre o conceito de alimentação saudável.

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