Hans Staden (1525-1576) foi um aventureiro mercenário alemão que fez duas viagens ao Brasil colonial. Em sua primeira viagem, esteve na capitania de Pernambuco em 1548 para recolher pau-brasil e combater franceses, mas que acabou por ajudar um grupo de 120 pessoas cercadas por 8 mil índios em Igarassu (próximo a Olinda).
Em sua segunda viagem, partiu de Sevilha rumo ao Rio da Prata em um navio espanhol em 1549, mas o navio veio a naufragar no ano seguinte, no litoral do atual estado brasileiro de Santa Catarina. Os náufragos rumaram para São Vicente, onde Staden foi contratado como artilheiro pelos colonos portugueses para defender o Forte de São Filipe da Bertioga. Enquanto caçava sozinho fora dos limites do forte, Staden foi feito prisioneiro por uma tribo tupinambá que o conduziu à aldeia de Ubatuba (local até hoje muito conhecido pelo grande volume de chuvas).
Desde o início, ficou claro que a intenção dos seus captores era devorá-lo. Pouco tempo depois, os tupiniquins, aliados dos portugueses, atacaram a aldeia onde ele era mantido prisioneiro. Era tratado como um troféu de guerra pelos tupinambás.
Vivendo em meio ao inimigo, por duas vezes Staden relatou como uma possibilidade de controle das chuvas por meio de seu Deus. Os trechos retirados a seguir foram retirados do livro e atualizados para as regras ortográficas atuais.
Capítulo XLVI
Tinha eu feito uma cruz de pau oco e a tinha levantado em frente a minha cabana, onde morava. Muitas vezes ali fiz minha oração ao Senhor e tinha recomendado aos selvagens de a não arrancar, porque havia de acontecer alguma desgraça; desprezaram, porém, as minhas palavras. Certa vez, em que eu estava com eles a pescar, uma mulher arrancou a cruz e a deu a seu marido para, na madeira que era roliça, polir uma espécie de colar que fazem de conchas marinhas. Isto me contrariou. Logo depois começou a chover muito e a chuva durou alguns dias. Vieram então a minha cabana e me pediram que implorasse a meu Deus que cessasse a chuva, pois que, se não cessasse, impediria a plantação, visto ser já tempo de plantarem. Disse-lhes que era culpa deles, pois tinham ofendido a meu Deus, arrancando o madeiro; e era ao pé deste que eu costumava falar com ele. Como acreditassem ser esta a causa da chuva, ajudou-me o filho do meu senhor a levantar, de novo, a cruz. Era mais ou menos uma hora da tarde, calculada pelo sol. Tanto que a cruz se ergueu, ficou imediatamente bom o tempo, que tinha estado muito tempestuoso até ali. Admiraram-se todos, acreditando que o meu Deus fazia tudo o que eu queria.
Capítulo XLVII
Estava eu com um dos mais nobres entre eles, chamado Parwaa, o mesmo que tinha assado a Hieronymus. Ele, eu e mais outro pescávamos. Ao escurecer, levantou-se uma chuva com trovoada, não longe de nós, e o vento tangia a chuva para o nosso lado. Pediram-me então os dois selvagens, que eu rogasse a meu Deus que impedisse a chuva, porque assim talvez apanhássemos mais peixes. Eu sabia que nas cabanas nada mais tínhamos para comer. As suas palavras me comoveram e pedi a Deus, do fundo do meu coração, que quisesse mostrar o seu poder, não só por terem os selvagens pedido como para que vissem que tu, oh! meu Deus, estavas sempre comigo. Tanto que acabei de orar, soprou o vento com violência, trazendo a chuva, até mais ou menos uns seis passos de nós e nem demos por isso. Disse então o selvagem Parwaa: “Agora estou certo de que falaste com o teu Deus”. E apanhamos alguns peixes.
Quando tornamos às cabanas, contaram os dois selvagens aos outros que eu tinha falado com o meu Deus e que coisas tinham acontecido. Foi admiração para todos.
Hans Staden pediu ajuda a um navio português e a outro francês, mas ambos recusaram-se a ajudá-lo por não desejarem entrar em conflito com os índios. Foi, enfim, resgatado pelo navio corsário francês Catherine de Vatteville, comandado por Guillaume Moner, depois de mais de nove meses aprisionado.
De volta à Europa, publicou seu livro intitulado “História Verdadeira e Descrição de uma Terra de Selvagens, Nus e Cruéis Comedores de Seres Humanos, Situada no Novo Mundo da América, Desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas Terras de Hessen até os Dois Últimos Anos, Visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a Conheceu por Experiência Própria e agora a Traz a Público com essa Impressão” – mais conhecido pelos títulos “Duas Viagens ao Brasil” ou “Viagem ao Brasil”.
O livro foi publicado em Marburgo, na Alemanha, por Andres Colben em 1557. A Academia Brasileira de Letras publicou uma versão por Alberto Löfgren, revisada e anotada por Theodoro Sampaio, em 1930 – disponível nesse link.
De acordo com o antropólogo Renzo Taddei no livro “Meteorologistas e profetas da chuva”, em culturas animistas, como as indígenas, é comum o seguinte modelo meteorológico: “choveu de forma conveniente para a coletividade em função das ações (rituais) de alguém (xamã, sacerdote)”.
Um dos xamãs do povo ianomâmi (da fronteira entre Brasil e Venezuela), Davi Kopenawa, publicou em 2015 um livro em coautoria com o antropólogo francês Bruce Albert. Nele, é explicado o processo para se tornar um xamã, o que implica em construir uma rede de relações com os espíritos xapiri e, assim, poder trabalhar com eles em situações específicas:
“Quando a chuva cai sem parar e o céu fica coberto de nuvens baixas e escuras durante dias, não aguentamos mais. […] Então, acabamos pedindo ajuda aos xamãs mais antigos, conhecedores do ser da chuva Maari, para que o convençam a parar. Então, logo bebem yãkoana e começam a trabalhar. Seus espíritos limpam o peito do céu, e depois vão chamar o ser sol, Mothokari, e Omoari, o do tempo seco. Depois, viram a chave das águas de chuva e trazem de volta a claridade do céu.”
“Certos xapiri, como o espírito preguiça, possuem espingardas vindas dos espíritos ancestrais dos brancos, os napënapëri. Ameaçam com elas os trovões para silenciá-los e abrem fogo sobre os në wãri e seus cães de caça.”