Agrometeorologia para jardinagem

As relações entre o ambiente e os sistemas agrícola são estudadas pela agrometeorologia. Serão abordados os principais pontos de interface entre essas duas áreas do conhecimento com o objetivo de promover uma jardinagem melhor.

Jardim de vasos. Foto: ViniRoger
Jardim de vasos. Foto: ViniRoger

As culturas podem ser divididas basicamente em dois tipos: perenes e anuais. Ainda existem as semi-perenes, com ciclo de vida de duração entre 12 e 24 meses, basicamente formada por execções às duas classes já citadas.

As plantas perenes (como árvores, palmeiras, bambus, roseiras) apresentam um ciclo de vida longo. Para durarem muitos anos, as plantas precisam ter uma estrutura mais robusta (com tronco, galhos firmes, folhas grandes ou em enorme quantidade) e são capazes de manter a umidade e têm energia suficiente para produzir folhas, flores e frutos por muito tempo. Quanto mais robusta a planta, maior o tempo de vida e mais ela demora pra se desenvolver e chegar à maturidade.

Já as plantas anuais (como girassol, feijão, alface, salsinha, ervilha, arroz) tem seu ciclo de vida todo dentro de, no máximo, 12 meses. Como elas não tem uma estrutura robusta, tendem a desidratar depressa e ter as folhas mais macias, os caules com “pêlos” ou muito finos, sem aquele aspecto de casca de árvore. Quanto mais frágil ela for, mais rápido ela floresce e produz sementes, como estratégia para garantir as próximas gerações. Nessa cultura, retira-se o que sobra da colheita no solo.

Figura esquemática da relação entre área foliar e comprimento de raízes nas diferenes fases de desenvolvimento da cultura. Adaptado de Freitas (2005)
Figura esquemática da relação entre área foliar e comprimento de raízes nas diferenes fases de desenvolvimento da cultura. Adaptado de Freitas (2005)

Radiação solar

A energia do sol que traz luz e aquece as superfícies e a atmosfera. As regiões tropicais recebem mais energia por área do que as regiões temperadas ou polares. Quanto mais longe da linha do Equador, maior a sazonalidade de horas de sol ao longo do ano: invernos com poucas horas de luz e verões com dias muito longos.

A influência da duração astronômica do dia nas atividades do vegetal tem o nome de fotoperiodismo. Ele pode abreviar ou aumentar o ciclo da planta (incluindo floração), sua composição química, formação de bulbos, tubérculos, raízes carnosas, atividade e repouso vegetativo, tipo de flores e resistência ao frio. Certas plantas com dias curtos (menos de 12 a 14 horas) aceleram seu ciclo e adianta a floração (como milho, feijão, algodão), enquanto que as de dias longos (mais de 12 a 14 horas) aumentam sua fase vegetativa e o número de folhas, ocasionando o atraso no florescimento (como trigo, aveia, espinafre).

Componentes do balanço global de radiação. Adaptado de Asimakopoulos (2001)
Componentes do balanço global de radiação. Adaptado de Asimakopoulos (2001)

O fluxo vertical de energia na atmosfera é fundamental para a determinação do tempo e do clima. As contribuição de fluxos radiativos e não radiativos entre a superfície, a atmosfera e o espaço podem ser vistas na figura acima. Na figura seguinte, é possível observar a distribuição da energia dividida entre solo e planta em função do índice de área foliar. Por exemplo, na fase inicial do crescimento, a maior parte incide sobre o solo, mas quando tem mais folhas (mais desenvolvida), aumenta a área responsável pela fotossíntese. Ainda existe o fototropismo, que é o crescimento orientado da planta em resposta ao estímulo da luz.

Distribuição da energia solar em um campo cultivado. Fonte: Mota (1983)
Distribuição da energia solar em um campo cultivado. Fonte: Mota (1983)

A fotossíntese é o processo pelo qual as plantas absorvem parte da energia solar para fixar o dióxido de carbono atmosférico. Devido aos processos do ciclo de alimentação das plantas, a fixação ocorre durante a noite quando os estômatos estão abertos. Durante o dia, os estômatos se fecham para minimizar a perda de água.

Existem fatores internos que influenciam a fotossíntese, como a estrutura das folhas e dos cloroplastos, o teor de pigmentos, o acúmulo de produtos de fotossíntese no interior do cloroplasto, a concentração de enzimas e a presença de nutrientes. Também existem fatores externos, como a luz disponível, a água, a temperatura e a pressão parcial de gás carbônico. A razão fotossintética da maioria das folhas aumenta até atingir um ponto de saturação. Veja mais sobre fotossíntese no post Por quê as plantas são verdes?.

Fotossíntese: volume de gás carbônio versus iluminação. Fonte: Freitas (2005)
Fotossíntese: volume de gás carbônio versus iluminação. Fonte: Freitas (2005)

Com relação ao período de insolação direta, é comum dividir as plantas em sombra, meia sombra e sol pleno. Só de olhar para a planta, já é possível ter uma noção se ela gosta de sol ou de sombra:

  • Sombra ou luz difusa: até 2 horas de luz solar ao longo do dia, com pouca incidência direta de raios solares (geralmente manhã ou tarde). Folhagem verde escura, opaca, de folhas largas (mas de espessura fina), arbustos com folhas sobrepostas (umas protegem as outras do sol), sem caule lenhoso, rasteiras que dão pouca flor, surgem em cantos de construções e/ou paredes;
  • Meia Sombra: parte do dia fica no sol e parte na sombra (pode ser o sol da manhã, que é mais fraco, ou o sol da tarde), podendo amarelar se ficar com excesso ou não dar flores se ficar com falta de sol. Arbustos com folhas muito coloridas, largas e espessura fina;
  • Sol Pleno: mais de 6 horas por dia de incidência direta de raios solares. Folhas claras e/ou guardam água nas folhas (mais carnosas, com superfície encerada), de formato cilíndrico/redondo (ou folhas cilíndricas, pequenas e duras), rasteiras (forrações que dão flores, nas sombras não dão flores), flores vermelhas ou amarelas (cores quentes), árvores (especialmente de grande porte, por causa do caule lenhoso).

Água (umidade e precipitação)

A água exerce diversas funções nas plantas, como fotossíntese, transporte de substâncias entre suas diferentes partes, meio para reações químicas, regulação da temperatura, suporte e crescimento das células. A transpiração (liberação de água através dos estômatos) evita o aquecimento exagerado e funciona como uma bomba propulsora, realizando a ascenção de seiva bruta (água e sais) desde as raízes até as folhas.

As trocas de água entre a planta e a atmosfera ocorrem principalmente através das folhas. Nelas, estão localizados pequenos orifícios denominados estômatos, que se abrem e se fecham em resposta à quantidade de água existente nas células-guarda. Quando a célula-guarda absorve íons potássio, a água entra e torna-se túrgida, abrindo o estômato – e vice-versa. Isso porque a parede dessas células voltada para o interior do orifício é mais espessa que o resto da parede. A água nos vacúolos mantém a turgidez da célula vegetal, ou seja, se a disponibilidade de água diminui, a planta murcha. Quando a concentração de água externa a uma folha é menor que a interna, ocorre uma perda de água pelos estômatos.

Células vegetais e estômatos em microscópio. Fonte: Yersinia pestis
Células vegetais e estômatos em microscópio. Fonte: Yersinia pestis

Com o estresse de umidade do solo aumentando, a taxa fotossintética ótima é atingida em irradiâncias mais baixas. Quando o estresse de umidade do solo é baixo e com pouca demanda evaporativa da atmosfera, a fotossíntese continua a crescer mesmo em altas irradiâncias. Alto estresse atmosférico, particularmente, estresse atmosférico extremo reduz a fotossíntese, provavelmente devido à rápida evaporação que reduz o turgor nas células guarda causando o fechamento dos estômatos.

A evaporação é o processo físico de mudança de fase da água do estado líquido para o gasoso. A transpiração é o processo biofísico pelo qual a água que se fez presente no metabolismo da planta é transferido para a atmosfera na forma de vapor. Nas plantas, esses processos ocorrem simultaneamente, o que é conhecido como evapotranspiração. Os fatores determinantes desse fenômeno são:

  • Fatores climáticos: Radiação Líquida, Temperatura, Umidade, Vento;
  • Fatores da planta: Espécie, Albedo, Estágio do Desenvolvimento (de modo geral, quanto maior o índice de área foliar, maior a evapotranspiração), Altura da Planta, Sistema Radicular;
  • Fatores de manejo do solo: Espaçamento/densidade de plantio, Orientação do Plantio (sombreamento e caminho do sol no céu ao longo do dia/ano), Capacidade de armazenamento de água (permeabilidade, menor em solos argilosos e maior nos arenosos).

O solo é formado por macropóros (onde existe ar), água (com substâncias dissolvidas) e a parte sólida, que é composta por minerais, matéria orgânica e vários componentes químicos. A textura do solo diz respeito à distribuição das partículas de acordo com as proporções relativas dos vários tamanhos de partículas num dado solo, cujas frações texturais básicas são a areia, o limo (silte) e a argila.

Conforme o tipo de solo e condições fisico-químicas, ele tem diferentes capacidades de armazenar água. A umidade do solo expressa o quanto de água está no solo. A interceptação é a retenção de parte da precipitação acima da superfície do solo e infiltrar (passar para o interior do solo). Aos poucos, o volume retido pode ser usado pelas plantas, evaporar, seguir para depósitos subterrâneos (percolação) ou acumular em corpos d’água em partes mais baixas do terreno (deflúvio) quando o solo já está enxarcado em sua máxima capacidade de retenção.

Em hidrologia, balanço hídrico é o resultado da quantidade de água que entra e sai de uma certa porção do solo em um determinado intervalo de tempo. Esse tipo de balanço é aplicado em bacias hidrográficas para verificar a disponibilidade hídrica no solo, caracterizar secas, classificar regiões com relação aos cultivos (zoneamento agroclimático) e determinar melhores épocas de semeadura (menos restrições hídricas). Contabilizando as entradas e saídas de água, tem-se que:

Precipitação + Água de irrigação = Mudanças de umidade do solo + Evapotranspiração + Percolação + Deflúvio superficial

Quando os macroporos do solo são esvaziados em solos saturados, isso é conhecido como drenagem. Se o solo está com déficit hídrico após um longo período de estiagem, ele deve voltar a enxarcar para preencher reservatórios e outros corpos d’água. Chuvas contínuas tendem a enxarcar o solo, favorecendo deslizamentos de terra. Já pancadas de chuva podem trazer chuva forte, granizo e ventania, causando danos físicos às plantas.

Temperatura (ar e solo)

O aumento da temperatura induz, em curto prazo, o aumento da atividade fotossintética. Em longo prazo, ocorre diminuição da atividade respiratória e do estímulo da atividade fotossintética. Existem temperaturas ótimas para cada planta considerando maior ganho de matéria seca (fotossíntese – respiração) ou para divisão celular e formação de flores.

Por exemplo, para o tomateiro, o crescimento vegetativo é acelerado por altas temperaturas noturnas, mas o tamanho das flores e o desenvolvimento dos frutos é inibido. Já o morango deve desenvolver-se em temperaturas diurnas em torno de 10°C, pois temperaturas mais altas prejudicam seu sabor. Também existem máximos e mínimos de temperaturas que podem ser letais para cada tipo de planta.

A dormência pode ser caracterizada pela ausência temporária da germinação, mesmo quando em condições adequadas de sua ocorrência. Ela pode ser provocada por condições externas, como temperaturas baixas. A quebra de dormência pode ser feita alterando-se bruscamente a temperatura ou mesmo através de forçantes mecânicas.

Quando a temperatura de uma superfície cai até a temperatura do ponto de orvalho, ocorre a condensação do vapor d’água adjacente sobre a superfície. Quando esse orvalho congela muito rapidamente, existe a formação de geada. Geralmente ela começa com um fluxo de ar muito frio ou resfriamento intenso da superfície (comum em noites sem nuvens pouca umidade). Quando existe pouca umidade e perda radiativa intensa, a seiva e os tecidos podem congelar e matar a planta, o que é conhecido como geada negra.

A temperatura do solo tem grande importância para as plantas, podendo diferir muito da temperatura do ar conforme o tipo de superfície, topografia (inclinação do terreno e direcionamento com relação ao sol) e insolação. O solo abosrve a energia do solo e emite calor, e quanto mais escura a superfície, mais calor ela emite. O calor é transmitido para camadas inferiores do solo, o que acontece com maior eficiência em solos e menor em solos arenosos – veja mais no post Variações da temperatura no solo. A umidade também aumenta a difusividade do calor, pois rompe o isolamento do ar que constitui o solo, enquanto que a matéria orgânica diminui essa transmissividade de energia.

A temperatura no solo influencia a germinação das sementes, atividade funcional das raízes, velocidade e duração do crescimento das plantas, ocorrência e severidade das doenças das plantas. Uma temperatura desfavorável durante a estação de crescimento pode retardar ou mesmo arruinar colheitas. Temperaturas muito altas podem gerar lesões destrutivas nas raízes, enquanto que temperaturas muito baixas impedem a absorção de nutrientes minerais.

Vento

Junto à superfície, a velocidade do vento horizontal é zero, aumentando com a altura conforme as rugosidades e obstáculos da superfície. Os ventos são importantes na transferência de energia, vapor d’água e gás carbônico. Assim, o vento afeta o crescimento das plantas sob três aspectos: evapotranspiração, absorção de gás carbônico e efeito mecânico sobre as folhas e ramos.

No geral, o melhor é um vento moderado, que promove a mistura dos gases através da turbulência e aumenta a fotossíntese por melhorar a disponibilidade de gás carbônico. Ventos fortes tendem a retirar a umidade resultante da evapotranspiração, secando o ar e promovendo grande perda de água da planta. Além disso, podem promover danos nas folhas e galhos – ou mesmo arrancar com raíz e tudo, em casos de ventanias extremas.

Por esse motivo, vegetação próxima de estradas e locais abertos onde o vento corre mais rápido junto do solo tende a sofrer mais estresse hídrico. Com isso, seu crescimento tente a ficar reduzido ou mesmo causar a morte precoce da planta a longo prazo.

De modo geral, existem plantas que escapam dos efeitos dos ventos por serem muito pequenas, plantas que toleram ventos (como palmeiras e pinheiros, com um formato de copa e de folhas que minimizam os efeitos de impacto) e plantas que são sensíveis aos ventos, com grande redução em seu crescimento conforme a velocidade aumenta.

Fontes

  • ASIMAKOPOULOS, D. N. Climate and climate changes. In: Santamouris (Org.), M. Energy and climate in the urban built environmentedited. [S.l.]: James x James, 2001.
  • FREITAS, E. D. Notas de aula da Disciplina ACA-0429 Agrometeorologia, IAG-USP, 2005.
  • MOTA, S. M. Meteorologia Agrícola, Nobel, 1983.

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