Crateras causadas por relâmpago

A formação de crateras devido à queda de grandes meteoritos é um fato marcante (literalmente) na superfície de um planeta. No entanto, apesar de pouco documentadas, existem casos em que o impacto de um relâmpago no solo forma uma cratera.

Existem vários relatos de raios atingindo torres, árvores, linhas de alta tensão, animais em campo aberto, aviões e outros pontos, causando muitos danos. Quando a queda ocorre em terrenos arenosos e de topografia plana, um relâmpago de alta intensidade (entre 10 e 20 mil amperes) pode fundir a areia devido às altas temperaturas (acima de 30.000°C) e gerar formações conhecidas como fulguritos.

Fulguritos de areia (Okeechobee, Florida) e de solo (Lancaster, California). Fonte: Wikipedia
Fulguritos de areia (Okeechobee, Florida) e de solo (Lancaster, California), a partir da esquerda. Fonte: Wikipedia

Os fulguritos (do latim fulgur, “raio”) são tubos naturais (ocos e alongados) formados ocorre uma descarga elétrica atmosférica no solo de areia quartzosa rica em sílica, solo misto, argila, ou outros sedimentos, vaporizando rapidamente e derretendo tais materiais. Podem ter vários metros e ramificações, com formato semelhantes às figuras de Lichtenberg, que são os padrões de ramificação produzidos nas superfícies dos isoladores durante a quebra dielétrica por descargas de alta tensão – como raios. Após formado, o fulgurito fica totalmente enterrado na areia.

Por dentro, possui aparência vítrea, mas por fora, os grãos de areia semi-fundidos dão-lhe uma aparência áspera. Possui as mais variadas tonalidades, dependendo da coloração da própria areia. A maioria dos fulguritos naturais varia de branco a preto, sendo que o ferro é uma impureza comum que pode resultar em uma coloração verde-acastanhada profunda.

Crateras

A ocorrência da cratera a seguir foi documentada pelo pesquisador do INPE, o geólogo Paulo Roberto Martini. Ele visitou a região duas vezes para investigação, tendo apresentados os resultados no 49º Congresso Brasileiro de Geologia (2018).

Em 23 de janeiro de 2000, a passagem de uma frente fria trouxe muitos raios para o município de Jaboticaba/RS, após 45 dias de seca, com pico por volta das 20h no local. O fenômeno foi registrado por imagens de satélite, assim como uma rede de detecção de raios e um conjunto de sensores detetores de anomalias elétricas instalado ao longo das linhas de alta tensão que cruzam o interior da região.

Crateras com fratura principal, com cratera principal em destaque. Fotos: Paulo R. Martini
Crateras com fratura principal, com cratera principal em destaque. Fotos: Paulo R. Martini

No dia seguinte, moradores da zonda rural relataram fraturas e crateras no solo, nas coordenadas 27°41’26”S e 053°17’12”W. Em consulta ao serviço de força e luz da rede, registrou-se um raio de carga positiva com tensão elétrica de 50 mil amperes às 20h01min, a cerca de 1,5 quilômetro do local da cratera.

“O impacto foi intenso e estrondoso, fazendo tremer o terreno e as construções nas vizinhanças de acordo com depoimentos dos moradores locais e das proximidades. Os dispositivos eletrônicos todos queimaram até uma distância de 250 metros das crateras.”

A região de Jaboticaba está localizada dentro da Formação Serra Geral: um grande derrame de lavas basálticas ocorrido entre Jurássico Inferior e Cretáceo Superior e que cobre a maior parte do centro-norte do Rio Grande do Sul. A topografia do sítio é controlada por um dique de diabásio que produz um espesso e solo argiloso vermelho-escuro, de terreno pouco ondulado.

A primeira visita do pesquisador ocorreu três dias após o evento, quando foram coletadas algumas amostras, tomadas medidas de GPS e fotos das crateras, do sistema de fraturas e dos danos à soja plantada no local. Registrou-se um conjunto de 4 crateras e 5 fraturas seguindo um padrão radial em uma região de 260 metros quadrados. A cratera principal media 30 centímetros de diâmetro, com um segundo buraco medindo 20 centímetros e dois menores, cada um com 5 centímetros de diâmetro.

A parede da cratera principal apresentava ressaltos em espira, como se tivesse sido feito por um “saca-rolhas”. Esse padrão é típico das cicatrizes em espiral deixadas por raios quando atingem árvores. As fraturas mais longas (50 centímetros) mostravam um pó cinza escuro e carbonizado. É possível que a ausência de maiores quantidades de SiO2 no solo poderia ter inibido a a presença de verdadeiros fulguritos.

Geologia estrutural e esboço da seção transversal do sítio de impacto do raio. Fonte: Paulo R. Martini
Geologia estrutural (acima) e esboço da seção transversal do sítio de impacto do raio. Fonte: Paulo R. Martini

Na segunda visita, seis após meses do ocorrido e durante o inverno (estação mais seca), foi conduzida uma seção transversal, de forma a se conhecer mais os efeitos em profundidade. Com uma retroescavadeira, foi aberta uma seção medindo 2 m² de entrada e quase 5 metros de profundidade.

A rota subterrânea da descarga (canal ou funil) abaixo da cratera principal se abriam para 3 câmaras (bulbos), cada uma medindo 20 centímetros de diâmetro e situadas a 1,5 metros abaixo da superfície. Dois canais abriam-se em forquilha logo após as câmaras. O canal principal (de maior diâmetro) abria-se em dois outros menores, avançando de forma oblíqua para maiores profundidades. Na profundidade de 5,2 metros, o canal principal continuava para o interior do terreno. Nesse ponto, decidiu-se interromper a escavação, pois o risco de escorregamento de terra era eminente.

O autor acredita que o volume vazio de 2,7 metros cúbicos dos canais pode ser explicado pela vaporização do solo durante a descarga elétrica. Nas paredes do solo ao longo das feições internas, não existe sinal significante de alteração nem fragmentos de rocha sólida, exceto grãos de feldspato intemperizados para uma argila clara.

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