A Varig, fundada em 1927, já foi uma das maiores companhias aéreas do mundo, principalmente entre as décadas de 1950 e 1970. Em 2006, após ter entrado em processo de recuperação judicial, sua parte estrutural e financeiramente boa foi isolada e vendida para a Varig Logística S.A. através da criação da razão social VRG Linhas Aéreas S.A., a qual foi cedida para a Gol Linhas Aéreas em 2007. Vamos ver um pouco mais sobre o início, ascensão e queda desse gigante da aviação por um comissário com 18 anos de casa, o Sr. M, após um breve período de trabalho na TAM.
Em 1927, um grupo liderado pelo imigrante alemão Otto Ernst Meyer fundou em Porto Alegre (RS) a Condor, cujo nome depois foi alterado para Viação Aérea Rio Grandense (VARIG). Sua primeira aeronave foi o hidroavião Atlântico, realizando seu primeiro voo entre Porto Alegre e Rio Grande. Inicialmente, operava aviões preferencialmente alemães e em voos regionais. Em 1943 começou a padronizar a frota com os aviões norte-americanos da Lockheed.
O colaborador Rubem Berta tornou-se o presidente da empresa em 1941, guiando a empresa por uma grande expansão, comandando-a até sua morte em 1966. Articulou a transferência do controle acionário para a Fundação dos Funcionários da Varig (depois Fundação Ruben Berta), devido à perseguição aos alemães na época da Segunda Guerra. O pesquisador Felipe Fernandes Cruz afirmou que havia muitos nazistas na Varig, “incluindo pilotos da Luftwaffe e da Lufthansa que trabalhavam na Varig e na Sindicato Condor”. De acordo com suas pesquisas em arquivos da PanAm e da Universidade de Miami, além de documentos da inteligência do Exército americano e do FBI, “há uma enorme lista de funcionários da Varig, seu salários, funções e influências ideológicas. Essa lista acusa uma grande parte de funcionários da Varig em 1941 como nazistas.”
Na década de 1940, realizou seu primeiro voo internacional entre Porto Alegre e Montevidéu. Devido ao fim da Segunda Guerra, havia uma grande oferta de aeronaves a baixos preços, o que gerou a aquisição dos primeiros Douglas DC-3 e Curtiss C-46. Começou a voar para o Nordeste e adquiriu os luxuosos Lockheed Constellation, inaugurando a sua rota mais prestigiosa, que ligava Porto Alegre a Nova Iorque com escalas São Paulo, Rio de Janeiro, Belém e Ciudad Trujillo, hoje Santo Domingo. Estes operaram até a década de 1960, substituídos pelos Boeing 707, e fizeram da Varig uma concorrente direta da PanAm. Os famosos aviões a jato Sud Aviation Caravelle (veja as propagandas dele e outras no vídeo abaixo) começaram a chegar em 1959, que depois foram também substituídos pelos Boeing 707 nas rotas internacionais (Nova Iorque, Paris, Tóquio, Londres etc).
Em 1961, a Varig assumiu a Real Aerovias, que já havia comprado a Aerovias Brasil e era maior no mercado doméstico do que a própria Varig. Começaram a utilizar os aviões Convair, os jatos mais rápidos do mundo na época, principalmente nas rotas para Lima, Caracas, Cidade do México, Los Angeles e Miami. Com o nome oficial de Real Transportes Aéreos, a Real Aerovias foi uma companhia aérea brasileira, fundada no ano de 1945 pelo empresário paulista Vicente Mammana Neto. O vídeo a seguir mostra como era o serviço de bordo da companhia naquela época (com direito a peru, bolo e frutas frescas) e um pouco da navegação aérea (o navegador utiliza uma espécie de periscópio para avaliar a posição das estrelas e calcular a rota da aeronave).
Em 1965, a Panair do Brasil foi dissolvida pelo governo brasileiro, e suas aeronaves e rotas foram entregues para a Varig, o que permitiu o início das rotas para a Europa, que eram operadas pela Panair. Com isso, a Varig incorporou também dois Douglas DC-8. Em 1962, começou a utilizar os Lockheed L-188 Electra, famosos na ponte aérea Rio-São Paulo.
Na década de 1970, a Varig começou a ficar famosa pelo serviço de bordo, que incluía caviar para a primeira classe e jantar com churrasco no espeto. Veja esse exemplo do serviço de bordo servido na Varig, pela comissária de bordo Claudia Vasconcellos, que escreveu o livro “Estrela Brasileira“: “Servíamos canapés frios — torradinhas cobertas com pasta de roquefort, ovas de salmão com maionese, foie gras e pequenas bolinhas de caviar com uma mini-fatia de limão — e quentes, palitos de churrasquinho e casquinhas de siri. (…) Trazia, na parte superior, uma lagosta com galantine, uma concha cheia de gelo moído encimado por uma lata grande de caviar Beluga Malossol e limões cortados ao seu redor, vodka Stolichnaya envolta em gelo enluvando a garrafa”.
O então comissário da Varig, Sr. M, confirma as histórias e ainda acrescenta que era servido lanche em todos os trechos, incluindo almoço e janta quando era o horário. A comida era separada em cumbucas, inclusive lembrou de uma turbulência de céu claro (CAT) em que voou “salpicão de frango pra todo lado”. O avião subiu rápido, somente dando tempo de sentarem e afivelarem os cintos, e desceu muito mais rápido (o líquido saiu e voltou dos copos). A variedade de bebidas era grande, de cervejas e Campari a vinhos e água de coco.
Vieram os primeiros Boeing 727, utilizados na América Latina, Miami e Cabo Verde, e depois convertidos em cargueiros e passados para a Varig Log (divisão de cargas, inicialmente chamada Varig Cargo). Também vieram os já bem sucedidos mundialmente Boeing 737 e Douglas DC-10, este o primeiro jato “widebody” (dois corredores) da América Latina e que foi substituído pelo McDonnell Douglas MD-11 na década de 1990. Também nessa década, em 1975 passou a controlar a Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, cuja marca ainda permaneceu até 1992, e a Rio Sul no ano seguinte, operando várias rotas regionais no sudeste e centro-oeste.
Em 1980, a Cruzeiro encomendou dois Airbus A300 para operação em suas rotas domésticas de alta densidade. No ano seguinte, chegaram os primeiros Boeing 747-200, inicialmente empregados nas rotas para Nova Iorque, Frankfurt, Paris, Londres e Roma, e posteriormente também para Frankfurt, Joanesburgo, Tóquio, Hong Kong e Bangoc (Tailândia). Um deles inaugurou as operações no aeroporto de Guarulhos (SP), procedente de Nova York. Em 1986, encomendou os bimotores Boeing 767, os primeiros aviões da Varig a não precisar de um engenheiro de voo, empregados nas rotas para Lisboa, Madri, Roma, Milão, Chicago, Atlanta, Toronto e outras cidades da América do Sul. Na década de 1990, a Rio Sul começou a renovar sua frota de Embraer EMB-120 Brasília com novos jatos Embraer ERJ-145 e boeing 737, e a partir de 2001 a Varig começou a receber os Boeing 777, alguns equipados com uma tela em cada poltrona para entretenimento.
A partir do ano de 1996, a Varig começou a ter balanços negativos, essa situação não se recuperou mais. Começou a perder espaço para TAM, Gol e VASP, que adotaram o modelo low cost, e as regionais Rio Sul e Nordeste começaram a enfrentar a concorrência no mercado regional das empresas TRIP e Total. O congelamento das tarifas aéreas nas décadas de 1980 e 1990 (fruto de uma ação da Varig contra o governo na qual pedia R$ 4 bilhões), complementadas por uma administração ineficiente e os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 aprofundaram a crise no grupo Varig. As dívidas da Varig, inscritas no balanço de 2004, chegavam a 5,7 bilhões de Reais, e em 2005, a justiça brasileira deferiu o pedido de recuperação judicial. Em 20 de julho de 2006, a empresa foi vendida por 24 milhões de dólares, em leilão, para a Varig Logística, e uma semana depois começaram as demissões (5 mil só no primeiro dia). Em 9 de abril de 2007 a VRG Linhas Aéreas S/A foi comprada pela Gol Transportes Aéreos. Sr. M saiu da Varig e foi readmitido pela Gol, mas preferiu não continuar na empresa vendo a filosofia da empresa mudar tão radicalmente. Veja mais sobre a política da falência da Varig nessa matéria: Eleição fez Lula adiar solução para Varig, mostra WikiLeaks.
Além da importância histórica, a Varig deixou outros legados. A VEM (Varig Engenharia e Manutenção) foi um dos maiores centros de manutenção aeronáutica da América Latina, localizados no Rio de Janeiro e Porto Alegre. Centro de Treinamento passou a ser uma unidade de negócio independente, o FLEX Aviation Center – FAC, tendo os mais modernos recursos e equipamentos em treinamento à disposição dos seus clientes. O jingle da Varig também ficou famoso (veja nos vídeos dos comerciais da empresa). Em um dos momentos marcantes na história da empresa, realizou a chegada da seleção brasileira tetracampeã no espaço aéreo de Brasília em 1994 com o DC-10-30 de pintura comemorativa da seleção escoltado por jatos da Força Aérea Brasileira, seguida do taxiamento da aeronave com o jogador Romário empunhando a bandeira brasileira na janela da cabine de comando. Ao longo de sua existência, a VARIG teve mais de 100 destinos nacionais e por volta de 70 destinos internacionais em todos os continentes.
Sobre os vídeos de comerciais (lado A e lado B), abra o vídeo no youtube e, na descrição, clique no tempo do vídeo que deseja ver.
Onde foram parar os aviões da Varig?
A maior parte dos aviões que voavam pela Varig foram absorvidos pelas empresas que passaram a controlar o que sobrou da companhia aérea. Em 2012, sete aviões foram leiloados sem condições de voo:
- Boeing 727-100 (PP-VLE), no Aeroporto do Galeão (Rio de Janeiro/RJ)
- Boeing 727-100 (PP-VLS), no Aeroporto do Galeão (Rio de Janeiro/RJ)
- Boeing 737-200 (PP-CJR), no Aeroporto do Galeão (Rio de Janeiro/RJ)
- Boeing 737-200 (PP-VMF), no Aeroporto do Galeão (Rio de Janeiro/RJ)
- Boeing 737-200 (PP-VMI), no Aeroporto do Galeão (Rio de Janeiro/RJ)
- Boeing 727-100 (PP-VLD), no Aeroporto Salgado Filho (Porto Alegre/RS)
- Boeing 737-200 (PP-VMH), no Aeroporto Salgado Filho (Porto Alegre/RS)
Somente as aeronaves de Porto Alegre (veja essa imagem do Google Maps com a última localização delas) foram leiloados inteiros (o resto foi picotado). A PP-VMH foi arrematada pela Escola de Aviação Flight, com sede ao lado da Fundação Rubem Berta – foi removida para um pátio próximo à escola, servindo para treinamento dos alunos, em cursos de instrução de voo, mecânica e comissário de bordo. A PP-VLD foi para a empresa Ferrutti Empreendimentos e Participações, que tinha planos de transformá-la em espaço cultural. Fontes: CNJ, Correio do Povo, Aeroentusiasta e Air Vias. De acordo com o AeroMuseu, o avião Boeing 727 PR-LGB foi desmontado em janeiro de 2012 e os Boeing 737 de matrículas PR-LGR e PR-LGS foram trasladados para Miami.
Um leilão Também foram realizados leilões para venda de alguns ativos: um deles em 2013, com o Centro de treinamento, 5 estações de rádio, imóveis, obras de arte e equipamentos de escritório, e outro em 2014, com caixas-pretas, turbinas para Boeing 727, computador de bordo, radares, indicadores de altitude, sensores e miniaturas de avião, totalizando 245 itens.
Uma lista de aeronaves utilizadas pela Varig em toda sua história pode ser vista na Wikipedia, sendo que algumas estão expostas em museus até hoje:
- Douglas DC-3 (PP-VBK), no Museu Eduardo Matarazzo (Bebedouro/SP)
- Curtiss C-46 (PP-VCE), no Museu Eduardo Matarazzo (Bebedouro/SP)
- Convair 240 (PP-VDG), no Museu Eduardo Matarazzo (Bebedouro/SP)
- Lockheed L-188 Electra II (PP-VJM), no MUSAL/Campo dos Afonsos (Rio de Janeiro/RJ)
- De Havilland Dragon Rapide, no MUSAL/Campo dos Afonsos (Rio de Janeiro/RJ)
O Museu da Varig (localizado na rua Augusto Severo, 851, em Porto Alegre) foi fechado em 2007 em função da falência da Varig. Em seu acervo, constavam modelos de aviões utilizados pela Varig, coleção de protótipos, de motores de aeronaves do período de 1927 a 1955 e os uniformes da empresa. Também podia-se ter acesso à cabine do avião DC-3 (matrícula PP-ANU), que foi vendido para um aeroclube do interior do estado, e à cabine de passageiros de um Boeing 737-300, com simulação de voo. O destino do acervo do museu é incerto, embora haja especulações de que esse acervo iria para o Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS, que faria uma seção sobre a história da Varig.
Quanto a informação de que os tripulante é que faziam suas escalas, esta errada, pois havia um setor responsável na empresa chamado Escala de vôos e que tinha que definir com quinze dias de antecedência as escalas de todos os tripulantes. Eu fazia parte desse setor e ajudava a controlar o dia a dia dos tripulantes.
Oi André, muito obrigado pelo comentário. Já fiz a devida correção.