O objetivo aqui é o de observar uma séria de mapas de uma rodada de modelo de previsão numérica de tempo para os eventos de neve no sul do Brasil na noite de 28/07/2021 e de geada em São Paulo na madrugada de 30/07/2021. Foram feitos mapas para observar o comportamento em quatro níveis da atmosfera, onde cada um deles contém parões típicos a serem observados.
Esses eventos fizeram parte de uma onda de frio, fenômeno que ocorre quando uma massa de ar frio atinge uma grande área, fazendo as temperaturas ficarem abaixo de um determinado limiar por cerca de 3 dias consecutivos. Ela veio depois de outras duas ondas de frio: 28/06 a 02/07, que chegou a atingir o Equador, e entre 17/07 e 21/07.
A partir das considerações feitas no post Mapas de previsão numérica de tempo: o que é analisado?, seguem as análises das condições iniciais da rodada do modelo (figura a seguir) com foco na região sul do Brasil. Nesse caso, são observadas as saídas do modelo WRF rodado pelo CPTEC/INPE com condições iniciais às 00 UTC de 27 de julho de 2021 (ou seja, 21h do dia anterior considerando o horário de Brasília).
Na carta de superfície, observa-se um sistema frontal entre a Bolívia, Paraguai, RS e o Atlântico associado aos vértices dos cavados de um centro de baixa pressão no Atlântico Sul (aproximadamente 47°S/50°W). Também pode ser vista a Alta Subtropical do Pacífico Sul (ASPS) em 39°S/85°W com núcleo de 1040 hPa.
Em 850 hPa, é possível notar um amplo escoamento anticiclônico associado a Alta Subtropical do Atlântico Sul (ASAS) cobrindo boa parte do Brasil. O JBN está configurado sobre a Bolívia, Paraguai, MS, sul de SP, PR, e SC. A isoterma de 0°C é observada sobre o centro da Argentina e sul do Uruguai, evidenciando o avanço da massa de ar frio sobre o continente.
Em 500 hPa, observa-se uma ampla circulação anticiclônica sobre grande parte do centro-norte do Brasil. Ao sul de 25°S, nota-se a região com maior baroclinia, associada aos jatos de altos níveis. O cavado frontal é observado sobre o centro-leste da Argentina.
Em 250 hPa, nota-se que o Jato Subtropical oscila entre 25°S no Pacífico e 35°S no Atlântico e contorna um cavado no interior do continente. Um amplo cavado é observado entre a Argentina e o Atlântico. Este sistema é contornado pelos ramos norte e sul do Jato Polar e favorece a incursão de uma forte massa de ar frio sobre a Argentina.
Agora segue a análise para previsão da manhã de 29 de julho (2021-07-29 12 UTC), após a passagem da frente fria e com foco na região sul.
Em superfície, nota-se que o sistema frontal deslocou-se atingindo o MT, GO, MG, sul da BA e o Atlântico adjacente, e a baixa pressão associada foi para 44°S/10°W aproximadamente. Em 850 hPA, o escoamento de sul, associado à alta pós-frontal, favorece a incursão de massa de ar fria entre a Argentina, Paraguai, Bolívia e porções sul e centro-oeste do Brasil. A isoterma de 0°C é observada sobre o sul do contente, mas também sobre parte leste do do RS, evidenciando o avanço da massa de ar relativamente mais fria ao sul desta isolinha.
Em 500 hPa, nota-se a região com maior baroclinia ao sul de 20°S, associada ao reflexo dos jatos de altos níveis, e que contornam o cavado frontal. O ciclone em superfície mostra-se aprofundado nesse nível, promovendo o transporte de umidade para o Sul do Brasil. Em 250 hPa, o Jato Subtropical oscila entre 15°S no Pacífico, onde contorna um cavado, e 25°S no Atlântico, onde também contorna outro cavado. O cavado sobre o Atlântico também é contornado pelos ramos norte e sul do Jato Polar.
Localizando-se a frente fria nas cartas e comparando seu movimento entre os dois horários de análise, é possível estimar sua movimentação. A frente fria apresentou um movimento bem meridional, o que não é tão comum. Por isso, teve um avanço mais rápido e transportando frio intenso, sem muito tempo para troca de calor com a superfície.
Neve em RS e SC dia 28 de julho de 2021
Após analisar o quadro sinótico das condições inicias e da previsão para o dia do evento, nota-se que realmente havia uma configuração para a ocorrência de neve e geada em pontos de São Paulo e sul do Brasil. O produto de neve do WRF para o mesmo período de previsão também aponta para ocorrência de neve nas serras gaúcha e catarinense, o que realmente ocorreu.
O episódio de neve no dia 28 de julho foi o terceiro de 2021 e o que foi previsto com mais confiabilidade. A formação de neve começou devido à massa de ar muito frio associada à frente fria que havia passado e a umidade transportada pelos ventos de sul originados por um ciclone extratropical. As precipitações invernais podem incluir neve (queda de flocos sólidos de água), chuva congelada (neve derrete e congela novamente antes de alcançar a superfície), chuva congelante (neve derrete mas congela novamente em contato com a superfície) ou graupel (neve que cai na forma de pequenas esferoides de gelo).
Desta vez nevou também em cidades de menor altitude na serra gaúcha, como Gramado e Caxias do Sul. Os registros de neve ou chuva congelada também foram observados em cidades do planalto gaúcho e catarinense, na região da campanha, no sul do Rio Grande do Sul. Por volta das 21h30, pelo menos 43 municípios na Região Sul do Brasil já haviam registrado alguma precipitação de inverno como neve, chuva congelada e até nevasca (grande quantidade de neve e vento no ar, reduzindo a visibilidade).
Exceto as áreas mais elevadas de planalto e serra do Rio Grande do Sul de Santa Catarina, todas as outras regiões do Sul e do estado de São Paulo apresentaram condições de temperaturas extremamente baixas, inclusive negativas em vários locais, permitindo a formação de geada generalizada. Veja o mesmo evento usando dados de reanálise no post Reanálise: eventos de neve e de geada.
Geada em São Paulo na madrugada de 30 de julho de 2021
A geada ocorre quando a temperatura da superfície do solo caia a 0°C ou valores negativos, geralmente em noites de céu claro (com alta perda radiativa) ou com advecção de ar frio. A geada branca forma-se quando vapor d’água que está logo acima da superfície passa para o estado sólido, formando uma superfície esbranquiçada devido aos cristais de gelo. Quando a temperatura fica muito baixa, a seiva das plantas pode congelar e causar a geada negra – quando a planta morre, seu tronco fica escurecido, daí o nome.
Os mapas feitos para 30/07/2021 00 UTC (noite de 29 para 30 de julho) estão disponíveis no post Mapas de previsão de tempo com python – que inclusive mostra como foram feitos os mapas utilizados. A análise sinótica é bem semelhante à feita aqui, para o dia anterior, sendo que agora a massa de ar frio e seco já atingiu o estado de São Paulo. Nesse mesmo post, está disponível uma imagem com aumento onde é possível ver temperaturas negativas no centro da região Sul e serras da Mantiqueira e do Mar, além de outras regiões paulistas.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), às 6h, os termômetros marcavam 4,3°C no Mirante de Santana, na Zona Norte de capital. De acordo com o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), órgão da Prefeitura de São Paulo, as estações automáticas de Capela do Socorro e Engenheiro Marsilac, no extremo da Zona Sul de São Paulo, marcaram -2°C e -3°C, respectivamente, nesta madrugada.
O extremo da Zona Sul paulistana costuma ter temperaturas menores que o restante da cidade por ser bem mais vegetado, próximo da Serra do Mar e às represas Guarapiranga e Billings. Moradores registraram a vegetação e outras superfícies esbranquiçadas pelo gelo.
PS: Em 23/07/2021, uma empresa de meteorologia publicou em seu site uma notícia sobre esse esse evento extremo de frio como “Onda de frio pode ser uma das mais intensas neste século no Brasil”. Para justificar, apresentou uma imagem de um modelo canadense (GDPS/CMC) para temperatura em 850 hPa (e não de superfície) com valores de até -15°C em partes das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Alguns dias depois, as rodadas desse modelo já não apresentavam mais tal comportamento, o que é possível acontecer. No entanto, muitas pessoas ficaram alarmadas, dando origem a notícias falsas sobre o tema – veja mais no texto do Meteorópole Fake news na Meteorologia: é verdade que vai nevar até em São Paulo?
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